Capítulo bônus.

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Soojin nunca considerou um dia como se fosse o último. Seus dedos estavam procurando algo para se agarrar e descansaram no bolso do seu longo casaco quando ela parou na frente da floricultura.
O tempo que se formava no horizonte de prédios mostrava que choveria em breve.

Já dentro da floricultura, Shuhua conferia o relógio a cada minuto, esperando pela ligação de sua mãe sobre a cirurgia cardíaca de seu pai. Seus lábios formavam uma linha reta de preocupação e quando ela viu a silhueta de um cliente na porta de vidro, suspirou pesadamente.

Quando os olhares se cruzaram, Shuhua sentiu uma paz que não fazia sentido. Havia uma familiaridade naqueles olhos gentis e profundos. Seu celular tocou e ela pediu um minuto atropelando as palavras e a garota sorriu como se compreendesse o momento.

A mãe de Shuhua estava animada ao telefone, comentando sobre como a cirurgia foi tranquila e seu pai já estava no quarto. Seus olhos se encheram de lágrimas por alguns segundos, mas ela se lembrou da cliente misteriosa esperando por ela em meio aos vasos da vitrine.

A chuva começou a cair no segundo em que Soojin tocou uma das rosas expostas em um longo balcão de madeira logo na entrada do local. Se estar ali fosse um erro, ela pagaria as consequências depois.
Após seu sonho na noite anterior, não havia nada a perder. O mundo acabaria. Ela perderia seu verdadeiro amor para sempre.

Ela havia revisado todas as coisas que queria dizer, mas nesse momento sua garganta estava seca e as palavras pareciam ser meras desconhecidas no caos de sua mente. As imagens de sua previsão voltaram aos seus pensamentos: Jimin no chão, caída nos braços de Minjeong que balbuciava palavras incompreensíveis em meio a lágrimas.

O mundo iria acabar e Soojin só queria a oportunidade de olhar nos olhos de Shuhua mais uma vez e dizer que seu universo era movido pelo amor das duas, que todos seus passos eram medidos e feitos somente pela esperança que um dia o demônio a tivesse de volta em seus braços.

Seus dedos agora estavam em torno de uma pétala caída da rosa e ela sentiu aqueles olhos curiosos e gentis nas suas costas:

- Posso ajudar em algo?

- Você acredita no significado de dar certos tipos de flores para momentos específicos? - Soojin queria evitar olhar diretamente para aqueles olhos, mas era impossível.

- Eu deveria mentir e fazer você levar uma de cada. - Shuhua soltou um riso baixo, que fez o coração de Soojin errar a batida. - Mas, acredito em partes. Acho que na verdade o que vale é o modo como você vai expressar isso quando entregar.

- Li uma vez sobre lírios representarem amor eterno e puro. E dálias representam união e esperança. - Shuhua sorriu de um modo magnífico com as palavras de Soojin. - Não sei se é verdade, mas gosto como as pessoas sempre tentam se apoiar em uma explicação do tipo.

- Devo fazer um buquê com os dois então?

- Por favor. Ficaria grata. Espero não estar atrapalhando seu horário para fechar...

- Ainda faltam horas pra que isso aconteça. Não se preocupe. Você pode se sentar no jardim exterior se quiser, é coberto e tem uma ótima vista da chuva.

A melhor vista sempre foi seu sorriso.

A frase ficou entalada na garganta de Soojin, enquanto ela viu a mulher se afastar cantarolando uma música animada em um tom baixo de voz. Nesses momentos ela entendia o egoísmo de Jimin em relação a Minjeong. Ela correu o espaço entre as plantas do jardim em uma caminhada silenciosa por fora, mas conturbada por dentro.

Estar em contato com Shuhua era como enfrentar diversas facetas de um enigma perfeito. Só que no fim, não havia prêmio, apenas um buraco impiedoso de saudades.

Shuhua ainda estava com o sentimento de familiaridade ainda incomodando seu peito. Havia algo no sorriso e na tranquilidade daquela mulher que não era normal. Quando finalmente deu os últimos toques no buquê, seu olhar buscou aquela silhueta ao fundo do jardim de exposição.

A chuva continuava forte e insistente, fazendo o teto do jardim parecer um turbilhão. Quando Shuhua alcançou Soojin, seu coração estava disparado sem algum motivo aparente, suas mãos suavam e havia um pequeno tremor nelas:

- Quer que adicione mais algum detalhe? Um bilhete?

- Não, está perfeito assim. Você fez um ótimo trabalho. - A mulher deu um sorriso que parecia triste para Shuhua.

Todas as palavras que Soojin guardou por anos, rondavam sua cabeça de forma insegura agora. Ela seguiu a mulher até o caixa e observou os pequenos detalhes que sempre atraíam sua atenção. Tudo em Shuhua parecia ter sido esculpido diretamente para afetá-la.

O pagamento do buquê foi feito e Soojin segurou ele em mãos por breves momentos até se dirigir a porta. Shuhua a seguiu tentando entender o erro nas batidas do seu coração, até que a mulher virou:

- Eu pensei em muita coisa para te dizer, Shuhua. - Os lábios de Soojin tremiam. - Eu peço desculpas se isso vai soar confuso e completamente estranho. Você talvez me ache louca e me coloque pra fora no instante que eu formar as frases que realmente quero.

Shuhua abriu a boca, mas ela acreditava na mulher. Acreditava de uma forma que não conseguia entender e isso estava fazendo seu corpo entrar em alerta. Soojin entendeu o silêncio como uma brecha para continuar:

- Faz séculos que te vejo viver. Séculos que vejo você crescer e partir. Séculos que espero te encontrar novamente e tento minimizar todas as suas dores como uma forma de mostrar meu amor. O nosso destino foi arrancado das minhas mãos de uma forma tão bruta e eu não sei quem é o responsável para culpá-lo. - Shuhua tinha os olhos marejados agora, mas não se afastou, continuou encarando Soojin. - Eu não sei o que vai acontecer amanhã, semana que vem ou depois, só sei que vou me esforçar mais uma vez para que você viva. Só quero deixar claro que se eu falhar, você foi a melhor coisa que me aconteceu nesse mundo e no outro. Se a opção de voltar no tempo fosse viável, eu voltaria e tentaria tornar tudo perfeito.

As mãos de Soojin tremiam, mas ela esticou o buquê e o deixou descansar nos braços de Shuhua.

Não houve mais uma palavra trocada.

A chuva cessou assim que Soojin deu as costas à floricultura.

O mundo iria acabar. Mas, antes ela tentaria lutar por ele e garantir que seu próprio universo dentro daquela floricultura sobrevivesse.

Trivium - WinRinaOnde histórias criam vida. Descubra agora