3

2.7K 219 355
                                    

2 anos e 3 meses atrás.

SORAYA P.O.V

Ninguém te avisa o quanto dói ser adulto. Quando somos crianças, o que dói é cair na rua e se quebrar inteiro, mas quando a gente cresce, certas feridas são muito internas. Pra ser sincera, muitas vezes sequer sabemos a fonte da dor, só queremos que ela pare. Da mesma forma, com o vazio.
Cresci ao redor do vazio de ser orfã. De ter sempre o afeto das minhas professoras da escola, pois elas achavam que eu estava sofrendo. Não estava sofrendo, eu sequer sentia falta de algo que nunca conheci. Mas, eu aproveitava os passeios de carro quando o vovô estava disposto, e cochilava ao lado dele nos almoços de domingo. Avós não duram para sempre, porque nada dura para sempre.
Depois disso, com o dinheiro que me restava, alinhei minha vida da melhor forma que consegui. Me enfiei nos corredores de uma universidade e não saía daquele campus até muito tarde da noite. Tão tarde, que eu me encontrava muitas vezes com os professores indo embora do turno noturno. Via as luzes da biblioteca se apagando e percebia que era hora de ir embora. Conhecia todos, e tinha um papo tranquilo com a maioria.

Em exceção de uma. Ela era o tipo de pessoa que eu sabia que me apaixonaria. Eu soube disso no momento que a vi pela primeira vez. Não foi necessariamente amor a primeira vista, mas era um sentimento que se alojou no meu peito. Não diria a ela que eu a amava, com um medo talvez de que ela fosse embora, mas eu sabia que o tempo que eu passasse ao lado dela seria curto demais, mesmo que durasse uma vida toda.

A partir do dia que eu me joguei na frente dela, e chamei ela pra um café, minha vida nunca mais foi a mesma. Descobri naquele dia que ela não bebia café, e nem muito álcool. E eu pensei que fosse só uma desculpa para não sair comigo, quando na verdade, ocupo meus dias de hoje organizando saquinhos de chá na minha cozinha. Simone sempre foi verdadeira demais comigo, até mesmo quando eu mentia pra mim mesma. Ela dizia que eu não era nova demais ou velha demais para fazer o que eu quisesse. Dizia que estaria do meu lado para que eu realizasse meus sonhos, mas que eles eram isso: meus. E ela cumpriu sua promessa.
Foi na minha formatura, obviamente, pois fazia parte da equipe docente, mas também estava na primeira fila no momento em que recebi meu canudo de diploma. Leu e indicou com marca-texto cada cláusula digna de destaque no meu contrato de filiação ao partido quando entrei na vida política. Seu nome estava ao lado do meu na nossa certidão de casamento, era do lado dela que eu acordava todos os dias. Então por que eu ainda esperava que ela fosse embora ? Por que eu queria tanto, mesmo que involuntariamente, que ela dissesse pra mim que tudo acabou ?
Pra mim era mais fácil viver em um mundo em que eu pensasse que as pessoas só me queriam em pedaços, e com isso, passei a distribuir tesouras para àqueles que tinham a ousadia de me conhecer. Deixar antes de ser deixada. Ir antes de sentir a dor da partida. Ser sozinha pode ser confortável, indolor. E solitário, muito solitário.

Eu, que sempre me virei muito bem na solidão da minha companhia, me vi cercada num ninho de amor e parceria. E agora eu tinha ela, e a extensão do que essa parceria se tornou: meu filho, Gael.

Mesmo que sob efeito de anestesia, eu sentia tudo muito intensamente. Escutei um berro pungente invadir a sala, e meus olhos derramaram tantas lágrimas que eu pensei que pudesse derreter. Senti o frio quando minha esposa saiu de seu posto atrás de mim e foi até a mesa de cirurgia, segurar no colo aquele bebezinho tão pequeno. Quando a enfermeira lhe entregou o Gael, Simone tremia tanto, que eu pensei que ela não daria conta de pegá-lo no colo devidamente, mas ela o fez. Aninhou a cabeça úmida no cotovelo, e pela primeira vez, eu vi: os mesmos cabelos pretos. A cor muito clara da pele dos dois. O óvulo do Gael, era dela. E não restava dúvida nenhuma disso.

Ela não queria soltá-lo. Desviou da enfermeira, hipnotizada em sentir o calor que aquela pequena criatura emanava. Só entregou depois de vir até mim, e me mostrar. Como se eu não estivesse olhando antes, como se eu já não tivesse chorado além das lágrimas de assistir aquela cena.

Diga que me odeia [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora