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Como já era esperado, o arranjo começou a funcionar pelas próximas semanas. Simone passou a buscar Gael na escolinha diariamente, e levá-lo até a casa de Soraya, aonde cozinharia todos os dias. O menino, como sempre foi, curioso, não fez questão de perguntar o que estava de fato acontecendo, com medo de gerar um possível conflito, e querendo a todo custo que aquela companhia das duas mães nunca acabasse. Era, esquisito, de fato, que Simone sempre estava lá "montada" com as roupas que usava para trabalhar, um tanto deslocada do cenário da casa, mas sendo também um perfeito encaixe físico naquele lugar. Mas o menino sequer se importava. As amava, e isso bastava.

– A senadora está feliz. – Fernanda esvaziou uma embalagem de plástico de matcha, sinalizando devidamente o final do seu horário de almoço.

– Estou ? – Simone perguntou, colocando na boca um bombom.

– Posso perguntar de onde veio esse Sonho de Valsa ? – Da última gaveta do gabinete da Soraya. E a assessora sabia disso, abrindo um sorriso com a indagação.

– É, tem razão. – Simone deu uma risadinha com o comentário.

– O que faço com a imprensa ? – Perguntou, se referindo ao recente-antigo relacionamento entre as senadoras.

– Nada. Busque apenas a emissão de nota referente à minha candidatura. As reuniões tem acontecido com mais frequência, creio eu que vai se tornar uma realidade. –

– Mas, é um plano a longo prazo. A eleição é somente daqui dois anos. Você sabe como esse tempo não é ágil. – Disse Fernanda, nas entrelinhas do mesmo período de tempo que ela e Soraya haviam ficado separadas, significando uma passagem de tempo muito mais lenta e desgastante.

– Dessa vez, é diferente. Uma campanha é como um castelo de cartas: exige paciência e zelo. –

– E como a Soraya reagiu com a notícia? –

– Ela... ainda não está sabendo da concretização. Ainda é uma remota possibilidade para ela. –

– Não acha que ela deveria saber mais ? Afinal, é uma campanha nacional. Você passaria meses viajando, fora do "controle" dela. – Fernanda guardava, sim, certo ressentimento. Foi prejudicada na história toda, e achava muito injusto tudo o que havia acontecido. Dessa forma, ela sempre tentava reduzir os danos, apresentando sempre as possibilidades.

– Tenho uma reunião mais tarde. Vai definir certo futuro, pretendo compartilhar com ela. – Simone, estava ansiosa com a tal reunião. Obtendo como resultado, quase quatro bombons comidos em menos de uma hora. Não gostava de incertezas, e tampouco da sensação de não saber o que viria a seguir. Gostava de planejar e orçamentar. Era ali que morava seu talento.

– Você vai tirar de letra. Boa sorte. – Fernanda deu uma piscadinha, ajeitando os óculos no rosto ao vê-la sair. Sabia verdadeiramente do potencial político da senadora, e gostava de acompanhar cada uma das suas conquistas. Se conheciam há anos, e havia um envolvimento amistoso entre as duas desde o dia em que começaram a trabalhar juntas. E, pessoalmente, considerava Simone uma mulher muito gentil e agradável.

[...]

– Veja bem, a vice-presidência é um excelente negócio. Vai te impulsionar na carreira, e talvez numa próxima eleição, possa ser de fato, candidata. –

– Eu estou numa sala com meia dúzia de homens, por que não considerou nenhum deles para a sua vice-presidência? – Simone contou, com uma caneta na mão esquerda, buscando seu argumento enquanto escutava a resposta.

– O MDB considera a senhora apta para a posição. – A resposta veio dura, rígida.

– Porque eu uso saia e batom ? Por esse motivo, eu sirvo como o sorriso das suas fotografias e o segundo nome das matérias do seu partido ? – Simone não esboçava raiva, afinal, estava mais que acostumada com manifestações machistas no seu local de trabalho. Por mais que estivesse naquele ramo quase que por uma vida inteira, sabia o quão aquela veia na política, ainda estava muito distante de sumir.

Diga que me odeia [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora