CAPÍTULO 23

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            Por incrível que pareça, eu não estava de ressaca. Na verdade, me sentia feliz e renovada. A noite passada tinha sido reconfortante de uma forma que não esperava. Cada minuto com Archie tinha um poder especial: ele me fazia mais feliz.
            A imagem dele ainda piscava na minha mente — Seu sorriso, seus braços me carregando, e o toque suave do beijo que ele deixou em minha testa antes que eu apagasse. Eu não conseguia conter o sorriso. Mas será que falei muita bobagem enquanto estava bêbada? Eu lembrava de quase tudo, mas as últimas conversas pareciam borradas.
            Onde será que ele estava? Caminhei pela casa com cuidado, torcendo para que um "encontro acidental" acontecesse. Mas ele parecia ter sumido.
— Boa tarde. — Rebecca apareceu quase como um zumbi na minha frente, assim que fechei a porta da geladeira com um copo de leite em mãos.
— Você está bem? — Perguntei, surpresa. Geralmente era eu quem ficava de ressaca.
— Sim. Me dá esse leite. — Sem nem esperar, ela pegou o copo da minha mão, e quase protestei, mas não estava com humor para brigar.
           Rebecca olhou de canto de olho para mim.
— Me conta! Eu perdi alguma coisa na festa? — Eu sorri, mas ela parecia querer evitar o assunto.
— Cadê o Archie? — Tentei parecer despreocupada.
— Vocês não dormiram juntos?
— O quê? Não! Ridícula. Sem graça... — Eu ri, envergonhada, enquanto ela também ria, claramente se divertindo.

                 _________ _________

           Depois de comer, fui até a sala de jogos. Mark, Rebecca, May e John estavam lá, e os convidados da festa anterior já tinham ido embora, ou ainda dormiam no andar de cima.
— Eu estou exausto! — Mark bocejou.
— Bebeu tanto, que até esqueceu o que fez durante a festa… — Rebecca disse com ironia, e eu me perguntei o que ela queria dizer com aquilo.
           De repente, May teve uma ideia: — E que tal um jogo? O da garrafa!
          A sala inteira pareceu aprovar a sugestão. Mas sério, jogo da garrafa? Não éramos muito grandinhos para isso?
— Nossa... Faz tempo que não jogo isso! — Mark parecia nostálgico.
— É um dos meus favoritos. — John disse, com um sorriso estranho.
            May parecia inquieta: — Mas,... Alguém viu o Archie?
             Estranho… Onde ele teria ido? Eu senti uma inquietação crescente também.
             Antes que alguém pudesse responder, ouvi um grito: — ARCHIE!
             Virei imediatamente e lá estava ele, parado, impecável com sua jaqueta de couro, mas com uma expressão mais séria do que eu jamais vira. Eu me senti desconcertada. Ele estava diferente, talvez até distante.
— Onde você estava? — May perguntou.
— Fui tomar um ar.
—Bom… Pelo tempo que demorou, você deve ter enchido bem os pulmões. — Mark não teve sucesso com sua piada, mas obteve sucesso o chamando para se juntar a rodinha do jogo da garrafa.
           Sem hesitar, Archie se sentou com eles, deixando-me sem palavras. Ele não olhava para mim.
— E então, Hanna, você vem? — Rebecca olhava para mim e lançava olhares significativos.
            Eu não sabia o que fazer. Meus pés pareceram tomar a decisão por mim e, sem pensar, me sentei à frente de Archie.
            Ele segurou a garrafa e, sem muito aviso, a girou. O objeto parou diretamente em mim, e meu olhar encontrou o dele, frio e determinado.
            Antes que eu processasse, ele se levantou, segurando minha mão e me puxando.
— Para onde vocês vão? — Ouvi May perguntar, mas a porta se fechou atrás de nós.
             Estávamos sozinhos, em uma pequena biblioteca. Ele passou as mãos pelos cabelos, claramente apreensivo.
— Archie... Está tudo bem? — Perguntei, com a voz trêmula.
             Ele me olhou de forma intensa, me desconcertando.
— Gosta do meu perfume? — Perguntou, se aproximando devagar.
— O que? — Por que essa pergunta agora?
— Gosta do meu perfume?
            De repente o medo me tomou. Eu havia dito ou feito algo na noite passada?
— Eu... Eu não... Não sei… — Tentei responder, mas ele já havia me puxado, seus braços ao meu redor.
— Está forte o suficiente para você agora? — Seu sussurro em meu ouvido, causou um leve arrepio pelo o meu corpo.
            Seus dedos enlaçaram meus cabelos, sua mão pressionando minha cintura. Meu corpo relaxou contra o dele, submisso ao momento inesperado.
E então ele me beijou.
            Seus lábios quentes se moviam em uma lentidão quase torturante. Como se estivesse guardando todos os detalhes desse beijo que parecia moldado no tempo.
           Borboletas agitavam-se no meu estômago. Aquela era a sensação que eu nunca soube que ansiava tanto.
Abri meus olhos por um breve segundo, quase sem fôlego, só para confirmar se aquilo era real. Mas quando ele me olhou de volta, com um sorriso que desenhava uma covinha na lateral da boca, meu coração saltou e eu só queria o beijar ainda mais.
            Ele me segurava contra a prateleira de livros. Me rendi ao ritmo frenético e intenso do nosso beijo, sentindo uma mistura de saudade, felicidade, e algo que parecia uma doce e dolorosa tristeza.
           O beijo foi interrompido lentamente, deixando meu coração descompassado, enquanto nos olhávamos fixamente.
            Seus olhos. E os meus olhos. Eu conseguia me ver neles, de forma tão clara, até que a imagem começou a se desfazer, borrada por uma emoção que mal pude compreender. Seus olhos estavam marejados?
— Sierra.
             O som de minha verdadeira identidade no sussurro dele... Meu corpo inteiro congelou, como se o mundo tivesse parado.

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