CAPÍTULO 18

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— Pai!
— Oi, minha querida!
           Meu pai me pegou nos braços e rodopiou várias vezes enquanto eu sorria.
— Querido, você não disse que iria voltar cedo hoje!
— Eu precisava ver minhas duas princesas. — Ele me colocou no chão e foi até a minha mãe para beijá-la.
— ECA! — Sorri enquanto tampava os olhos para não ver aquela cena.
           Quando tirei as mãos do rosto, percebi que estava sozinha e quando olhei novamente para as minhas mãos, me surpreendi ao perceber que já estava crescida.
— Pai? Mãe? PAI? PAI?
          Comecei a procurá-los desesperada, mas ninguém me respondia e os cômodos da casa onde eu estava, começaram a ficar cada vez mais escuros.
           Quando olhei para o chão, vi que estava pisando em uma poça de sangue.
— O que isso?!
           Olhei para frente e vi meu pai aflito, olhando para suas mãos cobertas de sangue.
— Pai? PAI? O que aconteceu? Pai fala comigo!
           Ele olhava fixamente para suas mãos, nervoso e suando muito. Mas não parecia me escutar mesmo que tentasse gritar o mais alto que pudesse.
— PAI!!! PAI, FALA COMIGO!!! PAI!

                   __________ _________

— PAI! — Acordei gritando.
            Eu tinha esse sonho com frequência quando era mais nova, sempre terminando da mesma maneira trágica... Como se estivesse presa em um ciclo sem fim. Mas agora, com o coração ainda acelerado, eu apenas queria esquecer.
— O que está acontecendo, Hanna? Você já superou isso! — Tentei me convencer.
Toc-Toc
— HANNA! VOCÊ JÁ ACORDOU? NÃO VAI DESCER? VAI PERDER O PÔR DO SOL SUA DOIDA!
— VOU ME TROCAR E DESCER! — Gritei de volta, mas a sensação de opressão ainda me acompanhava.
           Assim que me vesti, a curiosidade de ver meus amigos me arrastou para fora do quarto, embora a sombra do pesadelo permanecesse.
                 __________ ___________

— OLHA PARA ELA! — Rebecca fez com que todos olhassem para mim assim que me aproximei deles.
— Fica quieta! — Sibilei.
— Está muito bonita, Hanna! Acho que nunca tinha te visto assim.
           Me senti um pouco envergonhada com o comentário do Mark. Mas a verdade era que eu não vestia muito vestidos... E ele tinha razão, aquele era bem florido e "rodado", bem diferente do meu estilo cotidiano.
          Cheguei perto de todos desejando que meu rosto não estivesse corado.
           John apenas sorriu e May, tive a impressão que revirou os olhos. O Archie? Eu não consegui olhar para ele no momento. Acho que daria muito na cara, já que sentia que sempre que o olhava, meus olhos delatavam meus sentimentos.
— Bom, já que estão todos aqui vou dizer o que preparei. — May fez que todos voltassem sua atenção para ela e eu fiquei grata por isso.
— Ei Rebecca. — Cochichei disfarçadamente. — Vai ser só nós seis? Pensei que iria ter mais gente aqui.
— Ah, nem se preocupe que o resto chega amanhã a tarde. Mas é só para festa mesmo, a casa em si é só nossa.
— VOCÊS DUAS VÃO PRESTAR ATENÇÃO?
           May pareceu bem chateada. Estava perdendo sua pose de princesa fofa?
— ÓTIMO! — Sorriu como se nada tivesse acontecido. — Ainda falta uma hora para o pôr do sol. Por isso, mandei que preparassem três barcos e pedi que montassem uma espécie de caça tesouro para nós. Dentro do lago, em algum galho, ou lugar tem um lenço amarrado, que será nosso tesouro. Aqueles que encontrarem ele primeiro, poderá desejar um pedido a qualquer um dos que perderem e o escolhido terá que realizar.
          O que ela tava tramando com esse jogo?
— Não sendo dinheiro, por mim está bem. — Mark fez uma cara engraçada.
— Não. Tem que ser algo para realizar aqui. Enfim... Vamos ter até o pôr do sol para concluir o jogo, por isso quem encontrar primeiro grita alto para os outros. Caso ninguém encontre, apenas vamos voltar e aproveitar o fim da tarde. E pelos meus cálculos temos cinquenta minutos agora. — Ela checou o relógio. — Vamos nos dividir em duplas logo.
           Duplas?
— Eu sou bom com barcos. — Archie comentou. — Alguém quer vim comigo?
— Eu!
— Eu!
           May e eu falamos na mesma hora, deixando Archie aparentemente surpreso. Mas quem iria ceder?
— Meninas, meninas... Se acalmem que aposto que os outros também conseguirão conduzi-las no barco. — Rebecca se intrometeu fazendo todos rirem. — MAS, para decidirmos de forma justa quem irá ficar com quem, que tal um pequeno sorteio entre nós? Só preciso de papel e caneta.
— Acho que tenho uma nota de compra, serve? — Mark retirou um papel amassado do bolso e ela logo arranjou uma caneta.
            No final, Rebecca escreveu os nomes das meninas no papel e deu para que Mark distribuísse entre os garotos. Não sei bem o que ela fez, mas fez com que Archie retirasse meu nome.
            E foi isso: John e Rebecca, Mark e May e Archie e Eu.
            May parecia não gostar muito do resultado, mas era FOFA demais para discutir.
            Apenas entramos nos barcos e nos separamos em busca da caça ao tesouro.
                __________ __________

— Você está com frio? — Archie finalmente falou comigo após alguns minutos, notando os pelos do meu braço arrepiados e minhas discretas tentativas de aquecer-me.
— Eu estou bem. — Sorri, tentando esconder o tremor na minha voz.
— A propósito, você está muito linda. — Ele quase sussurrou, e um frio na barriga me fez engolir seco. A sinceridade em seu olhar era quase palpável.
— Obrigada.
            Ele desviou o olhar, mas a tensão no ar parecia aumentar a cada segundo. O silêncio se instalou entre nós, carregado de não-ditos, até que ele quebrou a barreira.
— Hanna... Você queria mesmo ter vindo comigo?
— Como assim?
— Aqui, agora, nós dois. — A sinceridade em sua voz me fez sentir um nó no estômago. — É só que eu não sei o que pensar ou como agir quando estou com você. E não consigo simplesmente ignorar isso.
            Finalmente, ele estava olhando para mim com uma intensidade que me deixou sem fôlego. Por que eu estava tão gelada? A insegurança parecia dominar, mas a verdade que não conseguia esconder começou a aflorar.
— Eu fui muito dura com você e não me expressei como deveria. Eu não queria te afastar, mas precisava ir com calma.
— Então não existe mesmo mais nada entre você e o John? — Ele fez a pergunta, mas eu pude ver seu olhar se endurecer.
— Não. — A resposta saiu mais firme do que eu esperava, mas o receio que ele parecia sentir me atingiu.
— Acho que ele não sabe disso. No último dia em que conversei com ele na biblioteca, ele parecia esperançoso.
            A lembrança do último encontro com John me trouxe um misto de confusão e alívio. Eu precisava deixar claro para Archie que meu coração não pertencia ao John.
— Pensei que as coisas tivessem ficado claras. Eu me envolvi muito rápido com ele. A verdade é que nós não combinamos, para ser sincera.
— Ok. — Ele assentiu, mas o maxilar rígido denunciava o ciúmes que eu queria acreditar que estava apenas imaginando.
— Você fica bem de azul. — O elogiei, tentando aliviar a tensão que se formava, e ele sorriu, um brilho divertido nos olhos.
— Por que está rindo? Eu não disse nada! Não foi um elogio sincero? Não acha mesmo que sou bonito?
             Ri alto, e a leveza entre nós começou a fluir novamente. A tensão deu lugar a um conforto que sentia falta. Ficamos apenas nos olhando, como se o mundo ao nosso redor tivesse desaparecido.
            Aquele sorriso lindo. Quanta saudade das covinhas que apareciam ao redor da sua boca, dos olhos que pareciam enxergar através da minha alma.
             Mas o frio continuava a me envolver, e percebi que precisava me aquecer.
— Aqui. — Ele reposicionou os remos e tirou seu casaco, caminhando até mim.
— Não precisa...
— Nem vem. Você está ficando pálida, está gelada. — Ele colocou o casaco sobre meus ombros, seu calor invadindo meu corpo e, em seguida, segurou minhas mãos, soprando-as repetidamente.
             O gesto simples me fez sentir uma onda de proteção que eu tanto desejava. Era como se ele estivesse cuidando de mim, e a conexão que sentia por ele se tornava cada vez mais intensa.
— Eu estou muito próximo? — Ele perguntou, e ao levantar os olhos para mim, a intensidade de seu olhar fez meu coração disparar.
— A gente vai acabar perdendo a caça ao tesouro.
— Eu já ganhei o meu prêmio, não me importo. — Ele voltou para seu lugar e começou a remar, a leveza em sua voz contrastando com a profundidade do que havia dito.
— Mas não se preocupe. Serei paciente dessa vez e vou esperar até que se sinta à vontade comigo.
            Como eu poderia confessar que a única coisa que me impedia de viver intensamente meus sentimentos por ele era o medo de me machucar ou de o machucar? Eu queria gritar que ele era o que meu coração desejava, mas o receio ainda me prendia.
— Na verdade, tem algo que queria te contar.
— Me diz.
          Antes que eu pudesse revelar o que estava guardado, um grito cortou o ar.
— ACHAMOS!!! — Rebecca gritou empolgada, agitando um lenço amarelo, interrompendo o momento de revelação.
            E assim, a verdade que queria compartilhar com Archie ficou presa na minha garganta, enquanto a realidade voltava a me puxar para longe do que eu mais desejava.

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