------------->PRÓLOGO<-------------

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Quando eu era pequeno eu tinha uma amiga, mas ela não existia de verdade.

Eu era muito novo quando a inventei, ela era perfeita em todos os sentidos: era doce e animada, fofa, gentil, divertida, enérgica e determinada. Em aspectos visuais, ela tinha pele clara, olhos verdes, tinha corpo de ginasta, talvez fosse ginasta, não lembro de ter imaginado esse detalhe mas faria sentido por causa das acrobacias malucas que ela fazia. Seus cabelos loiros e lisos quase encostavam na metade das costas e dois pequenos detalhes inesquecível que eu adorava em sua imagem eram suas poucas sardas espalhadas pelas bochechas  e seus lábios não tão finos, mas bem avermelhados.

Desde que me lembro, estávamos sempre juntos: saíamos para brincar, tomávamos sorvete na minha casa, às vezes eu era forçado a brincar até de boneca com ela. A verdade é que ela sempre foi muito real para mim.

A situação acabou se complicando conforme eu ia crescendo, porque amigos imaginários já não são muito bem aceitos pelas outras crianças hoje em dia, então eu precisava fingir que ela não estava lá para que ninguém me achasse louco, mas se por um acaso ela me fizesse sorrir Ou me fizesse alguma pergunta que eu precisava responder, as pessoas reais se afastavam de mim.

Eu sentia uma conexão especial com ela, afinal, ela realmente fazia parte de mim. Aparecia sempre nos momentos mais inusitados e acabava me assustando quando me pegava de surpresa... minha imaginação deve ser incrível, porque agora percebo que se eu a criei e se ela é parte da minha imaginação, não teria como ela me surpreender ou não aparecer quando quero vê-la, já que eu que decido se ela aparece ou não...

Mas conforme eu crescia, ela foi desaparecendo por si só.
Por volta dos cinco anos, ela aparecia todos os dias. Dos sete aos nove ela começou a aparecer apenas algumas vezes na semana, e a partir dos dez anos, ela aparecia poucas vezes no mês.

Cada aparição parecia ter um motivo, e ela mudava sua expressão meiga gradativamente para uma expressão mais sóbria e madura

Decidi falar sobre isso com minha mãe e meu irmão mais velho, que eram a única família que eu tinha por perto, mas essa foi uma péssima escolha porque eles começaram a achar que eu era... diferente. Um esquizofrênico.

Minha psiquiatra diz que é normal buscar ajuda de antigos amigos imaginários quando nos sentimos mal e sozinhos, então quando entendi que ninguém acreditaria na certeza que eu tinha sobre a existência de Allana ser real, fingi que ela havia sumido para sempre e ela se tornou parte do meu passado. Para os outros.

Mas se imaginá-la me fazia mal, talvez eu devesse esquecê-la de verdade

Decidi que precisava conversar com ela.

Ela passou meses sem aparecer. Comecei a pensar que ela estava com problemas familiares, já que o pai dela queria fazer alguns exames de DNA no sangue dela por achar que ela tinha algum tipo de modificação genética que fazia com que ela tivesse dons que faziam com que ela fosse especial... mas então me lembrei que ela era parte da minha imaginação e que eu provavelmente criei essa história para torná-la mais interessante do que a própria Allana já era para mim, embora ela já fosse a pessoa mais importante em minha vida.

Na escola eu continuava sendo provocado por outros garotos e era motivo de chacota para garotas ricas e populares

Eu sofria bullying na volta para casa, mas não chegava a me importar. Me acostumei a ser ridicularizado e ficar por isso mesmo
Mas mesmo assim, a situação não mudava. Eu era espancado, tinha meu lanche roubado, meus materiais estragados e minhas roupas manchadas praticamente todos os dias.
Depois da aula de natação me acostumei a levar mais roupas porque a que eu usaria misteriosamente sumia do banheiro masculino próximo à piscina, onde todos tinham armários para guardar suas coisas, incluindo eu. Mas em um dia aleatório eu não tinha outras roupas reservas e precisei voltar para casa molhado, e como se não bastasse, valentões que moravam na mesma rua que eu decidiram que era o dia perfeito para me roubarem.

Acabei Voltando para casa de cuequinha vermelha. As pessoas na rua riam de mim, as garotas me olhavam estranho, mas eu não me importo com o que eles pensam. Não me importa a forma como me veem.

- Anthony?
Era ela, de cabeça para baixo na árvore do quintal da minha casa. Ela adorava ficar lá

- menos você.

- menos eu o quê?

-Agora não é uma boa hora para você aparecer.

-Anthony?? O que houve com você??

-Só o de sempre, mamãe. Vou para meu quarto

Allana me seguiu pela escada, chegando no quarto eu olhei em seus olhos verdes e ela entendeu o recado. Depois de um banho quente demorado eu me vesti e fui para o meu quarto, onde ela estava me esperando.

Me sentei na cama ao lado dela e me recostei da cabeceira, cansado. Ela se virou para mim.

- me desculpe por ficar tanto tempo distante de você, Tony.- começou a explicar - é que eu tenho tido tantos problemas com o meu pai... não consegui me conectar a você... você está bem?

Abaixei a cabeça

-Allana, acho que você não deveria mais aparecer para mim.

Seu rosto ficou pálido como prata

-Por quê? Fiz algo que você não gostou? Anthony, sua companhia é muito importante para mim, você é o único amigo que eu tenho!- seus olhos se encheram de lágrimas

- minha mãe e meu irmão estão achando que sou maluco, porque eu criei você quando era pequeno e ainda falo com você aos onze anos como se fosse real. Eles me mandaram a uma psiquiatra! Eu tive que fingir que você tinha desaparecido, Allana. Acho que você não deveria mais vir aqui. Sinto muito.- uma lágrima solitária e silenciosa rolou pela minha bochecha contra minha vontade. A verdade era que me desfazer da minha amiga doía muito em mim.

-entendo... se é o que você quer...

Ela então fez algo que eu não esperava. Ela se aproximou, segurou meu rosto, fitou-me com uma mistura de raiva e tristeza nos olhos e... me beijou. Depois disso ela desapareceu e nunca mais eu vi Allana.

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