6. O fim e o início

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O vejo subir as escadas e se encontrar comigo sentada no chão, eu não levanto o olhar, estou presa em completa confusão e depressão. Ele se agacha lentamente e eu pude ver...

Não acredito.

Ele estava sem o traje ghostface, ele estava... normal. Vestia uma calça preta, moletom preto, seu capuz cobria sua testa, deixando o olhar exposto, mas ele usava uma balaclava preta folgada cobrindo apenas o nariz pra baixo, junto ao pescoço. Eu pude ver os seus olhos... São azuis como um diamante, sua sobrancelha e cílios é da cor loira puxada pro tom de canela, bem típico de russo. E sua pele... era branca como neve, nada muito fora do padrão europeu.

Eu fiquei sem reação por alguns segundos.

-- O que aconteceu? Por que você tá aqui? - ele pergunta calmamente, mas seu tom de voz ainda causa arrepios, é muito profundo, parece que cada palavra perfura sua alma.

-- Ahn... Eu não sei. Você matou... o meu gato. Certo? - ainda com voz de choro, olho diretamente para os olhos dele, quase vendo sua alma, se é que existia.

Ele solta uma risada fraca, desviando o olhar, parecendo que debochou de mim por alguns milésimos. 

-- Não, ele volta amanhã.

Eu nunca senti um peso tão grande sair de meus ombros tão rapidamente igual agora, quase caí no choro, mas me senti fraca até pra isso.

Depois de uns 6 segundos nos encarando, o que pareceu uma eternidade, eu resolvo perguntar qualquer coisa que venha à minha mente:

-- O que você quer comigo? Por que não me fala nada? Eu não sei o que vai acontecer daqui pra frente, eu só quero respostas, não me importo de sofrer fisicamente - [...] - Eu apenas quero um rumo de volta... Eu não sei nem qual é o seu nome. - como já esperado, uma lágrima sai dos meus olhinhos, mereço...

--  Rhmmmm - ele solta um longo suspiro e começa a se levantar -  Eu só estou te protegendo, nada vai acontecer com você enquanto eu estiver vivo. - suas palavras saíram em um tom como se ele estivesse fazendo o certo, como se ELE não fosse o perigo dessa cidade.

Acabei rindo um pouco, já que estava à beira da loucura, e me recompus. Não sabia o que responder, então tive que assistir ele ir embora em silêncio. Eu só não sabia que aquela seria a última vez que íamos nos ver.

É isto... ele desceu as escadas e nunca mais o vi.

No dia seguinte escuto Dominik miar MUITO alto no primeiro andar, eu o chamei desesperadamente e ele subiu o mais rápido que eu já vi um felino correr. Chorei horrores ao ver meu filho vivo, meu coração acabara de adquirir um curativo também.

Passaram 2 semanas e eu já estava quase zero pra voltar às minhas atividades. 3 semanas, 4... Passaram meses... Anos. 4 anos pra ser mais exata. Aqui estava eu, 100% curada e vivendo minha vida normalmente (ainda com depressão crônica). Fui promovida no trabalho e fiz mais amigas também, apesar de serem amizades rasas ainda. A enorme cicatriz na minha cintura revivia todo o meu trauma, todos os dias. Mas nunca mais ele deu sinal de vida, não apareceu mais notícias dele na TV, a cidade se encontrava em paz. Ele su-miu. Pelo que foram descobrindo durante todo esse tempo, ele havia feito mais de 20 vítimas, ele modificava sua marca registrada a cada 2 vítimas, esse foi o padrão decodificado pela polícia. Quando eu descobri isso passei o dia todo vomitando, me embrulho só de lembrar...

Jessica, minha antiga amiga, acabou cuidando de mim todo esse período, a companhia dela era um remédio e tanto. Amanda e Karen eram as 2 amigas novas que fiz esse ano. Elas viviam pra me chamar pra beber aos sábados. Eu não curto muito, mas me reúno mesmo assim pra manter a amizade, afinal, juntavam vários amigos, não somente nós 3. Agora eu já tenho 28 anos, e elas também. Aprendi muita coisa nesse tempinho, mas minha mente manteve algumas rachaduras, umas sequelas... Eu não me sentia 100% bem em nada, absolutamente nada. O mundo perdeu a graça pra mim depois daquilo... Nem a morte dos meus pais me impactou tanto. 

Hoje era sábado, agora exatamente 22:40, estamos bebendo no bar e batendo um papo tranquilo, até todos cansarem e começarem a se despedir.

-- Tchau tchau, até segunda no trabalho!! Hahah [...] tabom, beijos meninas, tchau meninos! Boa noite pra vocês.

Todo sábado era a mesma coisa, elas me faziam beber pra caralho e ninguém estava nem aí em como voltariam pra casa seguros.

Saio do bar em direção ao meu carro. Sim... Agora eu tenho um carro. Ainda estou pagando as parcelas, mas estão quase no fim. Me dirijo até a antiga mercearia Marshall's, que agora tem o nome de Focuza. Um casal comprou do ex-dono (falecido), fazendo uma espécie de acordo com o Governo. É uma mercearia bonitinha agora, teve poucas mudanças, mas tem um aspecto mais novo e acolhedor. Pego alguns antirressacas e umas baboseiras, em casa tinha apenas comida a ser feita ainda, então preferi matar a fome com coisas práticas. Me dirijo ao caixa, depositando tudo na passarela. O atendente percebe o meu estado alcoólico e começa a me cantar, me dando piscadas, sorrisos de canto, e até querendo saber um pouco de mim com perguntas intrusivas demais.

-- Eu tô com um pouco de pressa (solto um riso gentil), se der pra agilizar...  :) - falo na esperança dele perceber o quão ridículo está sendo me paquerar.

-- Que isso lindinha, hoje é sábado, duvido que trabalhe amanhã haha... 

Que cara mais descarado, está me deixando desconfortável.

-- Olha, faz o seguinte, pode cancelar, eu estou realmente com pressa, depois passo em outra loja. 

Ao me dirigir à porta, a mão do funcionário agarra meu punho com força, não me deixando sair, e ele permanece com o mesmo sorriso doente e malicioso no rosto.

-- OOpa opa, o que você pensa que tá fazendo???? ME SOLTA DOENTE!

Puxo meu pulso pra baixo com bastante força, mas ele agarra minha nuca tentando me dar um beijo. Senti meu corpo efervescer naquele momento, nunca senti uma raiva e um nojo tão intenso direcionado à somente uma pessoa. Dei um chute entre suas pernas e corri pro meu carro, mesmo bêbada, dirigi até em casa acelerando. No meio de todas aquelas sensações, o medo também havia me consumido. Mas cheguei bem em casa.

Suspirei alto e corri pra minha cama. Não sei porquê, mas comecei a chorar muito, eu estava num mix de emoções, misturado ao trauma passado, ao caixa da mercearia, à depressão e à FOME... (álcool nunca caiu bem em mim). Até que adormeci de repente, sem tomar banho, sem escovar os dentes, sem tirar o salto, eu estava completamente bêbada. Acordei às 11:00, era um domingo afinal, e passei o dia INTEIRO sentindo uma dor de cabeça latejante, mas eu não iria conseguir sair pra comprar remédio, não nesse estado. 

Eu não havia comido nada até agora, passei o dia todo na cama, sem sentir fome e com uma depressão profunda, apenas olhando pro teto, sem pensar em nada. Já são 19:00, melhor eu me levantar pra comer, amanhã começa tudo de novo. Fui até a cozinha, abrindo a geladeira, e não tinha nada, havia apenas alimentos crus nos armários, como macarrão, farinhas, etc... Eu não ia conseguir preparar nada, então tive que pedir um delivery.

Enquanto esperava, me estiquei no sofá, liguei a TV e comecei a mexer no celular. Que dia péssimo... Me sinto completamente inútil. Coloquei um vídeo no YouTube pra passar o tempo, mas começou a passar anúncios que não tinham opção de pular. Usei o tempo deles pra ficar olhando pra televisão. Meu olho se fixou lá por cerca de 10 segundos. Foi o suficiente.

Eu vi...

Eu... vi.

Nesse curto intervalo de segundos, eu senti uma brisa fria correr por todo o meu corpo, todos os meus pelos arrepiando como se eu estivesse sendo eletrocutada, a paralisia tomou conta de todos os meus músculos agora, minha visão estava tentando me pregar uma peça, meu cérebro tentava batalhar contra isso, mas era tudo real, eu não estava alucinando. Meu cérebro tinha total razão contra minhas emoções, não era uma visão fantasiosa, não era um surto psicótico. Era realmente... aquilo.


Endless Abyss / ghostface x reader (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora