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MADU

Deixei Luana sair porque não achei que faria diferença insistir mais, e eu entendia. Desde que que comecei a rir quando fiquei nervosa, estava me sentindo o ser humano mais horrível da face da terra, e o pior é que, devido ao nosso histórico, ela jamais acreditaria se eu dissesse sobre estar tendo uma crise. Passei a mão por meu rosto, frustrada, e comecei a me preparar para ir embora. Odiava sentir que tinha errado em alguma coisa, sempre odiei. Fazia parte de mim a necessidade de ser confiável, de que as pessoas me escutassem e entendessem o meu lado da história, o que era bastante irônico, já que Luana tinha me acusado de não fazer o mesmo por ela.

Pensei várias vezes nos prós e contras de contar o que estava acontecendo a Leandra. Mesmo sendo minha assessora, nós tínhamos uma relação de amizade a anos, e eu sabia que ela viria cheia de opiniões que me fariam querer arrancar os cabelos. Mas ou eu falava com ela, ou eu falaria com Cris, que era uma adolescente cheia de hormônios e vendo finais felizes em tudo. Passei por Luana que esperava seu carro no estacionamento, e tive vontade de oferecer carona, mas a última vez que estivemos sozinhas em um carro, tinha dado início aquela bagunça toda. Meu Senhor, onde é que eu fui me meter? Disquei o número da minha assessora, colocando o celular no viva voz.

- Se me disser que andou brigando com a Luana de novo, - foi a primeira coisa que ela disse ao atender, - juro que vou desistir de cuidar da sua carreira.

- Você supostamente era para ser minha amiga. - Caprichei no tom choroso, Leandra suspirou do outro lado da linha.

- O que aconteceu dessa vez?

- Vem me encontrar em casa. - Pedi, enquanto prestava atenção na direção. - Vamos pedir uma pizza e eu te conto tudo.

Não dei mais explicações a ela por telefone, tratei de voltar a minha atenção completamente para a direção, fazendo o máximo para deixar para pensar no que falar a ela assim que chegasse.  Passei no mercado e comprei algumas coisas para mim, e uns petiscos para agradar minha filha, sem querer me lembrando de como Luana tinha se dado bem com ela. O que me faz pensar que talvez ela realmente tenha um lado bom, porque nenhum ser humano ruim é capaz de conquistar um cachorro como ela conquistou a Meg. Pensando desse jeito eu consegui me sentir pior ainda, tudo que eu queria nesse momento era ser capaz de ignorar os sentimentos alheios, sem me sentir culpada por isso.

Brinquei com o Meg quando cheguei, e depois de receber todo o amor do mundo da minha filha, fui me preparar para recepcionar o Leandra. Sabendo que ela demoraria uma vida para chegar, tomei meu banho tranquilamente, me organizando mentalmente para, depois, começar a decorar minhas novas falas. As gravações do dia de hoje tinham sido intensas, principalmente a última. A todo momento notei que Luana não estava em seu habitual estado de humor. Tinha muito mais intensidade em seus movimentos, no toque e nas falas, e foi por isso que fui atrás dela assim que ela deu um jeito de fugir dos set, deixando para trás uma equipe cheia de risinhos e olhares sugestivos. Ah se ele soubessem...

Quando Leandra chegou, - trazendo cerveja, graças a Deus por isso, - não me deixou nem respirar. Me bombardeou com perguntas, e pude perceber que ela e César andavam se comunicando, mas aparentemente ele não tinha dito nada sobre os acontecimentos da noite anterior, Então me pus a falar. Como a boa ouvinte que era, Lea me escutou sem interrupções, fazendo caras e bocas que seriam engraçadas se o assunto não fosse extremamente traumático e vergonhoso. Ao terminar de contar tudo, suspirei e esperei pelo julgamento. Afinal de contas Leandra não era o tipo de amiga que passava a mão na minha cabeça, e apesar de às vezes ser muito dura comigo, eu sabia que tudo que ela falava era para me ajudar, talvez esse seja o maior motivo de ainda sermos amigas depois de tantos anos.

- vocês discutiram, apontaram o dedo na cara uma da outra, e do nada ela te beijou? - As sobrancelhas castanhas de Leandra estavam elevadas, dando a ela um ar incrédulo, coisa que eu sabia que ela não estava. - E quando isso aconteceu, você desatou a rir em uma crise nervosa? - Concordei, virando mais um gole de cerveja na boca. - Bem que o César me avisou.

- O que foi que ele te avisou e porque eu não estou sabendo? - Perguntei, realmente incomodada por saber que eles conversavam sobre Luana e eu.  Que coisa mais deselegante.

-Duda, vocês se conhecem? - Ela perguntou como se fosse óbvio. - Você tem noção de que se César e eu não nos uníssemos para cuidar das duas, vocês já teriam se matado?

- Isso não é verdade. - Rebati indignada. - Não é porque não tenho o maior apreço por ela que deixaria as coisas passarem de tantos limites. - Leandra riu, me fazendo ficar irritada.

- E olha só a que ponto você chegou tendo tanto controle sobre a situação, não é mesmo? - Revirou os olhos e se esticou para pegar mais uma fatia de pizza. - Desde que você resolveu que não gosta da Luana, seu comportamento, que geralmente é muito paciente e compassivo, anda irritadiço, - Mordeu e mastigou lentamente a pizza que segurava. - Ninguém nunca te deixou assim, E você já trabalhou com pessoas piores do que ela.

- O nosso santo só não bate. - Eu já sentia o meu bico de irritação formado no rosto, e não consegui desfazê-lo.

- Pois eu acho que bate, e muito. - O risinho de quem sabe das coisas que ela soltou quase me fez voar em seu pescoço, era supostamente para Leandra me ajudar, não se sentar ao meu lado e debochar da minha cara.

- Para de se divertir às minhas custas e vá direto ao ponto. - Impedi que ela abocanhasse o resto da pizza, tirando a fatia de sua mão e colocando de volta na caixa. - Esse seu ar de sabe tudo me dá nos nervos.

- César tem certeza de que Luana é afim de você. - E adivinhem? Exatamente, assim que escutei aquelas palavras, uma sensação de nervosismo me tomou com tanta força que comecei a rir. Como uma boa amiga que era, Leandra se curvou novamente em direção a caixa de pizza e retomou o pedaço que comia, sem nem mesmo eu me dedicar um olhar se quer. - Sabe, - continuou falando em quanto mastigava, - ela não é totalmente intragável, você deveria dar uma chance a ela. - Continuei rindo, mas Lea não parecia se importar. - Você sabia que ela é muito fã dos seus livros? A Editora vive sendo assediada por ela em busca de tê-los antes dos lançamentos. - Deu de ombros, muito interessada em analisar qual pedaço da fatia de pizza ela iria morder dessa vez. - Imagina se ela descobre que é você por trás de todas aquelas histórias que com certeza fazem ela tocar uma antes de dormir.

Depois de despejar aquele tanto de coisa sobre mim, Leandra pegou a garrafa de cerveja da minha mão e colocou na mesa de centro. Pacientemente esperou até que eu parasse de rir feito uma louca, o que demorou bastante. Meu cérebro continuava repetindo as palavras dela na minha cabeça, seguida pela atitude que Luana teve de me beijar fora de nossos respectivos personagens. Mas nada daquilo fazia sentido para mim, afinal de contas quando eu sugeri que ela tinha algum interesse, senti que poderia ter sido morta só pelo jeito em que ela me olhou. Sem contar toda a implicância. Que tipo de interesse era aquele, que ao invés de chegar em mim como uma pessoa normal, Luana preferia agir como um garotinho do jardim de infância? Quando finalmente consegui me recuperar, encarei minha amiga sem saber o que falar, mesmo sabendo que precisava dizer alguma coisa.

- Não sei o que fazer.

- Talvez você só deva deixar de tratar Luana como uma inimiga. - Não estou dizendo para se aprofundar nos aparentes sentimentos dela por você, mas quem sabe se você começar a tratar ela como um ser humano como todos os outros, talvez ela comece a ser um.

Lea ficou comigo por mais algum tempo, me deu alguns conselhos e foi embora. Era fato que, independente das suposições de César, eu teria de me desculpar com Luana. Considerando que ela era teimosa, eu teria um pouco de trabalho a convencê-la de que não sou tão rude quanto deixei transparecer. Resolvi ignorar qualquer coisa com relação a sentimentos, só de pensar em tentar dar uma chance a ela como mais do que uma possível amizade meu estômago embrulhava, então deixaria as coisas o mais simples possível. Usaria o que precisasse para convencê-la de que não estava querendo envergonhá-la, Faria o possível para começar a ser no mínimo educada com ela, e evitar o costumeiro deboche seria uma provação para mim, mas o faria. Só espero que eu não meta os pés pelas mãos novamente.

por trás das cenasOnde histórias criam vida. Descubra agora