𝑂 𝑇𝑅𝐸𝑀

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Não, não, não... A bateria do seu celular não podia ter acabado.

Mas, a ausência de qualquer sinal de vida do aparelho, dizia que sim, ela tinha.

Merda.

O problema não era ficar sem celular, não tinha wi-fi, nem plano pré-pago, não tinha para quem ligar ou mandar mensagem de qualquer forma. O real problema daquilo é que ficaria sem música e, sem isso, só restava ouvir a briga - em um idioma o qual não entendia - do casal no banco ao seu lado.

Gwyneth tentou se distrair olhando para a paisagem que passava depressa devido a velocidade do trem, mas nem a visão das lindas e imensas montanhas cobertas completamente de gelo foram o suficiente para dissipar o incômodo da discussão acalorada.

Então, perdendo o resto da paciência que lhe restava, ela se levantou, pegou o livro que tinha desistido de ler, sua mala - que, digasse de passagem, continha tudo o que tinha no momento - e saiu daquele vagão.

O próximo estava lotado e ela teve que segurar a frustração ao passar para o outro, cuja porta estava emperrando e quase não abriu, quando o fez, ficou com a passagem um pouco mais estreita que as outras, só que ela não notou esse detalhe até tentar passar por ela e esbarrar o ombro com força no metal grosso.

Sua mala, que tinha soltado ao sentir a dor da colisão, fez um barulho alto quando caiu do chão, ao mesmo tempo que ela murmurava o melhor e mais longo palavrão que conhecia. Toda a confusão chamou atenção dos poucos passageiros que estavam ali, três casais, uma pequena família de quatro pessoas, uma senhora com um menino que deveria ser seu neto e, no fundo, um homem sozinho.

A ruiva fechou os olhos por um segundos, respirou fundo e enquanto se abaixava para pegar sua mala sussurrou um pedido de desculpas e, sem olhar para ninguém, foi pro fundo do vagão. Pelo menos teria um canto só para ela, os outros passageiros estavam todos, no mínimo, três assentos à frente.

Exceto um.

Gwyn olhou de relance para o cara que estava sentado no assento ao seu lado, estava com um livro nas mãos. Alto, moreno... Bonito, mas com o rosto fechado o suficiente para ela entender que não era do tipo que não puxava conversa com desconhecidos. Ainda bem, não queria ter de ser educada, muito menos ter que falar.

Ela passou a ignorar o estranho e olhou para cima, pensando seriamente em deixar a bagagem onde estava, mas... A passagem pelo corredor tinha que ser liberada e não queria que ninguém da equipe viesse lhe dar um sermão outra vez, então, reuniu suas forças e pegou a mala, subindo-a com tudo. O que, é claro, foi um grande erro.

Já não tinha tanta força e foi quase um sacrifício colocar a mala da primeira vez, mas agora... Com o ombro doendo por causa da pancada, ela nem conseguiu erguer a bagagem até a altura do pescoço, quanto mais erguê-la sobre a cabeça. Gwyn deixou a mala no chão com um pouco mais de força que o necessário e por muito pouco não a largou sobre os próprios dedos.

Fechou os olhos de novo e tentou respirar, o dia só piorava e... Tinha sido um erro. Ela odiava estar ali. Odiava sua vida. Odiava estar viva e...

- Quer ajuda?

Gwyn se virou ao ouvir a voz baixa e grave, que vinha do moço sentado no assento ao lado, só que... Agora ele estava de pé e, se antes era alto, no momento parecia um poste. Veja bem, ela nunca foi baixa - é difícil uma mulher de 1,73 ser considerada baixa - mas o cara era enorme, uns bons vinte centímetros mais alto, por muito pouco a cabeça dele não batia no teto do vagão.

- Ouviu o que eu disse? - perguntou, o cenho levemente franzido.

Ela entreabriu os lábios para dizer que sim, que tinha ouvido e que adoraria ajuda, mas o que saiu foi um murmúrio incoerente. Vergonhoso. Só que... Qual tinha sido a última vez que tinha falado? Além de sussurros e murmúrios?

𝐴𝑛𝑡𝑒𝑠 𝑑𝑜 𝑆𝑜𝑙 𝑁𝑎𝑠𝑐𝑒𝑟Onde histórias criam vida. Descubra agora