Não apavora

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Você só vai ficar aí me assistindo queimar?
Está tudo bem, porque gosto do jeito que dói
Só vai ficar aí me ouvindo chorar?
Está tudo bem, porque eu amo o jeito que você mente
Amo o jeito que você mente

Rihanna - Love the way you lie

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Bella Hadid.
• 18 de Julho de 2020
San Diego, CA, USA.

O tempo passou muito mais depressa do que eu queria. Por mais que, bem
lá no fundo, eu estivesse empolgada para rever a minha família, a mesma
perspectiva me deixava ansiosa, mas de um jeito ruim. Tinha medo de que, de alguma forma, eles rechaçassem Theo, que não a tratassem como faziam com os filhos de Camila. Por mais que meu filho ainda fosse muito pequenininho para entender, ele merecia amor. Todo amor do mundo.

Eu e Justin nos encontrávamos constantemente. Para ser sincera, era ele quem sempre arrumava desculpas para aparecer ou para me chamar em sua casa, para perguntar alguma coisa. Na noite anterior fora para me mostrar o smoking que alugara para o casamento. Não o vestira para que eu o visse em seu corpo - o que achei uma pena -, mas respondi a ele, em um tom de sarcasmo - já que tinha se tornado uma brincadeira constante entre nós -, que era bastante adequado.

Não me beijou novamente, o que me deixou vergonhosamente frustrada. Era véspera da viagem. Eu estava uma pilha de nervos, mas, mesmo assim, me vi na porta da casa de Justin, pela milésima vez nos últimos meses, porque ele me chamou lá. Eu sabia que estava um pouco chateado, porque apareceu um imprevisto no seu antigo escritório, uma pendência de um antigo cliente, que só ele poderia resolver, o que somente permitiria que ele viajasse na quinta já que na quarta - o dia seguinte - precisaria estar no Fórum para uma audiência.

Mas não havia problema nisso. Avisei à minha família que meu namorado chegaria no dia seguinte, e por mais que eles tivessem ficado desconfiados, aceitaram quando Justin pegou o telefone e falou com eles, confirmando a história. Havia um carro alugado na minha garagem, e eu iria usá-lo. Justin iria no dele, e eu poderia devolvê-lo lá mesmo na cidade dos meus pais, que possuía uma filial da locadora disponível. Estava tudo mais do que certo. Perfeito. O que poderia dar errado? Apesar de repetir essas frases como um mantra, ainda estalava os dedos nervosamente enquanto aguardava que ele abrisse a porta.

- Ei, pequena! Desculpa te chamar assim, mas eu precisava te entregar uma coisa... - Justin agarrou a minha mão e me puxou para dentro, enquanto eu fechava a porta em um malabarismo.

- Não posso demorar. Preciso terminar de checar a minha mala e...

- Você já não fez isso umas mil vezes Separou umas três malas para quinze dias...

- Tenho que levar as coisas do Theo, né? - resmunguei.

- Eu sei, eu sei... - Justin me levou até o centro da sua sala, colocando- me parada sobre o tapete. Então, agachou-se e pegou uma caixinha que estava sobre a mesa. Estendendo-a para mim, abriu-a e revelou uma linda e simples correntinha de ouro com uma pedrinha singela em vermelha.

- Que linda. É para mim? - comentei, quase temendo que não fosse e eu fizesse papel de boba.

- Sim. Eu queria que você tivesse algo para mostrar à sua família que fosse um presente meu, como um vínculo nosso. E você disse que gostava da cor vermelho, então...

Não era possível que ele estivesse mesmo tão empenhado em me surpreender. Não era possível que pensasse em detalhes tão específicos, sendo que não era nada meu. Nem mesmo um... amigo. Ou éramos amigos? Para ser sincera, Justin estava se tornando rapidamente uma pessoa muito presente em minha vida, alguém muito relevante. E ao mesmo tempo que sua presença se tornava reconfortante, eu tinha medo de me machucar. De criar ilusões falsas e me decepcionar.

- Posso? - ele perguntou, interrompendo o que provavelmente deveria ser uma cara de boba, porque eu simplesmente prendi meus olhos no colar e não me mexi.

Como mal conseguiria articular qualquer palavra coerente sem deixar minha voz soar embargada, apenas balancei a cabeça, assentindo. Justin pousou o estojo sobre a mesa novamente e pegou a peça com cuidado em suas mãos enormes, colocando-se atrás de mim. De forma que poderia deixar minhas pernas bambas, ele afastou meu cabelo, jogando-o todo para um lado do ombro, passando a correntinha por cima da minha cabeça e prendendo o fecho na minha nuca.

Um homem experiente e sedutor como Justin sabia transformar os gestos mais inocentes em isqueiro pronto a ser jogado numa poça de gasolina. E algo me dizia que ele estava entrando no jogo para vencer. Só que eu sabia que o prêmio que ele queria não era o meu coração, mas o meu corpo. Levei a mão ao pingente em meu colo e não pude evitar um sorriso, principalmente quando ele se colocou diante de mim, com uma expressão cheia de expectativa.

- Adorei. Obrigada. Nunca ninguém me deu nada tão lindo - acabei falando mais do que gostaria de falar. Mais do que deveria falar. Não que Justin não merecesse ouvir, mas minha vulnerabilidade poderia acabar sendo muito prejudicial. Então ele se aproximou e beijou minha testa em um gesto de ternura que eu começava a perceber que não eram raros vindos de sua pessoa.

- Boa viagem, pequena. Nos vemos depois de amanhã. Confesso que estou meio ansioso para ser seu namorado de mentira por alguns dias.

E ele soltava a bomba daquele jeito? O que queria dizer com isso? Será que havia mesmo alguma entrelinha na sua fala? Esse foi o pensamento que me acompanhou durante todo o resto do dia, a noite e a viagem do dia seguinte. A estrada estava tranquila, porque decidi viajar em um horário mais calmo, pouco antes do almoço, e não era um trajeto tão longo. Três horas, em uma velocidade confortável.

Meu moranguinho dormiu na maior parte do tempo, e só precisamos fazer uma pequena parada no meio da estrada para trocar a fralda de xixi. Meu Menininho era muito bonzinho, e durante todo o caminho eu só conseguia pensar que queria calar a boca de todos. Queria que vissem o quando eu e meu filho tínhamos prosperado, apesar de irmos contra todas as probabilidades. Éramos felizes, um pelo outro. E eu não trocaria o que eu tinha com ela por nada no mundo.

Quando a placa anunciando que tínhamos chegado, toda a minha confiança começou a ruir. Minhas mãos apertaram o volante, e eu me senti completamente arrependida de ter ido. Só que não podia voltar atrás. Era hora de encarar o meu passado para poder seguir em paz com meu futuro. Segui para a rua da casa dos meus pais, lembrando muito bem o caminho,
porque o fiz muitas vezes ao longo da vida. E lá estava ela. Imponente, com seus portões em ferro, quase uma propriedade de um livro de Jane Austen.

Fui recebida, entrei, estacionei no local que me foi indicado e percebi que já havia carros de outros locais - algumas pessoas da família já tinham chegado. Saltei, peguei Theo da cadeirinha e me virei. No momento em que fiz isso, meus pais surgiram em meu campo de visão. Meu coração deu uma cambalhota no peito, confuso e perdido entre milhares de emoções diferentes que iam das mais próximas à mágoa às mais parecidas com amor e saudade.

- Oi, pai. Oi, mãe - foi o que consegui dizer em um primeiro momento. Dali em diante, eu não fazia ideia do que iria acontecer.

𝐏𝐚𝐢 𝐝𝐞 𝐚𝐥𝐮𝐠𝐮𝐞𝐥 - 𝘑𝘦𝘭𝘭𝘢 𝘢𝘥𝘢𝘱𝘵𝘢𝘵𝘪𝘰𝘯 Onde histórias criam vida. Descubra agora