Capítulo 4 - O Garoto Acorda

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Sua cabeça latejava, junto a seu nariz inchado e sua perna após a queda.

Por um momento esqueceu onde estava e se perguntou se seu avô já teria acordado, o que iriam comer no café e se iria conseguir terminar seu projeto hoje, e em um segundo, tudo estava presente em sua mente.

Sentia o cheiro da recém pesca invadir seu nariz, junto ao celeiro quase vazio do lado de sua casa e de seu avô após fazer sabão. Parecia escutar enquanto ele lavava aos mãos e preparava as iscas para a pesca do dia seguinte. Sorriu. Ouviu o mar e tudo sumiu. Queria voltar para suas memórias e viajar com elas, mas não era possível, já que eram apenas memórias, mas sabia que sempre permaneceriam em sua mente, mas que nunca passariam a se tornar realidade novamente.

Uma onda fez com que o navio se movimentasse com força, causando um baque em seu interior levando o corpo do garoto em encontro a lateral da cela com força. Gemeu em resposta e tentou proteger o próprio corpo em um abraço, mas as algemas em suas mãos o impediram de executar o movimento bem. O silêncio mexia com sua cabeça e o alertava dizendo que as coisas não ficariam bem, sentiu o ar sumir de seus pulmões. Inspirou o mais fundo que pôde.

Os acontecimentos da noite anterior invadiram seus pensamentos e se lembrou que não tinha mais nada. Seu avô teria sido morto pelo dono da costa principal e Mauri - o ferreiro que abriu o baú -, com seus filhos, teriam perseguido e ameaçado ele por conta do roubo de seu avô.

Nojo percorreu seu corpo ao se lembrar detalhadamente da noite anterior. Fechou os olhos querendo que as imagens sumissem de sua cabeça, mas não adiantou. Sua cabeça pesava. Seu corpo doía. E sua mente se arrastava tentando de algum modo respirar e sair de tanta fumaça. Teria perdido tudo em tão pouco tempo. Só queria voltar para casa, mas ele não a tinha mais. Não pertencia a nenhum lugar e não teria ninguém que o esperasse. Sem cuidados, sem afagos e sem seu avô para cobri-lo antes de dormir. Lágrimas escorreram de seus olhos, mas ele as limpou de imediato. Sabia que deveria estar sendo observado e não iria permitir que o vissem chorar.

Como em um estalo, ele se lembrou do pirata que o salvou. Sua cabeça zumbiu, como se o alertasse para ficar longe dela. Mas ele ignorou. Ela o sequestrou, mas também o defendeu. "Tudo por conta do baú." Pensou e sabia que era verdade. Era um pirata - concluiu rapidamente - e isso era tudo o que ele tinha a oferecer, mas ele não se importou. "Ela me ajudou, certo? Poderia ter esperado que terminassem, mas me ajudou. Sim... Ela me ajudou!" Seus pensamentos o confortaram.

Passos começaram bruscamente a se aproximar e o menino se levantou do chão aguardando o que é que viesse. E então ele a viu. Era bonita. Sua pele negra parecia fria junto a seu rosto e expressão, suas diversas tranças balançavam soltas de acordo com seu movimento e pequenas peças se tocavam, fazendo pequenos barulhinhos, mas nada comparados aos barulhos de suas botas e dos ao seu lado. Um arrepio percorreu o rosto do menino ao sentir os olhos dela, abaixo do chapéu, se focarem nele. Olhos que o fitavam como fortes jóias de safira brilhantes e perigosas. Franziu o cenho e sentiu a expressão mexer em seu nariz machucado, fez uma breve careta por conta da dor.

O olhar dela era igual um azul cintilante. Tão profundo como o oceano. Jurava que podia ver corais e peixes se mexendo em seus olhos, seguindo o natural e cruel ciclo da vida.

Ela repousou uma das mãos no punho da espada e parou em frente a cela. O garoto teve que olhar para cima quando ela se aproximou. Era bem mais alta que ele e com toda certeza mais forte. Seus braços, não cobertos com tecido branco de sua camisa, revelavam músculos muito bem definidos e esguios. Relembrou o soco e sua força absurda fez sentido. Por um momento olhou para o próprio corpo e sentiu vergonha. Pele e osso o cobriam. Não passava fome em casa, mas a comida era limitada.

O pirata percebeu o pensar do garoto e de algum modo isso a acalmou. Talvez seja a inocência ou fragilidade que não via há tanto tempo. Ou talvez não prestava atenção. Não sabia dizer, mas estava mais calma do que quando havia entrado. Olhou para Tigre e Ras que a acompanhavam.

Desejo: Uma história Pirata | História em mudança Onde histórias criam vida. Descubra agora