Capítulo 1 - Uma linda mulher

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Caminho pela calçada tentando me esconder do sol ardido que me persegue a cada quarteirão que avanço. A pasta de plástico soa na minha mão. Olho para ela brevemente.

"Daqui a pouco começo a entregar os currículos molhados." — lamento, sentindo a garganta seca.

Enfio a mão no bolso da calça e sei que não encontrarei um mísero centavo. Contudo, não custa tentar. Fecho os olhos espremendo-os e peço aos céus que me ajudem. A minha mão corre o fundo seco dos bolsos vazios e nada acha.

Gemo por dentro, frustrada comigo. Abro os olhos e me dou conta da minha estupidez.

"Perdoe-me, Deus. Não custava testar."

Um andarilho que perambula e cheira mal entra na minha frente. Ultrapasso o homem e caminho em frente às lojas do comércio, aceitando o fato de ter que andar por dois bairros inteiros até chegar em casa. O único dinheiro era para a condução até a empresa, que me chamou para fazer o teste.

"Tenho certeza de que acertei todas as respostas" — pondero.

Outra coisa que me incomoda... se sou tão boa, por que ainda não consegui um emprego? A faculdade não vai se pagar sozinha e meu último emprego terminou assim que o gerente da Collapse começou a me perseguir com as suas cantadas invasivas.

O calor e a dor que as sandálias começam a fazer sobre os meus pés são insuportáveis. Cansada, solto uma lufada de ar. Estava certa de que teria o emprego assim que entregasse meu teste. Não que me pagariam adiantado pela vaga, mas pelo menos a caminhada de volta para casa seria menos penosa.

"Será que vão me ligar amanhã? Ou semana que vem?"

Sonho com o cargo de auxiliar em compras, dentro de uma multinacional, com o abono de um salário razoável e boas projeções de crescimento. No momento, é a minha melhor e única opção. Até mesmo porque outra parcela da faculdade está para vencer e já não paguei a anterior.

O barulho do ônibus me assusta e me tira dos meus pensamentos. A van acelera logo atrás com nítida falta de paciência. Os carros seguem o fluxo agitado e passam rápidos pela avenida. A algazarra faz latejar minha cabeça, já quente pelo sol impiedoso. O cheiro tóxico da poluição não me ajuda em todo o resto.

Desvio das pessoas lerdas que encontro pela frente e me apresso. Na esquina, entro à direita e caio em outra rua. Diminuo a velocidade e aproveito a calmaria, para levantar os pés machucados para trás. Aperto-os com a mão, na tentativa de aliviá-los. Gemo mais tranquila.

Respiro fundo e encaixo a pasta que levo nas mãos, no meio das pernas, para ajeitar meus cabelos longos e negros em um coque. Dou algumas voltas para enrolá-lo todo. Termino prendendo-o nele mesmo.

Pego o meu celular da minha bolsa e destravo a tela. No roda-teto há várias notificações do aplicativo de mensagens. Entro. Seguro a pasta de volta na mão e, sem prestar atenção à rua, atravesso, de olho na tela. Mãe, Júlia, Felipe, o grupo de meninas da faculdade e o das crianças da igreja listam as primeiras conversas.

"Senhor! Nem duas horas sem ver e tudo isso acontecendo!"

Biiiiii! — o som de uma buzina e uma freada brusca quase tiram minha alma do corpo.

— Ahhhh! — grito agarrando o celular contra o peito e paraliso no lugar.

Na minha frente um carro branco e baixo está a centímetros de mim. Ofegante, sinto o coração bater dentro da cabeça. Ainda em alerta pela adrenalina que corre dentro do meu corpo, aperto o telefone com força nos dedos.

Pelos vidros escuros, vejo pouco, mas sei que é uma mulher. De cabelos escuros e curtos, no final do pescoço. Ela é diferente... e estilosa. Consigo ver que carrega uma expressão chocada, mesmo por meio dos seus óculos escuros.

Susan: A história de uma travesti que se apaixona por uma mulher ((DEGUSTAÇÃO))Onde histórias criam vida. Descubra agora