"Antes de mim, não houve nenhum outro deus e nunca haverá outro depois."
Is, 43, 10
Diga a todos que: Eu Sou.
Há trinta anos...
Não havia, na redondeza, outro som, na tarde daquele dia. A não ser o da colher de madeira, de Rosa, batendo no fundo da chaleira, ao misturar o leite.
O pequeno "punhado de terra", que ela chamava graciosamente de "chacrinha", era um casebre de quatro cômodos, entre: sala, quarto, banheiro e cozinha. Cercado pelo capim alto e as borboletas, que brincavam por cima. Pouco afastado, mas ainda nas terras da família, uma árvore enorme, de tronco robusto, que tinha um balanço pendurado e algumas cordas presas. Era para a diversão dos meninos.
Como passaria a ser de costume, todos os dias, às seis da tarde, Rosa preparava o leite dos meninos. Era tempo de eles tomarem, fazerem os deveres e, não muito depois, dormirem. Até mesmo porque ela não tinha mais a oferecer. Euzébio estava longe há três meses. Trabalhava em uma obra e ainda não tinha conseguido trazer dinheiro para ela.
— Miguel! Filho! — ela chamou seu caçula e mais adorado filho.
Solícito, assim que Miguel ouviu a mãe, deixou o carrinho que desmontava para ir até ela. Entrou na cozinha e a viu mexendo o leite na panela. Ele torceu o nariz sem que ela percebesse e fez uma cara feia.
Desde que seu pai fora trabalhar para construir a casa dos "ricos", eles passaram a tomar leite todas as noites e mais nada. Já estava enjoado daquilo.
Miguel mentalmente me agradeceu pela hora da merenda, na escola. Não contive a graça que vi nisso e sorri. O garoto era especial de sobremodo. Rosa sabia disso. Euzébio não.
A mãe virou-se para trás e encarou, com um sorriso nos lábios, os olhos amarelados do filho, sem ainda entender de onde vinha aquela cor. Foi embaraçoso para Euzébio tentar decifrar aqueles olhos mel-amarelados. No seu íntimo, chegou até a suspeitar da mulher, mas logo desistiu da ideia, por lhe parecer absurda.
"Rosa era uma mulher devota a mim..."— pensou ele.
E aqueles olhos eram culpa minha.
— Chamou, mãe?
— Sim! — disse limpando o suor da testa com as costas das mãos — Vai lá na goiabeira do senhor Manuel e veja se consegue apanhar algumas goiabas.
A cara de Miguel se fechou na hora. Rosa lhe suplicou com os olhos.
— Menino, não tem leite para todos vocês — confessou a mãe em um sussurro, arrependida por ter de dividir esse assunto com um menino de oito anos.
Os olhinhos de Miguel fitaram a mãe com pesar. Ele entendeu que ela não comeria de qualquer modo.
— Sim, senhora — disse engolindo a renúncia. — Eu já volto.
Corajoso, Miguel empurrou a porta velha de madeira e saiu ao lado do tanque de lavar as roupas. Seguiu rumo às terras de "Mané", como era conhecido o português bravo. Ela acompanhou o filho até onde pôde com os olhos, por meio da janela, e pediu a mim que o guardasse.
Ouviu os outros meninos brigando por algo e não lhes deu atenção. Seu coração estava apertado por Miguel.
Na rua de terra batida, o menino planejava o roubo seguido por uma fuga iminente. Sabia que se Mané o visse correr, ia atrás dele com insultos que jamais poderia entendê-los.
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Susan: A história de uma travesti que se apaixona por uma mulher ((DEGUSTAÇÃO))
RomanceElizabete é uma estudante de relações públicas, que está prestes a se formar e a fazer trinta anos. Ela carrega dentro de si, traços fortes de uma criação rígida e junto a mãe vence as batalhas da vida. Atualmente desempregada, procura uma nova co...