História para dormir

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Enquanto o mundo acabava do lado de fora, os olhos de Érico brilhavam de fascínio diante das histórias contadas pela irmã. Ela sabia como confortá-lo apesar das explosões que sacudiam aquele útero de concreto. Luzes avermelhadas das explosões tingiam as paredes com tons ameaçadores. O garoto passava a maior parte de seu tempo imaginando as viagens espaciais que faria quando crescesse, adorava aquelas histórias sobre heróis desbravadores do Universo em busca das mais poderosas Relíquias.

— Antes de o Universo existir, Érico, tinha um monte de entidades gigantescas pairando pelo vazio. Elas eram muito, mas muito poderosas. Em um piscar de olhos, criavam e destruíam Universos inteiros! — A moça lia o livro de contos com uma voz sinistra. Ela passou a mão sobre seu cabelo curto raspado dos lados e com um pequeno topete bem desenhado no topo. As roupas de malha grossa, mesmo surradas, davam a ela a seriedade e respeito de sua patente militar. — Esses seres lutavam o tempo todo entre si.

— Mas por que eles lutavam assim, Daina? — Érico perguntou numa voz aguda.

— Ah, essas entidades não se gostavam de jeito nenhum, elas competiam muito por territórios imensos onde ficavam, um montão de vezes maior do que esse Universo. Então, naqueles primórdios, quando nada era como é agora, esses seres chamados de Pré-Estelares resolveram disputar diretamente aquele lugar. E foi aí que batalharam. Uma batalha indescritível.

Ela parou de ler ao sentir o chão estremecer. Para o garoto de três anos, os brilhos rubros nas paredes não deviam passar de fogos de artifício, como aqueles que celebravam as grandes festas. A moça se sentiu aliviada por ele não compreender o que acontecia em Prama naquele dia.

— E aí, o que aconteceu, o que aconteceu? — perguntou o menino, tomado pela curiosidade enquanto segurava com força o cobertor amarelo ao qual vivia grudado, sempre admirando a costura de sua super-heroína favorita: a cadela astronauta Laika, combatente das forças malignas do Universo.

— Bom, com a destruição dos Pré-Estelares, surgiram as estrelas como você conhece. E todos os planetas. Enfim, tudo o que existe.

— A Terra também? — Os olhinhos de Érico brilharam ainda mais fascinados. Foi o suficiente para arrancar um sorriso do rosto duro de Daina.

— A Terra também — repetiu ela, espetando os cabelos do irmão com um afago pesado, sua mão coberta pela luva militar. — Um dia, você vai caçar todos os tesouros do Universo e também verá a Terra. Vai valer a pena.

— O pai e a mãe estão lá, né?

— Sim, estão. — Daina se levantou ao lado da cama de Érico e o fitou por um longo tempo. Provavelmente, aquela era a última vez que ela o veria.

Daina passou a mão nas tatuagens desenhadas por todo o corpo do irmão, lamentando-se mentalmente por não ter tido tempo de descobrir seu significado.

— Um dia, você vai chegar lá, irmãozinho. — Ela deu um sorriso firme, ajeitou uma lona vermelha com amarras grossas ao lado da cama de Érico e voltou a olhar para ele. — Faça um bom voo.

A militar deu as costas ao garoto e fechou a porta pesada atrás de si. No mesmo instante, um alarme começou a soar. Daina acionou um botão vermelho e um gás tomou a câmara do irmão. Ela observou pelo vidro redondo seu corpinho perder as forças e mergulhar em um sono profundo.

Do lado de fora, havia um corredor interminável de câmaras como a de Érico. Em cada uma delas, famílias inteiras dormiam. Fazia parte do protocolo de escape que as pessoas fossem colocadas para dormir.

Com passos firmes, Daina abandonou toda a postura carinhosa e retomou seu papel de major das Forças de Galatáris, maior organização militar do Universo Conhecido. O brasão com nove espadas representando as nove espécies do Primeiro Quadrante reluziu em seu peito estufado. Ao entrar na Sala de Comandos da Base de Fuga, encontrou-se com sua equipe, cerca de dez soldados com a missão de lançar o maior número de famílias para fora do planeta antes deste ser destruído por completo.

Daina vislumbrou pelo vidro a catástrofe tomando tudo: naves gigantescas pairavam pelos céus turbulentos de Prama. Tinham um aspecto macabro, com formas repulsivas pulsando como órgãos de seres vivos. Provavelmente pertenciam a uma tecnologia desconhecida, atacando com artilharia pesada em forma de laser e bombas que liberavam fumaças escuras.

— Quanto tempo até o lançamento, senhores? Preciso de números — questionou ela, a voz ecoando por toda a Sala de Comandos. Os mais desavisados estremeceram.

— Cinquenta segundos, major! — gritou um dos operadores, metade de seu corpo substituído por metal de aspecto esquelético, enquanto bebia um suco de maracujá com um canudo grosso para acalmar os nervos. Ele vestiu seus óculos de sol para admirar a vista ardente das chamas. — Cinquenta segundos pra gente se ver de novo, querida — sussurrou, acariciando o porta-retratos em sua mesa.

— Não temos cinquenta segundos! Tudo que restou da minha família está naquelas câmaras! Quero mais rápido! — esbravejou a major, pensando no irmão caído em sono profundo e nos pais, em como um dia quis orgulhá-los, e em seu túmulo na Terra. Ela tinha esperança de um dia poder levar Érico até eles.

Então, Daina se lembrou do irmão do meio. Seus olhos se encheram de fúria, ela mordeu o canto dos lábios e um filete de sangue escorreu.

Uma explosão interrompeu seus pensamentos. Ao voltar-se para os vidros com visão para fora, ela enxergou o Quartel General de Defesa Estelar se transformar em um inferno caótico, com naves em chamas caindo, pessoas tentando fugir e explosões para todos os lados.

A contagem regressiva finalmente chegou ao fim. As cápsulas começaram a ser lançadas por foguetes propulsores de alcance extra-atmosférico. Eram içados simultaneamente, criando um rastro de chamas ascendentes no horizonte. Quando a última cápsula varou os céus, Daina respirou aliviada.

Seu irmão estava a salvo.

— Senhores, é um grande prazer lutar ao seu lado. Como sabem, as leis de Galatáris não permitem abandonarmos nosso mundo sob ataque. Cabe a nós lutarmos até o fim por ele.

Daina empunhou uma espada dourada, reluzente como uma chama. Dessa vez, ela perdoaria a fraqueza dos soldados presentes. Eles estavam em sua maioria aos prantos por acabarem de lançar suas famílias para o espaço.

— Hoje, cairemos com honra! A honra de Galatáris e do nosso mundo, Prama!

Um urro de guerra acompanhou a fala decidida da major, convidando-os para sua batalha final.

Cento e oitenta horas depois, Prama pereceu em chamas e destruição.


...


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Prévia de Absolutos: Sinfonia da Destruição - Livro 1 | Rodolfo SallesOnde histórias criam vida. Descubra agora