↳ Capítulo 14 - 26 de abril de 2015

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~Passado~

Eu fiquei um bom tempo andando sem rumo pelos corredores do Internato, algumas vezes indo até a biblioteca, outras indo até o jardim de rosas que as freiras cuidavam — que ficava mais perto do dormitório das meninas, já que não confiavam nos garotos pertos de plantas bonitas inflamáveis —, mas sempre refletindo sobre o beijo. Se primeiros beijos já eram coisas marcantes, o meu primeiro beijo com um menino que era o meu melhor amigo que tinha leves tendências a ser estúpido era bem mais marcante. As palavras dele martelavam na minha cabeça e eu não sabia ao certo o que eu deveria sentir ou o que eu estava sentindo, mas sabia que não conseguia olhar o Justin nem de longe sem me lembrar do ocorrido no armário de limpeza.

Eu acho que estava pensando sobre isso naquela tarde, sentado em um banco do jardim "das meninas" enquanto olhava os traços laranjas do céu se tornarem escuros, com a roupa de padre de lado e só aquela camisa social e calça da parte de baixo do uniforme e com uma rosa um pouco murcha nas mãos. Eu peguei ela do chão e tirava suas pétalas até acabar só pra pegar mais uma e recomeçar o processo, mais no automático do que realmente pensando no que estava fazendo.

— Chris!

Eu ouvi a voz familiar do Justin me gritando e tentei ignorar, mas o som de seus passos se aproximava mais de mim. Não estava muito a fim de ir embora nem de falar com ele, mas um dos dois eu tinha que fazer. Acabei não fazendo nada e deixando ele se aproximar.

— Chris, ainda bem que te achei! Perguntei pra todos os garotos onde você estava e ninguém soube me responder, se não fosse pelas garotas ia estar te procurando até agora. — Ele falava com a voz entrecortada pela sua respiração rápida, ele tinha corrido bastante.

— Só fala logo o que você quer e me deixa em paz. — Nem levantei a cabeça pra olhar pra ele, continuei tirando pétala por pétala da rosa escura em minhas mãos como se fosse muito mais interessante que ele. Mas eu só estava fingindo pra mim mesmo.

— Eu… Não vou conseguir te deixar em paz, não depois do que eu vou te falar. — Ele se sentou do meu lado e segurou meu rosto com as duas mãos enquanto aproximava a sua cara também. — Christopher Fodendo Cesari, eu preciso que você me beije.

— Mas que porra?! — Me levantei e me afastei rapidamente dele, soltando a rosa no chão e com o rosto queimando, mas queria muito que ele não percebesse. — Você realmente quer começar isso de novo?

— Não Chris, é… — Ele parecia hesitante em dizer, mas sua cabeça sabia as exatas palavras que descreviam o que ele queria e ele tampou um pouco o rosto que estava ficando vermelho. Era a primeira vez na vida que eu via ele sem a pose habitual dele de "superior", era como se um pouco dos muros que ele construiu ao redor dele estivessem começando a ceder. — É outra coisa.

Um trovão soou no fundo, mas eu me sentia preso demais ao momento pra poder me importar com qualquer outra coisa.

— Se não vai me falar, acho melhor eu ir embora então.

E em um piscar de olhos, a chuva caiu. Ela veio torrencial e rapidamente, sem ter dado evidências de que viria e muito menos de quando ia nos deixar. Só veio, sem fazer muita questão de se importar se estava nos atrapalhando.

— Chris, me desculpa. Me desculpa de verdade, eu fui um idiota com você e só tenho conseguido ser um idiota com você toda hora, sem preocupar em me desculpar… — Justin começou, tentando, sem muito sucesso, ter a voz mais alta que o barulho da chuva.

Os seus cabelos normalmente cor de areia agora estavam encharcados meio castanhos, os olhos azuis se destacavam ainda mais agora se comparados ao céu escuro acima de nós, o uniforme branco sem a batina preta com crucifixos se transformava em transparente quanto mais a roupa se molhava. Era um pouco difícil não prestar atenção em qualquer coisa sobre ele, tudo no Justin sempre foi angelicalmente bonito. E ter ele se desculpando pra mim na chuva com certeza era ainda mais bonito do que eu jamais poderia imaginar.

— Me desculpa, por favor! Eu sei que nunca fui o melhor amigo que você devia ter, na verdade eu fui o pior sempre que tinha chance. Eu sou infantil, um completo idiota egocêntrico que gosta de tornar tudo sobre ele, que erra e não consegue admitir, que te deixa desconfortável sempre que pode, e… — Ele abaixou o rosto, e eu percebi pela sua voz embargada que ele estava chorando e não queria que eu visse ele chorar. Meu coração amoleceu.

— Tá tudo bem. — Eu respondi, me aproximando dele de novo e ele olhou pra mim. A chuva batia forte nas nossas cabeças, mas ela não mudava nada sobre aquele momento. — Eu sei como é. Você também se sente deslocado dessa realidade, tem essa vontade de querer que tudo gire em torno de você porque se não girar, você sente como se você não fosse nada. Como se não fosse importante. Como se ninguém importasse com você, que você é só escória e nunca vai ser algo a mais que isso. Como se estar longe de casa e das nossas famílias só deixasse essa certeza ainda mais forte, mas você não precisa ser ninguém além de você.

Eu segurei uma de suas mãos e o rosto dele voltou a ficar em um tom de rosa claro.

— Você já é importante pra mim, e não precisa ser ou tentar parecer nada além de quem você já é. Não precisa mudar nada que você não queira mudar em você. Não vou te condenar ao inferno por cada coisa errada que você fizer. É só você me pedir desculpas e mostrar que está arrependido que eu te desculpo, só isso e já tá bom. Porque você é minha família, e eu espero ser da sua também.

Eu sorri pra ele, e ele sorriu de volta. Como se tudo ainda pudesse ficar bem, como se tudo no final fosse ficar bem e como se nós fossemos imponentes sobre o resto do mundo. Pelo menos, é isso que eu senti no meu peito com meu melhor amigo debaixo daquela chuva que parecia querer perfurar nossas peles.

— E tem problema se eu quiser beijar alguém da minha família?

Justin apertou mais forte a minha mão, e eu entendi aquela fagulha de sentimento que estava confusa dentro de mim. Aquela sensação que se sobressaía sobre qualquer outra, aquela memória que me desconcentrava de todo o resto do mundo, aquela formigação nos lábios e o calor no rosto que me deixavam estranho. Aquilo só fez sentido.

— Não se for eu.

E diante de um frio na boca do estômago que queria subir pra minha garganta, nossos corpos encharcados com blusas brancas — agora quase transparentes — se colaram e se encaixaram como duas peças de quebra cabeça feitas uma para a outra, nossas mãos se entrelaçaram e ele colocou a mão sobre minha bochecha e nos beijamos na chuva como se tivéssemos esperado a vida toda só pra termos aquele momento. Como se fossemos mais que só dois garotos de 14 anos descobrindo a si mesmos em um internato cristão que seriam possivelmente expulsos se fossem descobertos, por que naquele momento nos sentíamos mais do que realmente éramos.

❦ᴍᴇᴀɴ ᴀɴɢᴇʟꜱ❦ [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora