VII - Era uma vez, dois garotos

81 9 41
                                    

GODRIC'S HOLLOW, 1899

O silêncio após o som cru do corpo de Ariana sendo lançado contra a parede foi algo denso, tornara impossível respirar sem puxar uma quantia exagerada de ar. Os olhos bicolores de Grindelwald permaneceram estáticos na direção de Dumbledore, sua boca não permitia se fechar enquanto o observava soluçar encarando as próprias mãos sujas de sangue.

─── O que foi que eu fiz? ── Albus disse, sua voz estava trêmula, tão fraca que quase foi abafada completamente pelo som dos passos de Aberforth.

─── Você... você a matou. Foi isso que fez! Assassino! Imundo! ── o irmão ralhou, chorava também, mas não tanto quanto o mais velho. Ele tentou arrancar o cadáver de Ariana dos braços de Albus, mas este não permitia, continuava a chorar acariciando o cabelo dela com as mãos ensanguentadas. A balançava para frente e para trás, parecia estar ninando uma criança, e as lágrimas desapareciam no cabelo ensopado da menina; os olhos dela estavam abertos, morbidamente vítreos.

─── Aberforth, deixe Al-

─── ISSO TAMBÉM É CULPA SUA! ── ele explodiu em sua direção, Gellert não pestanejou em erguer a varinha. Mataria aquele poço de mediocridade ali mesmo se não fosse pelo clamor de Albus para que não brigassem mais.

Foi um tolo... tão, tão tolo. Como pôde acreditar que fariam isso juntos? O caminho era obscuro demais e, apesar de ter grandes ambições, Albus nunca quis sujar as mãos de verdade. Ele aceitava a ideia com um sorriso deslumbrado no rosto enquanto conversavam com ela, mas não fazia ideia do peso disso. Não fazia ideia do preço a se pagar até aquele momento.

Decidido, Grindelwald abandonou a casa com nada além do que já tinha nos bolsos.

O sol estava se pondo quando subiu a colina, apesar de ser verão, o vento ao entardecer tendia a ser frio. Pensou em quantas vezes subiu naquele ponto nas últimas semanas para devanear com Albus, nas queixas dele sobre o clima e na indignação pela sua indiferença. Parou por um instante para olhar para cima, a riqueza das cores no céu, nuvens pontualmente espalhadas como em uma pintura, lembrou de Brian olhando para cima naquele mesmo ponto e dizendo:

─── É um dia bonito. ── murmurou, sua lembrança ainda tão viva fez sua voz ser abafada pela voz do fantasma de Dumbledore. Lágrimas escorreram em silêncio por suas bochechas, mas não deixou que o impulso de desabar no choro ganhasse espaço. Engoliu aquela bola de espinhos em sua garganta, cerrou os punhos e seguiu caminhando até o topo da colina.

Chegando no ponto, logo abaixo da única árvore que residia ali, retirou do bolso do casaco o diário. Tocou a capa preta, sentiu a textura do couro como se isso fosse trazer algum consolo. A presença dela lhe causou um arrepio na nuca, o sinal de que lidava com alguém tão perigoso quanto a si mesmo; ainda sendo jovem e arrogante, acreditava que eram iguais. Ela ainda não era nada mais do que o reflexo de uma lembrança, algo turvo e quase intocável, algo entre uma criatura viva e um fantasma. A morte de Ariana foi aceita como um sacrifício acidentalmente, mas já era algum lucro, agora os pés dela amassavam a grama.

─── E quanto ao outro?

─── O deixei para trás, não é forte o suficiente para isso. ── forçou arrogância, convincente o suficiente para fazê-la sorrir com um certo orgulho. No fim das contas era isso que gostava, miséria alheia para suprir a própria.

─── Curioso, Gellert Grindelwald. ── ela tocou seu queixo, era como ser tocado por uma pluma fria, um toque vazio e leve demais para ser considerado humano ── A morte dele não foi necessária para endurecer seu coração. Tanto amor... tanto potencial.

Blood & FeathersOnde histórias criam vida. Descubra agora