XII - O Cão de Caça

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JUNHO, 1993

Talvez tenha sido culpa da mania, noites inteiras sem pregar os olhos direito, sobrevivendo de cochilos nos intervalos quando o corpo atingia uma exaustão que era impossível sentir nesse estado. Talvez tenha sido culpa dos Dursley, as agressões verbais, físicas, as privações, a forma terrível como falavam de seus pais para que sentisse que sua existência, sendo fruto deles, fosse um erro. Talvez tenha sido culpa dela, mas Harry se recusava a aceitar essa hipótese até então, porque ela o tratava bem, ela ensinava coisas, ensinou o feitiço que acabara de salvar sua vida.

Fazer aquilo foi tão fácil, tão satisfatório. Calou a raiva que pontava em seu peito constantemente, dia e noite, desde que se entendera por gente.

Ele mantinha o braço estendido, segurando a varinha para o que restou do basilisco, a adrenalina ainda fazia todo seu corpo tremer. Mas Harry não tinha medo, não... Harry sentia algo completamente novo e muito melhor do que aquilo que experimentou quando venceu seu primeiro jogo de quadribol, ou quando conheceu a magia; Harry sentia que era inatingível.

─── Muito bem, Harry ── Morgana sussurrou em seu ouvido, tocando seu ombro com uma leve pressão, o máximo que podia fazer enquanto não estava em um estado totalmente físico. Ela mal tinha aquela transparência de uma miragem mais. ── Vê o que fez? Sozinho!

─── Você ensinou o feitiço...

─── Mas foi você quem executou, conhecimento e execução são coisas diferentes. Você foi impecável, veja só ── ela apontou para os restos da serpente gigante, afastou inutilmente um pedaço da criatura que estava no cabelo de Harry, como se isso fosse amenizar o resto da sujeira gosmenta de sangue e restos no corpo do menino. Harry não se importava com a bagunça, estava se sentindo melhor do que nunca! ── Como se sente?

Intocável, foi o que quis dizer. Pela primeira vez não estava sendo sufocado pelo sentimento de impotência, não tinha mais desgosto ou medo de voltar para casa, estando a um mês de retornar aos Dursley. Sem abusos, sem desrespeitos, poderia até mesmo atacar Malfoy se voltasse a importunar agora. Hogwarts era seu lar, era onde aprendia coisas fascinantes, mas nada que a escola pudesse oferecer traria o mesmo sentimento do que aquilo que Morgana compartilhou consigo naquele ano todo através do diário.

Podia controlar em absoluto sua capacidade de falar com as cobras e tamanho era seu fascínio por finalmente ser capaz disso que pouco tinha peso o fato de que praticou petrificando alunos, ela disse que ficariam bem, e Harry confiava nela. Se havia uma única consequência da qual realmente havia um amargo arrependimento era ter atingido Hermione por acidente, mas se redimiu naquele momento, transformando o basilisco em uma pilha insignificante de pedaços.

─── Eu me sinto seguro.

─── Compreendo o sentimento, melhor do que qualquer um possa compreender, Harry ── o braço do menino despencou ao lado do corpo, parecia pesar uma tonelada. Um sentimento se acumulou no peito, tão confuso e intenso que não era capaz de compreender, mas pouco compreendia de si mesmo, não tinha controle algum da própria mente. Quando aquele acúmulo subiu à sua garganta, Harry riu como não fazia havia muito tempo e junto as lágrimas rolaram.

Quando isso aconteceu da última vez, no zoológico, quando acidentalmente fez a serpente atacar outra criança, levou uma surra daquelas de Valter e acabou passando um fim de semana inteiro trancado no próprio quarto, mas Morgana afagava seu cabelo, ria junto consigo como se compartilhassem uma piada interna. Para ela, assim Harry foi levado a acreditar, ele não era imperfeito, não estava quebrado.

─── Esse é só o começo, Harry. Quando eu estiver livre, ensinarei muito mais, mostrarei o verdadeiro mundo bruxo, além dessa escola. Nós vamos garantir que nenhum outro bruxo sinta medo como nós sentimos.

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