Capítulo 4 - Bom Dia, Raio de Sol

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A manhã seguinte entrava preguiçosamente pela janela do apartamento de Beatrice. Ava conseguia ouvir o canto de alguns pássaros, a vida que começava a despertar na cidade. Mesmo os mais leves e comuns ruídos de uma vida normal eram música para os ouvidos de Ava. Ninguém tinha a mais vaga ideia do que ela teve que passar e presenciar em todo o tempo que vagou pelo outro lado do portal.

A luz alaranjada do amanhecer filtrada pelas transparentes cortinas da janela deixavam o apartamento com o aspecto de um sonho bom. Ava abriu os olhos mas nem se atreveu a se mexer. Beatrice ainda dormia ao seu lado e Ava via-se envolvida pela leve respiração e pelas batidas do coração de Bea. Ficou ali por uns instantes, deitada sobre o peito de Beatrice, sentindo o ritmado movimento causado por sua respiração tranquila. Mexeu-se o mínimo possível, para não acordar Beatrice, e voltou seu rosto de modo a observá-la. Ava não podia acreditar que estava novamente com Bea. Tanto tempo tentando voltar, sabendo que o tempo corria de forma diferente do outro lado. E se quando ela conseguisse voltar não encontrasse mais Bea? Não gostava nem de pensar nisso. Ava, deitada dentro do abraço de Beatrice, sentiu-se leve. E por alguns minutos ficou naquele estado de contemplação, velando o sono de Beatrice.

A claridade dentro do quarto foi aumentando aos poucos e Beatrice começou a despertar. Sentiu aquela primeira respirada mais funda da manhã encher seus pulmões e aos poucos foi abrindo os olhos. Deparou-se com aqueles belos e brilhantes olhos escuros de Ava, duas pedras de ônix que olhavam para ela com um sorriso bobo no rosto.

— Bom dia, raio de sol... — Ava falou quase num sussurro. Levantou-se um pouco e deu um beijo suave nos lábios de Bea.

— Nós fazemos isso agora?

— Isso o que?

— Dormir juntas e dar beijos de bom dia.

— De minha parte, gosto muito da ideia. — Ava deu um beijinho na ponta do nariz de Beatrice, arrancando um sorriso dela.

— Você estava me olhando dormir?

— Sim, você estava tão serena, dormindo pacificamente... não quis te acordar.

— Mas então você estava mesmo me olhando dormir?

— Estava.

— Sua esquisita.

As duas se encararam e caíram na gargalhada. Depois do acesso de riso, Bea acariciou o rosto de Ava e perguntou:

— Você dormiu bem?

— Como há muito tempo não conseguia dormir. Graças a você, Bea... obrigada.

— Não fiz nada, Ava. Mas fico feliz que você tenha conseguido descansar.

— Você que não sabe o bem que você me faz.

Beatrice sorriu. Sentiu-se importante para Ava, mesmo que não tivesse feito nada além de dormir ao lado dela.  E a verdade é que Beatrice também sentiu-se muito bem em dormir junto de Ava. Tirou alguns momentos afagando os longos cabelos de Ava, vendo que ela fechava os olhos apreciando aquele carinho. Após alguns momentos, decidiu que já era hora de irem, mesmo que ela desejasse de todo o coração passar o dia inteiro daquele jeito. Quantos antes chegassem ao convento, mais cedo saberiam o que Ava tinha para contar.

— Bem, é melhor levantarmos. — Bea informou. — O primeiro trem para a Espanha sai ainda de manhã e não queremos nos atrasar.

— Bea...

— Sim?

— Promete que a gente vai fazer isso de novo?

— O que?

Ava, ainda sentada na cama, olhou para os travesseiros, acariciou os lençóis e olhou novamente para Beatrice.

— Isso.

Bea sorriu e assentiu.

— Eu vou gostar muito.

***

Beatrice ainda tinha em mente que falaria para Ava sobre seus sentimentos assim que tivesse oportunidade mas, ainda assim, sentia um frio na barriga toda vez que pensava em se abrir olhando nos olhos dela. Beatrice era extremamente reservada, desde muito pequena.

Embarcaram no trem na Suíça e chegariam à Espanha ainda naquela tarde. Por mais controlada que fosse, Beatrice não conseguia ficar alheia à curiosidade de saber o que aconteceu realmente com Ava naquele outro reino desconhecido. Mas se conteve e não perguntou nem uma vez. Ava disse que falaria para todas juntas, então ela esperaria.

Ava sentia falta da luz do sol em seu rosto. Ao sentar-se próxima à janela, fechou os olhos e sentiu os raios de sol que a alcançavam, aquecendo sua pele. E aquela cena aqueceu também o coração de Beatrice. Ava era tão linda, tão doce com seu ar de menina... foi mesmo muito fácil se apaixonar por ela, como Camila certa vez afirmou. Enquanto isso, Bea tentava se encher de coragem para abrir seu coração para Ava.

— Ava...

— Sim? — Ava respondeu sem abrir os olhos, ainda sendo banhada pela luz do sol.

— Eu queria muito te dizer uma coisa... há bastante tempo até.

Ava virou-se para Bea dando-lhe total atenção. Como Bea havia previsto, sentiu-se congelada e sem palavras quando Ava a olhou. Ela realmente fazia Beatrice esquecer como respirar.

"Meu Deus, eu pareço uma menina de escola, que perde as palavras em situações como essa". Os pensamentos definitivamente não ajudavam Bea na tarefa.

Respirou fundo uma vez, duas vezes.

— É que... Bem, eu... Eu já queria ter te falado há mais tempo...

E no meio do discurso enrolado de Beatrice, o sistema de som a interrompeu. O operador do trem avisava que estavam chegando ao seu destino, que todos se preparassem para desembarcar. Quando o sistema de som se calou, Ava voltou-se novamente para Beatrice.

— Então, você dizia...

Bea engoliu em seco. Entendeu que talvez aquele fosse um sinal de que aquele não era o lugar ou o momento para se abrir, se mostrar vulnerável. Esperaria uma outra oportunidade, mais reservada.

— Eu posso falar uma outra hora. Vamos pegar nossas coisas, Camila já deve estar nos esperando na estação.

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