𝐂𝐇𝐀𝐃 𝐂𝐎𝐍𝐍𝐄𝐋𝐋𝐘

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🏒

– 𝐒𝐔𝐀 𝐌𝐀̃𝐄 𝐄́ 𝐀 𝐁𝐑𝐄𝐍𝐍𝐀 𝐉𝐄𝐍𝐒𝐄𝐍 – comunicou pela quarta vez durante o tempo que alinhava o banco do motorista – e seu nariz é igual ao dela.

–  Você é uma interesseira. Por Deus, Graham! –  Reclamei. Ela sorriu mas tentou não transmitir seu divertimento.

    Cara como eu gostava do seu sorriso e dentes tortos. Augustine é tão linda. Quando seus olhos encontraram os meus... Verde, verde é minha cor favorita.

    Sua cabeça tomba e ela morde os lábios envergonhada. Merda! Estava há muito tempo olhando para ela, presumo que tenha percebido. A Graham raspa sua garganta e seus olhos percorrem o banco de trás, ela bufa e sua atenção volta para o banco. Augustine é minha professora, e minha mãe será a dela, presumo. Penso, que agora somos amigos, isso é, ela já o disse uma vez.

– Não consigo dormir, preciso de mais de um travesseiro– murmura.

– Eu sei.

– Sabe?

– Sim, seu pai comentou –  ela arqueou suas sobrancelhas e comprimiu os lábios curiosa – em uma comitiva de imprensa, ele disse: "Não tenho dormido bem, não há muitos travesseiros. Penso na minha garotinha, ela também não consegue dormir sem bons travesseiros. Cara, sinto falta de casa!"

   Seus lábios formam um sorriso e dessa vez ela não tenta esconder.

– Ai meu Deus! –  Augustine levou suas mãos aos lábios - Você é mesmo um fã dos Bruins.

   Meus olhos estão arregalados. Lembro-me do jogo em questão: Bruins e Oilers. Meu pai jogava mas sofreu uma lesão no joelho no segundo tempo, Garrett Graham o ajudou a sair do gelo. Na coletiva de imprensa disse que desejava tê-lo como oponente por mais tempo, pois sentia falta de jogos bons assim. Não sei ao certo quando aconteceu, porém em alguns dias estávamos assando carne e salsicha no quintal e pela primeira vez torci por Boston Bruins. Eu sou filho do Jake Connelly, e sou instruído pela filha do Graham. Não estou reclamando, sinto ser parte do legado, embora as condições para o mesmo sejam péssimas.

  No meu último ano do ensino médio, quando os olheiros de Harvard vieram, sofri uma lesão nas vésperas do campeonato. Perdi minha bolsa, pensei que nunca mais jogaria hóquei, meus pensamentos eram cruéis. Ser filho de uma lenda requer responsabilidades e expectativas, fui matéria em alguns canais. Meus pais estavam lá, nunca saíram do meu lado. Cacete! Quando nosso treinador me prensou foi como ser lançado para aquele dia novamente, eu não era como Jake Connelly, nunca seria embora morresse tentando ser.

–  É sério? – Coloquei seus fios castanhos soltos atrás da orelha –  Gata, você tem um boné dos Oilers autografado pelo Jake Connelly. Você é a maior fã dos Oilers, mas não pode dizer pela honra dos Graham – ela sorri.

      Seguro minha respiração quando se aproxima. Gosto do seu perfume, ele me remete a chocolate quente e neve. Augustine Graham é quente, bonita e possui lábios rosados e levemente volumosos. Conheci Hannah Graham, são muito parecidas, no que recordo-me seus olhos, cabelo e formato do rosto.

– Posso usar sua jaqueta como travesseiro? –  Murmurou risonha, afirmo. Vendo-a se posicionar para dormir – Obrigada, amigo – diz a última palavra com a expressão séria para quem está rindo das minhas piadas.

– Disponha. Amiga!

   Meus olhos ficam pesados. Adormeço, embora acorde enquanto ela ainda dorme. Então é essa a sensação? Caralho, como eu queria vê-la dormindo entre meus lençóis. Seus lábios entreabertos e suas mãos encostadas nas bochechas, ela murmura algumas coisas e permito-me rir, queria tirar uma foto, só não consigo pensar em me mover no momento.

– É estranho, sabia? – Questiona ao abrir os olhos –  Você. Pensei que estivesse dormindo, mas não. Sua respiração pesada se sobressai em meus ouvidos...

–Jesus Cristo! Sinto muito por respirar, Graham –  ela sorri com a mão na frente da boca. O silêncio predomina por alguns segundos, então começo:–  Vou para casa, posso confirmar o nosso treino de amanhã?

– Não vou conseguir, – ela se espreguiça, subindo o banco do motorista –  me desculpa. Tenho um trabalho de comunicação atrasado, treino com as meninas para as classificações e... – Ela hesita, porém continua: –  Percy se ofereceu para cozinhar lá em casa.

   Meus pulmões comprimem, desvio meu olhar do seu.

–  São amigos? – pergunto enquanto me ajeito no banco carona, desconfortável com a possível resposta.

– No momento somos estranhos novamente, ele foi meu melhor amigo –  ela suspira –  Percy me levou no baile de inverno. Ele sempre cuidou de mim, me parece injusto não querer mais sua amizade. Pessoas não são descartáveis, Connelly.

Afirmo.

    Não. Pessoas não são descartáveis mas jogadores de hóquei sim. Eu tinha medo, eu estava com medo pra caralho. Meus pais contaram para mim sobre Eric, o ex-namorado da minha mãe, em um natal ele nos mandou um cartão, era uma foto sua na reabilitação e flores de agradecimento, gostei de vê-lo bem embora a possibilidade de não jogar mais hóquei me assombra, tive companheiros de time que se perderam no caminho. Era uma merda, é uma merda pensar que quase perdi tudo por uma lesão. Penso que Augustine me entenderia, e então a compreendo naquela noite, ela só queria alguém pra afirmar sua posição, colocá-la como igual. Talvez todos os caras merecessem vê-los, todos deveriam saber que minha evolução nos últimos jogos é graças a ela. Só não quero admitir que preciso de ajuda, e ela também está ganhando com o acordo, não está?

    Augustine acena para mim, é como uma criança no balançar dos seus braços. Dou um sorriso caloroso, e vou para casa, onde meus colegas de república não estão. Jogo meu corpo no sofá, releio algumas mensagens: Logan diz estar ajudando Eva com algo pessoal, ele tem escrito poemas e feito origamis de coração, poetas são estranhos. Beau e eu estamos distantes, no momento, eu amo aquele cara embora ele tenha tido o comportamento de um branco da bunda branca. O nome de Poppy aparece no meu celular acompanhado com o som de "Then He Kissed Me" das The Crystals.

– Eu tenho comida e um skate velho – Diz animada. Estreito os olhos e prometo correr ao seu encontro.

    Somos primos, e quando crianças fazíamos tudo juntos. Comida e skate velho. Poppy pede algo para comer, passamos por alguma praça vazia e usamos seu skate velho como mesa, tocamos algumas músicas e compartilhamos alguns pensamentos. Não me recordo da última vez que passamos algum tempo juntos, quando vim para Brair começamos a agir como jovens adultos.

– Antes de você chegar eu subi ali, é maravilhoso –   ela aponta para o brinquedo velho.

– Um escorredor quebrado? –  Levo o espaguete na boca e a vejo resmungar.

– A vista é linda, Chad. Deveria subir e ver com seus próprios olhos –  murmurou ajeitando seus fios soltos em um rabo de cavalo.

– Não. Nem fudendo, aquilo não vai suportar o meu peso de atleta –  ela deu de ombros. Poppy têmpera seu macarrão –  Posso escolher a música?

     Não concorda mas o faço. Fiz uma playlist para Graham na madrugada em que ela admitiu me odiar. Eu estava com insônia, e seus tapas estavam esquentando minha pele fria. "About You" de 1975 ecoa no meu Spotify. Poppy canta o refrão com euforia embora emita desdém pela escolha, passo meus pensamentos em algumas estrofes: "Eu nunca sei sobre o que pensar. Eu penso sobre você, sobre você."

  Sobre você.

Augustine Graham.

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