Já se perguntou o que leva alguém ao desespero? Essa pergunta me assaltou no momento em que o encontrei. Uma criança singular, coberta por escamas azuis, pequena em estatura, mas detentora de um poder destrutivo aterrador. Em sua fúria, essa única criança aniquilou o povoado onde eu vivia. Jamais imaginei testemunhar algo assim, mas ao vê-lo, uma certeza me invadiu: éramos iguais. Talvez até mais do que eu pudesse conceber.
Era a manhã do décimo sexto dia do inverno. O vento gélido sibilava, trazendo consigo a sensação de um iminente definhamento, embora soubéssemos que tudo segue o ciclo inexorável da morte e do renascimento. As folhas caídas jaziam sob um manto de neve, aguardando a transformação em sustento para a nova vida que a primavera e o verão trariam. Naquela manhã, o aroma reconfortante do chá que eu acabara de preparar pairava em minha casa, quando ouvi batidas na porta.
A criança era diminuta, com cabelos negros como a noite, ligeiramente ondulados e caindo um pouco abaixo dos ombros em desalinho. O contraste com seus olhos azul-elétrico era impressionante. Aqueles olhos irradiavam uma energia poderosa, diferente de tudo que eu já havia visto. Logo compreendi o motivo: seus braços e pernas eram revestidos por escamas polidas, tão perfeitas que refletiam a luz como espelhos azuis. De suas costas, estendia-se uma longa cauda reptiliana, com escamas afiadas como lâminas entre as vértebras, que subiam por toda a coluna. Estava nu, mas parecia alheio ao frio cortante, o que intensificou meu desconforto. No Reino da Terra, dias como aquele tornavam impossível sair de casa. Eu podia sentir sua fome; os roncos de seu estômago ecoavam a uma distância considerável. Ele estendeu as mãos, revelando garras afiadas, como se implorasse por algo. O medo me invadiu ao constatar a letalidade daquelas garras.
"Pão", ele disse, não como um pedido, mas como uma exigência. Fiquei intrigada e, ao mesmo tempo, irritada. Minhas condições eram precárias; se conseguisse dez ou quinze moedas de bronze em uma estação, já era uma grande sorte. "Pão", repetiu ele.
"Hum... peça aos seus pais", pensei, inclinada a fechar a porta. Mas ele permaneceu imóvel, com as mãos estendidas. Aquela visão me apertou o coração. Ele era um espelho de mim mesma quando criança, faminta e desamparada. "Certo. Entre, coma e volte para seus pais. Devem estar preocupados."
Falei para tranquilizá-lo, mas, acima de tudo, para me acalmar. Eu sabia que os pais daquele garoto jamais retornariam. Ele era um híbrido, assim como eu. Meus pais nunca voltaram... Abri a porta e o deixei entrar. Ele se sentou em frente à lareira, os olhos fixos nas chamas. Não com o temor de um elfo, mas com a fúria de uma fera, embora seus sentimentos aparentassem calma. Me perguntei o que ele realmente era. Não se assemelhava a um humano, elfo, bruxo ou qualquer outra raça terrestre. Talvez fosse um Fogano ou Aquamarino... Duvidava que fosse do Reino do Raio ou do Ar, pois não possuía asas nem demonstrava qualquer ligação com esses elementos.
Servi-lhe pão e chá, e para minha surpresa, ele bebeu o chá de um só gole, sem se importar com a temperatura escaldante. Era evidente que o calor não o afetava. Seus olhos se perderam nas chamas dançantes da lareira.
"Volte para seus pais agora", tentei soar firme, mas minha voz transmitia tristeza e confusão.
"Você teme o que não compreende." Enquanto observava as chamas tremeluzirem, suas pupilas se estreitaram. A energia que ele irradiava era... estranha, algo indefinível, e certamente não era positiva. As chamas começaram a mudar de cor, de um amarelo suave para vermelho e, finalmente, para azul, emanando um calor tão intenso que me forcei a recuar alguns passos. "Cho'Gon."
"Isso... é o dialeto dos monstros, não é?" Recuei ainda mais, sentindo minha respiração acelerar. Em minha própria pele, as marcas azuis de minhas runas brilhavam fracamente. "Eu temo o que não controlo."
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Escuridão - Drakón
Fantasy"Já imaginou o que leva uma pessoa ao desespero? Pois eu pensei isso no momento que o encontrei. Aquela estranha criança de escamas azuis, tão pequena, mas com um poder destrutivo assustador... Aquela única criança, em sua fúria, dizimou todo o povo...