Sangue Carmesim

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Maeve fechou os olhos e suspirou, abraçando as pernas em um gesto estranho. Apesar de eu achar que a conhecia por seus sentimentos, eu não sabia nada sobre ela. Parecia uma garota de oito anos, mas o passado revelado pelo meu livro indicava que ela era apenas alguns meses mais velha que Gon, considerando que a gestação humana dura entre oito e dez meses e a de uma Imortal, de três a cinco semanas. Seu olhar estava fixo na água. Sentimentos de solidão, luto e ódio pairavam em seu coração. Naquele momento, eu via em seus olhos o poder que ela possuía, algo assustador, mas muito menor que o de Cho'Gon. Era confuso. Talvez ela realmente não fosse tão velha assim. A pequena suspirou e, quando abriu a boca para falar, sua voz era de uma mulher adulta, grave, em um tom de contralto intenso.

"Eu nasci há 170 anos, no Octogésimo Segundo Dia do Inverno", ela disse. Por que nos contava aquilo agora? Será que percebeu que eu estava sondando seus sentimentos? "Ao nascer, minha mãe cumpriu as ordens de minha progenitora, o Calor, e me deixou em um mosteiro perto de Norad'y do Sul, onde fui criada com outros órfãos, a maioria humanos, mas também havia muitas náiades, sátiros, magos e bruxas, sempre sob a vigilância da Nova Valquíria das Chamas, Scold. Era uma vida feliz..." A nostalgia em seus sentimentos logo se transformou em tristeza. "Nós, imortais, levamos menos de um ano para atingir esta forma e permanecemos assim por 170 anos até crescermos novamente, tornando-nos adultos completos... Durante esse tempo, muitos companheiros envelheceram e morreram... Nenhum dos meus amigos humanos está vivo. A vida de um humano é como um sopro... No fim, a idade não significa nada para mim. Permanecerei jovem e bela pela eternidade... Apenas ferimentos causados por outros seres podem me matar... É um destino um tanto... ruim. Todos que eu amar morrerão, e eu permanecerei..." Seus olhos marejaram. Ela segurava o choro como uma criança orgulhosa, evitando mostrar o que sentia. Respirou fundo e as lágrimas evaporaram. "A mãe de vocês dois também já se foi, mas, segundo as Valquírias, antes de partir, ela deixou algo para vocês na Biblioteca de Kahnahan."

"Algo? Não sabe o que é?", perguntei, sentando ao seu lado. "Então, em breve seu corpo crescerá para uma nova forma, não é? Eu nem sei em que dia estamos..."

"Octogésimo Primeiro Dia do Inverno. Amanhã, na trigésima terceira hora, eu crescerei, querendo ou não, e meu poder será total. Poderei vingar meu amigo... Atualmente, consigo usar cerca de oito centésimos do meu total, o que já é suficiente para me teletransportar até 70 milhas, carbonizar corpos e até mesmo congelá-los, removendo seu calor... Mas fisicamente sou inútil. Meu tempo de reação é muito baixo... O problema de ser Meio-Húlluk é que você fica preso às restrições da raça de sua mãe ou pai não divino."

"Faz sentido", respondi, pensativa. Algo não se encaixava. Se Cho'Gon era humano, como havia vivido tanto tempo em uma forma tão jovem? O que ele realmente era? Olhei para o resto do grupo. Eles já haviam superado a tristeza e comiam e cantavam juntos. Era uma cena cheia de ternura. Eu queria que durasse para sempre. Meus olhos se voltaram para meu irmão e depois para a jovem.

"Gon é meio-humano e, por natureza, eles são uma raça guerreira, a raça da versatilidade. Mas, por esse lado, ele já deveria ter morrido..."

"Ele pode regredir a idade. Observei vocês por algum tempo depois que nos encontramos. O rapaz tem uma forma criança e uma adulta... Só existe uma raça que consegue fazer isso, mas precisamos falar com elas para confirmar. Não vou falar nada por enquanto... Não gosto de falar sem ter certeza, mas acho que seus irmãos já perceberam."

"Entendo. Que complicado...", murmurei.

Maeve se levantou, e Gon voltou à sua forma infantil, aproximando-se dela. Eles tinham o mesmo tamanho. Espantei-me com a atitude desinibida do garoto: ele se abaixou e se aconchegou no peito dela, que o abraçou. Por instinto? Como viveu em um orfanato, talvez tivesse um instinto materno maior para cuidar dos menores? Ela sorriu e afagou os cabelos do garoto, como se fossem um casal de namorados. Não sei o motivo, mas eles eram tão sinérgicos, suas energias combinavam perfeitamente.

Escuridão - DrakónOnde histórias criam vida. Descubra agora