16 - Eu falo demais

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Meu coração erra todas as batidas possíveis e minha respiração me deixa na mão. Sentir Lauren assim, outra vez, depois de tanto tempo com certeza mexeu comigo. Ela desce sua mão por minha cintura e me puxa para perto. Quero que ela continue, ao mesmo tempo quero que ela morra. 
Ela se afasta e verifica a porta atrás de mim. Continuo parada, sem reação.

— Para sorte de vocês, não era o Zayn. Será que dá pra vocês entrarem logo na porcaria do carro?

Ela volta e estala os dedos na minha cara. Pisco algumas vezes, tentando voltar ao normal. Em um ato involuntário eu passo a língua sobre os lábios. Ela percebe e balança a cabeça, sorrindo de lado. Volto ao normal e esfrego as costas da mão na boca, tentando limpar todo resquício daquele estrupício. 

Dinah que apenas assistia, em silêncio fez seu caminho para o carro. Parou na porta e ameaçou:
— Presta bem atenção, Jauregui. Pouco me importa a distância entre nós, pouco me importa quem você é ou os amigos que tem. Se acontecer qualquer coisa, qualquer coisa, seja com Camila ou comigo, juro por Deus, você vai se arrepender.

Lauren força o maxilar e observa, calada.

Entramos no carro em silêncio e assim ficamos por alguns minutos, enquanto ela começava a dirigir.

Agora é noite, por volta de 19h. Respiro fundo e então percebo que já estive nesse carro.

— De quem é esse carro? É o mesmo que me levou para o baile. 

— Não é da sua conta.

— Precisa ser grossa assim?

— Camila, me dá um tempo. Você só dificulta as coisas pra mim. - paramos em um sinal vermelho. Lauren apoiou o braço na janela aberta do carro e respirou fundo.

— Eu só dificulto as coisas pra você? - rio sarcasticamente. - Você mesma se sabota e se destrói, Lauren. Eu só quis ajudar você a sair do buraco onde você se enfiou. Não tenho culpa se você não tem força para nada.

Ela respira fundo de novo. Observo pela visão periférica que seus lábios estão tremendo.

— Você simplesmente não entende. - ela acelera e ultrapassa alguns carros. Sua voz era baixa.

— Realmente. Essa deve ser a primeira coisa inteligente que você diz em meses. Eu não consigo entender você. Sempre teve tudo, tem uma família linda que te ama e faz de tudo por você, é inteligente e prefere perder tempo com o que não presta. Sabe, Lauren, eu realmente não consigo entender como você pode ser tão burra e tão egoísta. Não me desce que você esteja jogando sua vida fora desse jeito, muito menos que faça da vida dos que te amam um inferno.

— E o que você tem a ver com isso, hein? -ela me olha rapidamente e se concentra na rua- Se é minha vida indo pro esgoto, por que você não simplesmente cala sua boca e cuida da sua vidinha perfeita e deixa eu me afundar sozinha?

— Porque me importo com você! - grito com raiva - Me importo com seus pais, com sua irmã. Eu, diferente de você, me importo com os outros ao meu redor. Sei o quanto é difícil pra eles que você seja uma... - me seguro.

— Uma? - ela sorri sem humor, enquanto uma lágrima solitária escorre em seu rosto.

— Uma viciada. 

Ela balança a cabeça e para o carro. Suas mãos cobrem seu rosto enquanto ela respira fundo. 

Me sinto mal pelo que acabou de acontecer.

— A sua existência não é a mesma que a minha, Camila. Eu passei por coisas que você jamais imaginaria. Eu juro que tentei ser legal com você, mas não consigo mais. Você acha que as coisas são simples, como nos filmes, mas não são. Acha que eu nunca tentei sair dessa vida? Acha que não me sinto mal pelo meus pais? Toda noite quando durmo eu torço para não acordar mais porque já me cansei de ser uma desgraça ambulante. Viro as noites fora de casa porque não consigo ficar muito tempo com minha família, sabendo o que pensam sobre mim. Não é tão fácil largar tudo uma vez que você experimenta. Uma vez dentro, é quase impossível sair vivo. Você saberia disso se prestasse atenção no mundo real. Quer saber? Por que não pega essa sua empatia e volta para Cuba, huh? Quem sabe você não muda aquele país ferrado, já que tenta tanto mudar a minha vida ferrada. - ela suspira e seca as lágrimas - Você não tem absolutamente nada, nada, a ver comigo. Então vê se cala essa boca e some da minha vida de uma vez. 

Ela destrava as portas.

Nunca antes fiz tanto esforço para segurar o choro como agora.

— Lauren... - minha voz sai tremida

— O metrô fica na esquina. - Ela vira seu rosto para a janela, escondendo suas lágrimas.

A observo, arrependida do que fiz. Destravo o cinto de segurança, enquanto pondero pedir desculpas. Ponho a mão sobre a maçaneta e tento:

— Lauren, me desculpa.

— Vai embora, Camila. - sua voz tremeu. Ela ainda está olhando para a janela, escondendo o rosto.

Toco em seu ombro e sinto um choque. Ela rapidamente se vira para olhar seu ombro. Desvia seu olhar brevemente para meus olhos e então se vira para frente. — Me desculpe, de verdade. 

A observo por alguns segundo e saio do carro. Por um momento eu me esqueci que Dinah estava aqui. Respiro fundo e a abraço, enquanto caminhamos em silêncio até o metrô. Lauren acelera com o carro e vai embora.

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— Chancho, você não teve culpa. - Dinah fazia carinho na minha cabeça enquanto eu choramingava em seu colo.

— Claro que tive, Dinah. Eu sou um monstro. Você viu, ela chorou!

— Camila, vê se acorda. Lauren já machucou você demais, não acha? Para pra pensar em tudo que vocês passaram nos últimos meses e me diz quem é o verdadeiro monstro?

Reflito.

Nesse semestre Lauren e eu nos aproximamos bastante. Sempre que eu ia passar tempo com Taylor em sua casa, Lauren participava. Tivemos episódios um tanto quanto românticos, como no dia em que ficamos sozinhas em sua casa, preparando uma festa surpresa para Taylor

FLASHBACK ON

— Lauren, assim não! Está torto! - exclamei vendo a faixa de aniversário sendo burramente pendurada na sala.

— E daí? Nem tudo é perfeito. - ela responde descendo da escada que usava para alcançar o topo da parede.

Estou sentada na bancada, recortando alguns enfeites. Lauren se aproxima de onde estou, a fim de observar de longe a faixa pendurada. 

— Eu disse que estava torto. - rio sem ao menos olhar novamente para sua presepada.
Ela me olha pelo canto dos olhos e toma a tesoura e os enfeites da minha mão. - Pois não?

Ela se posiciona entre minhas pernas e com uma mão segura minha nuca. Antes que eu pudesse raciocinar, ela se aproxima e, gentilmente, une seus lábios aos meus. 
Sinto meus ombros caírem e tudo em mim amolecer, como se eu fosse derreter. Como ela consegue ter os lábios tão macios?

Você  é perfeita. - ela diz encostando sua testa na minha. Involuntariamente eu sorrio.

— De jeito nenhum. - respondi sentindo seu perfume.

FLASHBACK OFF

ou a vez em que nos beijamos pela primeira vez. Um suspiro me escapa só de lembrar. 
Além de momentos assim, tivemos nossas desavenças. As noites em que ela saía sem avisar e deixava seus pais mortos de preocupação, as vezes onde ela chegava bêbada, e até a vez onde ela chegou totalmente chapada e eu tive que ajudar a cuidar dela. Sempre que ela fazia algo assim consigo mesma, nós brigávamos. Me doía ver ela se destruir sem ao menos tentar evitar.

— Eu ainda gosto dela, Dinah... - confessei em voz baixa e funguei.

— Eu sei, Chancho. Eu sei.

Eu vi você morrerOnde histórias criam vida. Descubra agora