Dois de copas - parte III

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OTÁVIO

Estou me sentindo estranhamente culpado por ter acabado de provocar o Herus. E me sentindo mais estranho ainda em estar com ele. Nós dois a sós. Ele está concentrado preparando alguma pasta de abacate, a chaleira está no fogo e ele organizou o coador de café e a cafeteira em uma parte. Tudo arrumado enquanto ele desliza de um lado a outro com um semblante sério e tenso. Será que ele ainda está com vergonha pelo que aconteceu na piscina?

– Botelho. Você deve ter trazido sua namorada aqui. É uma casa bem bonita. – É a única coisa que me vem à cabeça pra falar.

– Nunca trouxe ninguém além dos meus amigos. – Ele responde enquanto corta temperos. – E você. Está ficando com alguém?

– Não. E se não se importa... eu estou meio cansado de falar sobre esse assunto.

– Por que? – Ele me olha com um sorriso.

– Meus pais e meus amigos vivem me perguntando quando vou namorar.

– Você já namorou antes?

– Não!

– Não brinca! – Ele me olha descrente.

– Sério! Olha. Tive alguns rolos durante o ensino médio e sempre gostei de fazer várias coisas e ficar com meus amigos. Nunca senti essa faaalta em ter alguém. E você?

– Três namoradas. Uma delas você conhece e... As outras não foram namoros, namoros. Eu só gostei e fui ficando. Até que elas mostrarem que só queriam status, mais do que um relacionamento.

– E meninos. Você já beijou? – Meu Deus! Por que perguntei isso?

– Não! – Ele ri. – Meus dois amigos mais próximos são um casal. História engraçada essa! – Ele se vira e desliga o fogo da chaleira que começa a apitar e continua falando – Nós estudamos juntos desde... sei lá! Há muito tempo. E eles começaram a ficar desde os catorze anos. Era engraçado como eles se olhavam e desapareciam um tempão até que eu e a Geórgia. Uma amiga. Déssemos por falta deles. Mas isso foi e foi. Lucas não quis assumir, mesmo a família dele sabendo e o Júnior se sentia mal, mas também não conseguia ficar longe. Hoje eles são namorados. Finalmente!

– Interessante... seus olhos brilharam quando você falou dos seus amigos.

– Você me lembra deles, Pinheiro. – Ele terminou de passar o café e está tirando um pote com peito de peru e outro com alface. – Muito ou pouco peito?

– Bastante, por favor! – Respondo. Mas ainda estou curioso em saber se ele beijaria meninos. – Mas você nunca... quero dizer. Sempre foi heterozinho assim?

– Uma vez sonhei que beijava um carinha. Mas era por conta do tanto de BLs que minha irmã me força a assistir. – Ele se vira pra mim e me dá um sanduíche bem recheado – Come logo e para de ficar me enchendo igual minha irmã.

– Héteros vivem fazendo esse tipo de pergunta pras gays. É minha chance de reparação histórica – Mordo meu sanduíche e ele me dá uma xícara de café.

– Está sem açúcar.

– Gosto assim.

– Se não fosse o caso da sua reparação histórica. Poderia jurar que você quer me beijar. – Ele toma um gole de café e me encara com a cara mais sínica do mundo.

– Você não faz o meu tipo!

– Ai! Golpe baixo ein! – Herus ri.

– A gente pode assistir alguma coisa? A chuva está forte ainda.

– A televisão fica na... no meu quarto. A gente não tem televisão na sala de estar.

– Tem pipoca?

– Queijo, chocolate ou tradicional? – Ele puxa de algum lugar os três pacotes de pipoca.

– Você tem poderes mágicos? Chocolate e queijo!

– Vou fazer aqui. Se quiser pode ir na frente. Meu quarto é o segundo da esquerda.

– Pode deixar! – Saio do balcão e vou andando pela casa ampla e bonita. A parte da sala de estar e jantar tem um pé direito duplo, uma claraboia grande no alto e acho que dá pra ver as estrelas à noite.

Subo as escadas e encontro o quarto do Herus. Paredes cinza e branco gelo, a cama arrumada e limpa, porta de correr para uma sacada de onde se pode ver a praia. Fico parado olhando a chuva e sentindo esse frio no estômago que nunca senti antes. E se no fundo eu quisesse que ele me beijasse? Pergunto a mim mesmo. Deve ser carência ou pressão das conversas. A temperatura está mais fria aqui no quarto do que na cozinha, me abraço e esfrego as mãos nos bíceps pra aquecer.

– Pensei que tivesse ligado a TV? – Olho para trás e Herus está com dois baldes de pipoca e uma garrafa de coca de 600ml.

– Só estava olhando a praia.

– Otávio. Eu posso te pedir uma coisa? – Ele coloca os baldes e o refrigerante e copos na escrivaninha e se aproxima.

– Eu não sou de rodeios.

– E por que está rodeando?

– Você! Me deixa falar, caramba!

– A pipoca vai esfriar! – Tento andar em direção ao lanchinho, mas ele me puxa.

– Me beija!? – Ele está assustado e com vergonha, mas não está brincando. – Você me provoca e desde quando te vi mais cedo... é...

– Herus. Pode ser só carência... eu não. – Parte minha quer dizer sim ao pedido dele, mas a outra está confusa. Ele parece entender e me solta.

– Desculpa. Finge que não aconteceu isso. – Ele tenta ir, mas sou eu que o impeço com um toque.

– Eu não quero ser uma experiência que se torna um segredo. Eu sei como... – ele me beija. Rápido, suave e explosivo por dentro. – Foda-se o que eu disse! – Empurro ele pra cama e começo a beijá-lo. Eu queria isso desde a piscina quando ele me olhou. Eu queria isso quando estava naquele balcão.

– Você é do tipo mandão? – Ele sorri como um sacana, me pega e me joga de costas no colchão. – Eu vou te domar, sua fera.

Eu pensei em responder, mas ele é irresistível demais pra não ceder a isso. Como não ceder a esse sabor de café nos lábios, ou o calor da respiração no meu pescoço? Como dizer não a pressão que ele faz entre minhas pernas? Ele quer me domar? Sim, eu deixo! Ele quer beijar minha barriga lentamente e me causando arrepios? Sim, Eu deixo! Ele quer passar a língua nos meus mamilos? São seus! Mas você é meu também. Seus músculos exibidos ao tirar a camisa, seu peito grande e farto, seu abdômen definido são meus! Nesse momento sua boca é minha, seus olhos me devorando, sua pele quente me fervendo. Esse seu membro grosso e molhado é meu!

– Pinheiro? Pinheiro? Otávio!

– O que foi!? – Acordo assustado.

– Você dormiu e perdeu o filme. Estava sonhando?

– Não! Imagina. Só me assustei com você gritando meu nome. – Minha nossa que sonho foi esse?! Estou com uma ereção e por sorte ele não reparou. Ainda chove, mas não muito forte e é tarde demais pra voltar.

– Você pode dormir no meu quarto. Vou ficar no da minha irmã.

– Tudo bem, Botelho. Obrigado.

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