Cinco de paus

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OTÁVIO

Mais cedo naquele dia

Alguns anos de terapia me ajudam a lidar com situações diversas, por exemplo, quando o namorado do seu pai é alguém que tem idade de ser meu irmão mais velho.

— Esse é o meu filho, Otávio! — o rapaz entra e estende a mão — esse é o meu namorado, Kupper.

— Kupper é sobrenome? — Aperto a mão do rapaz e faço minha pequena intromissão.

— Sim. Eu me chamo Manuel.

— Meus pêsames — um bom piadista é o que sempre serei.

— Não tive como processar meus pais por isso, mas meu irmão se chama Raimundo — ele fala bem debochado e ri.

— Vamos comer? Eu estou morrendo de fome! — Meu pai entra na conversa e os dois parecem menos tensos.

— Trouxe o vinho que me pediu. – Kupper mostra a garrafa em mão.

— E como foi a viagem, Otávio?

— Tranquila, mas viagem de madrugada é um porre — nos posicionamos na pequena mesa de jantar.

— Seu pai sempre fala de você.

— Eu imagino — começo a me servir salada — ele deve ter mostrado minhas fotos de quando era criança e o vídeo quando arranquei meu dente sozinho.

— Exatamente! Meus pais gostam de mostrar meu álbum de quando decidi ser modelo.

— Fotos incríveis! — Diz meu pai — Deveria ter seguido carreira.

— Não era tudo o que eu esperava. Eu era adolescente e nem sabia fazer um miojo.

— E o que você faz agora? — Pergunto.

— Estudo arquitetura. Aliás! Você é de Enfermagem. Seu prédio fica próximo ao meu!

— Sério!? Bom que já conheço alguém da Uni.

— A gente pode ir juntos na segunda. Te apresento o campus e alguns lugares legais.

— Eu ainda estou aqui — meu pai nos observa cerrando os olhos e ri aliviado — Fico feliz que vocês se deram bem.

— Há quanto tempo se conhecem, Kupper?

— Desde quando me mudei pra cá. Foi em... setembro! Isso! Seu pai me ajudou algumas vezes com compras e com uma torneira.

— Então você conhece os serviços de macho alfa do meu pai? — Solto uma gargalhada — Hugão da manutenção! — Começamos a rir e vejo meu pai ficar envergonhado. Meu pai Dani deu esse apelido.

— Otávio! — Ele tenta me censurar.

— Enfim. Seu pai e eu só começamos a namorar há dois meses.

— Bem que eu achei que ele estivesse me escondendo algo e esse apartamento está bastante arrumado.

— Kupper me ajudou a limpar. Você sabe que não tenho muito tempo pra fazer essas coisas durante a semana.

E entre risos e histórias de vida, o jantar seguiu bem. Estamos tomando vinho e conversando sobre diferenças culturais e comidas da minha região. Já são dez da noite e a conversa segue a plenos pulmões e parece sem fim até que dou a ideia de irmos a um bar beber um pouco. Na minha boa e velha frase o que é um peido pra quem já tá cágado? Consigo convencer meu pai e Kupper a irmos em um bar perto.

Saímos rindo até o elevador e entre chiados do meu pai pra que eu faça silêncio. Peguei a garrafa de vinho que Manuel trouxe e estou bebendo no gargalo. Vejo uma cena fofa de Kupper com meu pai, abraçados e cochichando entre si. Estou um pouquinho alto, mas nada que afete minha sociabilidade. A verdade é que fico mais falante do que o habitual. Termino o vinho e deixo na lixeira de vidros ao lado da portaria.

— Ele realmente é seu filho! — Kupper diz.

— Você já viu meu pai quando bebe no karaokê?

— Otávio... — meu pai encarna o seu papel — chega de bebida por hoje.

E eu ouvi meu pai? Sim! Porém enchi a cara de Chopp geladinho e estou conversando e cantando as músicas que o artista do bar toca. Eu tenho uma leve obsessão por rock dos anos 80, 90 e 2000. Nada como o bom e velho Hanson, Aerosmith, Linkin Park e etc. Meu celular toca umas três vezes e não atendo, porque sei que é o meu pai Daniel querendo conversar.

— Eu vou ao banheiro, meninos – levanto da cadeira me sentindo tonto, mas consigo chegar onde quero.

— Eu vou pedir um refrigerante de guaraná para você e depois vamos pra casa — meu pai diz.

— Tuuudo bem!

Entro no pequeno corredor do pub e esbarro sem querer em um cara alto. Peço desculpas, mas ele me encara com uma cara de puto. Meu porre passa em milésimos e vejo que derramei Chopp na camisa dele.

— Presta atenção! — Ele me empurra e bato minha cabeça na parede — Puta merda!

— Me desculpa! — Tento secar ele com as mãos o que é meio idiota e ele acaba empurrando elas. — Não era preciso me empurrar!

— Você quer apanhar? — O famoso pegar alguém pelo braço e tentar intimidar.

— Não estou interessado. Obrigado! — Me solto rapidamente. — Só quero ir ao banheiro, okay! Sem brigas! — Sorte que o som alto não deixou os outros ouvirem isso, porque eu não ia querer meu pai me defendendo a essa hora.

— Você é bem debochadinho, não é? — Ele me empurra de novo e vai embora resmungando.

Fico tão irritado que esqueço a bexiga cheia e volto pra mesa dizendo que quero ir embora. Meu pai faz uma cara estranha e vai pagar a conta sem exitar e eu saio andando pro lado de fora. Kupper me segue até que eu paro alguns metros de distância do local.

— O que aconteceu contigo? — Ele está preocupado.

— Só um idiota em quem esbarrei lá dentro sem querer — olho para o pub e vejo o carinha com seu queixo arrogante levantado e cara de irritado. Seria bonito se não fosse tão idiota.

— Eu vou procurar seu pai e já voltamos. Fique aqui. Tudo bem? — Kupper é um futuro padrasto excelente!

Só concordo e fico encostado em um carro. Vejo Kupper indo até o pub enquanto meus olhos se esbarram com o cara arrogante. Ele está ao lado de uma pobre coitada que deve ser sua namorada ou ficante da semana. Viro o rosto, cruzo os braços e espero meu pai e o namorado chegarem o que foi rápido e assim se termina minha primeira noite depois da mudança.

Depois de contar o que aconteceu pro meu pai e tomar o banho mais frio da minha vida, deito e fico folheando o livrinho das cartas. Rumo a segundo arcano, o mago, que é o número um (coisa louca isso aqui) e seus significados:

Criatividade, inspiração, poder interior. Usar conhecimentos que se tem para o início de uma nova jornada ou projetos.

Cartinha legal! Vou aderir a essa mensagem e ignorar o garoto arrogante de mais cedo.

Os Arcanos e EuOnde histórias criam vida. Descubra agora