Capítulo dez - Confusão de sentimentos

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Blair Finnegan

Estava no quinto capítulo de um livro, tomando um suco natural de melancia. Uma família com duas crianças cruzaram bem perto do lugar onde estava. Os pais riam de alguma coisa que a mais velha das filhas falou, a menor se abaixou para pegar uma pedra e depois jogar na água.

Sentada em uma das rochas a beira mar espalhadas pela pequena faixa de areia que compunha a praia, uma brisa leve balançou os fios soltos do meu cabelo fazendo cócegas em minhas bochechas, Five Mile Point Light era um dos cartões postais de New Haven e agora entendia o motivo, o sol esvaindo no horizonte seus últimos flashes iluminando o farol que destacava-se na paisagem ao meu lado, as ondas suaves arrebentando nas rochas respingando um pouco de água em minha pernas, era a primeira vez que via o mar de perto, o som era a trilha sonora perfeita para uma leitura leve, os livros eram meus escudos contra o mundo real, sempre que queria ignorar algum sentimento inconveniente, eu buscava meu refúgio entre as páginas, mas estava ficando tarde.

Peguei minha bolsa largando meu livro dentro dela, e também o copo de plástico vazio para jogar mais tarde em uma lata de lixo, vasculhando minha bolsa encontrei uma foto antiga no fundo, uma das poucas fotos que tenho da minha mãe, ela está sentada na mesma pedra na qual estou agora, parecendo feliz, rindo para quem registrou o momento, meu pai, foi ele que me deu a foto no começo deste ano, dizendo que eu deveria conhecer o lugar preferido no mundo dela.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto ao ler o trecho escrito atrás da imagem.

"Quando sentir minha falta, basta olhar para o mar, meu espírito estará na brisa."

Meu pai disse que ela escreveu porque se eles terminassem o relacionamento algum dia era para ele lembrar dela de um jeito bonito e não triste.

Quando me dei conta, já estava soluçando de tanto chorar. Toquei em minha cicatriz no canto da minha clavícula, o dia em que perdi minha mãe enraizado em minha pele, cravado como uma lâmina, o sinal que me lembrava todos os dias que eu nunca teria ela presente em minhas formaturas, ou em meu casamento, que ela não estava lá quando meu primeiro dente caiu, ou para me ensinar a andar de bicicleta, ou limpando minhas lágrimas depois do meu primeiro coração partido.

Não fazia ideia se ela já tinha um futuro planejado para mim, mas me esforcei ao máximo para suprir as expectativas dos meus avós, pensando que talvez esse fosse o desejo dela. Meu pai não falava muito sobre o acidente, ele estava do outro lado do país quando aconteceu, tudo que eu sabia era que eu ficava na casa dos meus avós em Seattle enquanto minha mãe terminava a faculdade em New Haven, faltava apenas um ano. Minha avó nunca tocou no assunto, na verdade nenhum deles falava muito sobre os acontecimentos, mas foi no dia do meu aniversário de dois anos. Minha mãe conseguiu uma dispensa das aulas para poder passar esse dia comigo. Às vezes me perguntava se meus avós me culpavam pelo que aconteceu, que caso ela não tivesse aparecido naquele dia, as coisas teriam sido diferentes, se ela ainda estaria viva.

Nunca mais comemorei meu aniversário depois do acidente, era doloroso para todos nós.

A cicatriz na minha clavícula era uma lembrança constante de que eu estava com minha mãe em seus últimos momentos quando uma camionete bateu de frente com nosso carro, eu tive ferimentos leves, fisicamente, mas que embora minha pouca idade e nenhuma lembrança, a ferida da perda nunca me deixou esquecer, aquele pequeno corte deixou uma cicatriz muito maior na minha alma.

Nos meus aniversários tinha o costume de comprar o maior buquê de girassóis os preferidos dela, e ir para o cemitério, ficando lá por tanto tempo que nem via escurecer, conversando com minha mãe sobre todas as coisas da minha vida, ou só ficava lá, chorando até meus olhos incharem.

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