Chuveiro do mal

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Eu nunca fui impulsivo. Sério, em vinte e cinco anos, meu maior ato de impulsividade foi inclinar o corpo para frente e beijar uma garota quando eu tinha treze anos, e apenas porque eu sabia que ela gostava de mim. Talvez essa seja a pior história de primeiro beijo que eu poderia contar a alguém, foi traumático e até hoje essa menina deve se lembrar de como tentei a engolir com a minha boca. Foi péssimo.

Depois disso, eu nunca agi sem pensar direito nos prós e contras sobre cada um dos meus atos, sempre entendendo que não tenho alguém para tomar conta de mim e me livrar das enrascadas em que eu mesmo me meto. Meus pais me deixaram muito cedo, não por vontade deles, claro. Como filho único, eu estou sozinho no mundo. Logo, eu preciso me cuidar, preciso agir com cautela e compreender que toda ação possui uma reação e nem sempre ela será positiva.

Quando vi o garoto que diz se chamar Saturno, todo encolhido e tremelicando em minha calçada, eu poderia ter ignorado. Poderia ter seguido minha vida pacata e monótona sem uma preocupação que se estendesse fora do meu trabalho. Mas meu coração ficou tão acelerado com o medo de ele estar perdido ou precisando de alguém, que eu agi impulsivamente depois de doze anos.

Ainda não sei dizer se estou arrependido ou não, mas meu coração segue acelerado.

Quando ajudei Saturno a se levantar, ele quase voltou a cair. Disse ele que o problema é a gravidade, que ele não está acostumado e que qualquer passo parecia cansativo demais para suas pernas aguentarem. Por isso, ele se apoiou em meus ombros e, muito devagar, me seguiu para dentro de casa.

E não foi nada fácil. Um percurso de menos de um minuto, levou praticamente dez. Talvez em uma corrida entre ele, uma lesma e uma tartaruga, ele ficasse em último.

Mas quando entramos em meu humilde cantinho, eu puxei uma cadeira e o pedi para me aguardar enquanto eu pensava um pouco. Ele se sentou, ainda assustado, e segurou com ainda mais força seu cobertor lilás. Não é uma coberta grossa, pelo que posso perceber, mas parece ser uma peça muito importante para ele.

— Posso colocar para secar? — Peço, apontando para a coberta. — Eu tenho uma máquina de secar.

— O que é uma máquina de secar? — Me indaga, arqueando a sobrancelha.

Acho estranho o seu questionamento, como tenho achado tudo desde que o encontrei na calçada, mas opto por mostrá-lo pessoalmente. O que me assusta um pouco é vê-lo cair da cadeira quando me aproximo para pegar seu cobertor. Ele se esquiva tão rápido, que cai.

— Ai, meu bumbum. — Ele resmunga.

E se eu não estivesse tão alarmado com sua reação, certamente estaria dando risada pelo seu jeito de falar.

— Você não pode pegar o meu cobertor. — Ele declara.

— Por quê?

— É uma tradição. — Explica. — Eu não sei como vocês fazem na Terra, mas de onde eu venho, se você ama alguém, você passa a dividir seu cobertor com essa pessoa.

Espera. Ele fica carregando o cobertor para cima e para baixo até encontrar o seu amor? É por isso que a coberta tem a cor de seus olhos? Ou melhor, da lente que cobre seus olhos?

São tantas as perguntas que rondam em minha mente, que horas ao lado dele ainda não seriam o suficiente.

— Se você tocar nele, vai ter que ir embora comigo. — Conclui. — E se casar comigo. E fazer amor comigo. E fazer filhos comigo. E ter uma vida...

— Ok, acho que já entendi. — O corto mesmo sem querer, sentindo-me extremamente constrangido. Por isso, estico a mão em sua direção. — Vem comigo, você mesmo pode colocá-lo para secar.

As Estrelas de Saturno | jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora