-Estou cercada por idiotas.
Me joguei no sofá baixo cor de mamão e apoiei meus pés na mesa de centro.
-Por favor, Elizabeth, tire os pés da mesa.
-Parece que a estupidez é a nova epidemia. - Falei, ignorando totalmente o pedido. - É sério Carlos, não aguento mais.
Ele suspirou, levantou-se de sua poltrona, caminhou até a cristaleira de mogno encostada na parede anterior, alcançou dois copos com as mãos e, após enchê-los com whisky, empurrou meus pés a força para fora da mesa.
-Sim sim, o mundo é um covil de imbecis e vivemos nele. - Ele entregou-me um copo. - Logo, nós somos o que?
-humf. - resmunguei, desprezando o comentário com um gesto de mão. - Não é como se tivéssemos escolha de onde vivemos.
-Já parou para pensar que fomos mandados para cá por uma razão?
Bufei uma gargalhada.
-O que, quer dizer que fomos colocados aqui por uma espécie de deus? Qual é Carlos, não achei que você fosse um religioso....
-Não sou religioso, sou um otimista.
-Chama isso de otimismo?
-Qual seria a outra opção? - disse ele me alcançando um cigarro. - que nascemos do puro acaso de uma colisão aleatória no universo e agora minha caixa de correio por algum motivo transborda contas para pagar?
Bebi um gole do meu whisky e refleti por um momento, enquanto balançava o líquido âmbar entre os dedos. A fumaça do cigarro subia densa e se alojava nas cortinas pesadas que adornavam as janelas do cômodo. Cafona. Tudo sobre aquele lugar era Cafona. Brega. Como se alguém tivesse ido a uma loja de usados e escolhido aleatoriamente os móveis. Por algum motivo combinava perfeitamente com o dono.
-Falando em contas, e Sophie? - Perguntei.
-Trancada no quarto com portas fechadas. - Respondeu ele soltando uma baforada de fumaça para cima. - As crises estão cada vez piores.
-É uma pena que ela não possa sair, está perdendo tanta coisa do mundo.
Foi a vez dele de bufar uma gargalhada.
-Eu podia te descrever com vários adjetivos, mas nunca pensei que "hipócrita" seria um deles. - Zombou ele.
-Cale a boca, vai. - Rebati fazendo uma careta. - Eu aproveito as "coisas" do mundo, ok?
-Claro. Responda-me, quais são as beldades da civilização humana que você observa da janela da sua biblioteca?
-Os pensamentos de um louco. - Respondi sem pestanejar. - As loucuras de um amante. Delírios de um drogado. Rimas de um apaixonado. Aventuras de um rebelde. O que mais eu poderia querer? Não se vê essas coisas na rua.
-Porque na vida real elas não existem, Eliz. Estamos cercados por idiotas.
Larguei o copo na mesa com um baque surdo.
-Foi exatamente isso o que eu falei! - Constatei com triunfo no olhar.
-E - continuou ele, interrompendo meu êxtase. - há muita poesia nos idiotas.
O encarei incrédula enquanto balançava a cabeça.
-Que tipo de inspiração pode me dar um bando de imbecis? - Perguntei.
-Oras, veja bem... Ontem eu estava atravessando a rua e quase fui atropelado por uma senhora em uma bicicleta cor de rosa com um gato laranja imenso no bagageiro. E adivinha? - Ele me olhou com os olhos brilhando. - Ele usava uma gravata! Uma gravata! Uma mini gravatinha preta com bolinhas!
Esperei alguns minutos para ele continuar, porém ele parecia satisfeito como se tivesse descoberto petróleo.
-Você está bêbado? Doente? - Perguntei levando a mão em sua testa em um gesto exagerado.
-Para, para, sai Elizabeth! - ele se levantou para esquivar-se de mim. - provavelmente foi a cena mais idiota que já vi na vida. Agora me diga, querida amiga, em qual livro de literatura você iria achar uma cena como essa? - Abri a boca para responder, mas ele continuou. - Pois eu lhe digo: nenhuma! Tem tanta idiotice no mundo que fica difícil até para autores prever. É impossível descobrir qual vai ser a próxima barbaridade cometida pela humanidade, é isso o que nós torna tão únicos e interessantes. Por isso que a maioria dos sucessos de bilheteria são baseados em fatos reais!
O encarei por vários segundo enquanto tentava decidir se ele estava ficando maluco ou apenas tinha razão. Ou ambos.
-Enfim, você deveria sair por aí - Terminou ele. - ver o mundo, cheirar umas carreiras, acordar na casa de algum estranho. Conviver com idiotas pode ser muito interessante.
Dei um sorrisinho diabólico.
-Acredite, eu sei bem como é isso. - Respondi.
Ele me encarou atordoado por alguns segundos e em seguida me jogou uma almofada. Provavelmente nossas risadas puderam ser ouvidas por todos os idiotas do bairro.
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Contos de uma adolescente problemática
Short StoryAs vezes meia dúzia de bitucas do cigarro numa poça de água suja falam mais do que um livro com 1000 páginas de puro romantismo irreal. Para uma adolescente que acha que já viveu coisas demais para tão pouco tempo de vida, palavras no papel não si...