A Parte Que Parte

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-Me desculpa.

-Pelo o que?

-Por ir embora.

-Mas você não...

Ele deixou a frase morrer no ar. Percebi as emoções passando pelos seus olhos, até finalmente a compreensão tomar conta de sua face.

Eu sabia que ele não entenderia o porque eu tinha de ir, mas eu sabia que ele entendia que não poderia mudar minha decisão, embora essa decisão fizesse um rasgo emocional no seu ser que, talvez, fosse irreversível.

O fato era que não éramos mais.

Nosso amor foi como um sapato lindo que você ganha quando criança, aquele sapato que você não tira mais do pé porque é o seu favorito, mas com o tempo, ele, que era tão confortável, começa a incomodar. Seu pé começa a crescer e o sapato começa a te machucar, até que você é obrigado a se livrar dele, pois não consegue mais sequer andar.

Ele ainda me encarava com um olhar perdido no rosto, eu podia sentir a sua agitação, de não saber para onde correr.

Ele abriu a boca para falar, mas não saiu som algum. Engoliu em seco, evitando olhar em meus olhos.

-Tem algo que eu diga que vá te impedir de ir? - Perguntou com uma expressão de dor.

-Eu tenho certeza que não. - Respondi, brincando com os cordões do meu capuz.

Ouvi-o trancar a respiração, eu sabia que se ficasse mais um segundo ali o veria desmoronar, e conhecendo seu orgulho melhor que o meu próprio, eu sabia que isso não ajudaria.

Então eu fui.

Peguei minhas sacolas com meus pertences, caminhei devagar em direção a porta e fui embora, sem olhar para trás, sem um beijo de despedida, sem um "cuide-se".

E é assim que a maioria das histórias de amor terminam. Com alguém saindo pela porta em silêncio mortal, algumas garrafas quebradas e um ou dois corações partidos.

No outro dia ele iria acordar e perceber que minha escova de dentes não estava mais no banheiro, mas meu sabonete líquido ainda descansava no box. Iria abrir o roupeiro e ver o vazio onde antes minhas roupas ocupavam, mas saberia que alguma meia minha estaria perdida no fundo da máquina de lavar. Abriria a geladeira e veria um burrito pela metade que me pertencia, pois nunca consegui comer um inteiro. Caminharia pela sala e se daria conta que meu perfume ainda estava impregnado nas almofadas do sofá e que a TV ainda estaria programada para gravar meus programas favoritos.

E então, no fundo da sua mente, ecoaria minha voz dizendo "desculpa... Por ir embora".

Uma risada amarga arranharia sua garganta e a pergunta que borbulha no seu peito saltaria antes que se pudesse impedir:

-Você foi embora mesmo?

Contos de uma adolescente problemática Onde histórias criam vida. Descubra agora