Você toca muito bem

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Coloque tua cabeça em meu ombro. Sussurre em meu ouvido, baby, palavras que eu quero escutar. Me diga, me diga que você me ama também. Que você me ama também... Ama-me também? Será que ele me ama também? E se me amasse, que mudaria entre nós? Colocaria ele a cabeça em meu ombro, sussurraria que me ama? A esfera de hidrogênio maltrata minha epiderme, tuas farpas luminosas irritando-me, cutucando-me, sacudindo-me da cama. Afasto as pálpebras, encaro a janela aberta. Uma melodia. Uma canção. Coloque tua cabeça em meu ombro. E se eu colocasse a cabeça em teu ombro? Diria que me ama? Remexo-me pelo grosso cobertor. Enfio o rosto no travesseiro azul, pois não diria que me ama. Ele não diria que me ama.

Movido a passos tortos, escoro-me nas paredes, teteio a porta do banheiro. Esfregando delicadamente a escova dental na boca, rasgo a unha na toalha ao escutar a mesma melodia, o doce timbre esfaqueando a madeira da porta e amavelmente esgarçando meus tímpanos. Tropeço no ar, giro devagar ao caminhar com o que deveria ser um modo galanteador de chegar à a sala de estar. De lábios enxutos, porém secando as mãos na regata branca de algodão, encontro-o puro, claro, embalando-me os olhos, remexendo-me o coração, sacudindo meu cofre de sentimentos. Parece que ele ensinou o sol a brilhar, então pergunto-me se é por isso que amo-o tanto: Jungkook é muito mais que cordas.

De fininho, penetro em tua intimidade, abraço-lhe o corpo levemente atlético por trás, deixo-lhe o oco toque da minha boca em teu pescoço de dar água na boca. E então ele sorri, joga a cabeça para o lado, deixa-me continuar. Teus lábios rosinhas, gostosos, açucarados que me chamam atenção em demasia. São como imã, puxam-me os meus para que fiquem grudados até que o universo se expanda tanto que passemos a ser teus átomos.

— Bom dia — lhe sussuro com a voz rouca e profunda. Uma voz sorridente. Sorridente porque estou com ele.

Jk sorri também. Recolhe os dedos do teclado, pendura-os na minha nuca, puxando-me perto, pois ama quando lhe beijo o pescoço e derrete-se como me derreto com teu sorriso.

— Bom dia — responde-me com um sorriso alegre.

Sento-me ao seu lado, observando possíveis pílulas repousando sobre a madeira. A melodia de outrora era o piano, as notas que agora encaro na partitura no atril. Noto os nós dos teus dedos avermelhados, talvez tenha ficado tempo demais nesta mesma labuta. Seguro-lhe a mão, como quem estivesse lhe prometendo amor eterno, como numa concha, talvez protegendo-a ou guardando-a ou ambas coisas. Beijo-lhe a mão com cuidado, ele ri envergonhado e as traz de volta sob os próprios cuidados. Sorrio envergonhado. Talvez eu seja bobo e romântico demais. Esqueço que ele detesta romance.

Você toca muito bem — comento, dedilhando as teclas sob seu olhar nervoso.

— É... Não era para você ter escutado — lamenta, com um olhar distante. Está sem óculos, teus fios desgrenhados perdem-se ao rosto e eu me pergunto como foi que Deus ousou criar a perfeição.

— Foi muito bom acordar com sua voz — conto com cuidado, para que não assuste-o com tamanha admiração que carrego aqui. Minha boca está cheia de elogios, porém não consigo deixá-los sair. Não quero deixá-lo envergonhado. — Você já tomou café?

— Não, ainda não — abana a cabeça. Teu cabelo volumoso formando ondas no ar, alguns fios espetados, dobrados, meio tortos. Enfio meus dedos neles, acaricio teu couro cabeludo e vejo-o fechar os olhos com o carinho.

— Você se importa se eu preparasse café para nós dois?

Outra vez, abana a cabeça e nesta minha mão acompanha o movimento. Levemente roço a ponta das unhas na raiz dos fios e ele alivia o sobrolho, emite um som similar a um gatinho e sorrio alegrado.

— Volto já — beijo-lhe a bochecha, rápido, sofrido, deixando um pouco de mim para que ele possa se distrair enquanto estou fora.

Ignoro a cafeteira preta e encontro facilmente o pó de café. O pote está vazio, então procuro algum pacote. Café brasileiro, é o que diz a embalagem. Meus músculos vibram quando escuto o piano outra vez, então tua voz vem: ponha a cabeça em meu ombro. Ponha-me em teu coração, então; quero respondê-lo. Seguro o ar, despejo o pó, completo o pote, fico quieto e focado em pôr a água para ferver. Pela cozinha escuto tua voz amanteigada, primaveril e delicada. Mas há dor. Há dor na tua voz, no teu jeito, no teu tocar, numa canção que fala sobre amor. Sobre um puro e doce amor. Sobre pôr a cabeça no ombro e falar: amo-te. Daí vem tua dor? Tua dor vem do amor que tanto nega, tanto foge, tanto apedreja como quem fosse prostituta procurando lar após noite de dor, sofrimento e solidão? Me engasgo com a saliva. Meu deu vontade de chorar.

Café et Cigarettes • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora