Você não está gravando, né?

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A torta de banana era pra mim. Ele a traz toda bonita, bem doce e gostosa, numa vasilha com adesivos de personagens fofos. Me entrega escondido, para que não suba burburinhos de que estamos realmente juntos (o que, cá entre nós, é um fato um tanto triste) e que paparicamos um ao outro. Ele falou exatamente assim. Claro que não paparicamos um ao outro, acrescentou, mas ele sentiu uma vontade de me dar algo e pensou numa torta e foi daí que surgiu sua ideia louca de passar no mercado naquele dia. E eu comi metade da torta no almoço, pois estava simplesmente maravilhosa. Ele assou especialmente para mim. E isso faz-me sentir reluzente.

E mesmo que os dias passem acelerados, sempre nos encaixamos bem quando o restaurante fecha. Às vezes ele está no escritório ou na cozinha, então eu saio do vestiário e abraço-o por trás do jeito que ele gosta. Porque ele sempre sorri. E eu sorrio, sem resistir nem nada. Eu gosto de estar escancarado dessa maneira. Namoral, esconder sentimentos como o amor é cruel demais consigo mesmo. E ter de esconder meus sentimentos era demais para eu carregar sozinho.

Numa frequência mediana, surpreendente também, é ele quem vem até mim e me enche de beijos. Anteontem eu estava prestes a sair, pois avisou-me super de última hora que não poderia ficar comigo porque iria estudar italiano. Eu, como bom aprendiz, respondi um va bene fuleiro que aprendi de qualquer jeito no Google Tradutor e, como queria impressioná- lo, obviamente que iria aderir como qualquer resposta. O acontecimento que despertou-me a surpresa pela raridade com que ocorre foi o simples fato de ele humildemente notar meu cinto aberto e vir fechá-lo para mim. Fiquei nervoso, claro, mesmo sabendo que não havia malícia alguma aquilo. Mas e se sua mão escorregasse sem querer? Tipo só um pouquinho?

Mas isso não aconteceu, e confesso que isso me alivia de alguma forma. De todo modo, o simples fato de ele ter me beijado foi algo fenomenal. Ninguém nunca me disse que é possível se apaixonar tanto por alguém ao ponto de um único suspiro lhe encantar por inteiro. Li algumas poesias: umas exageradamente idealizadoras, outras pobres e de pouca cor. Mas acho que nenhuma nunca resumiu este momento, sabe? Ele me inspira.

Quanto tempo ficamos a nos beijar entre as mesas? Só Deus compreende-o, eu não. Eu estive ocupado, sabe? A culpa não foi minha, de certa forma. Ele que veio, estava com três botões abertos (que antiquado, Jeon, que antiquado) e um olhar oblíquo. Tão oblíquo e indecente! Quase não acreditei, juro, quando ele afivelou meu cinto e depois capturou-me num ósculo duradouro e aconchegante.

E essas memórias estão frescas e doces por aqui, pois o modo com que nos desequilibramos, visando, feito admiradores assíduos de filmes românticos, caminhar enquanto duravam os beijos, será inesquecível. Topamos com alguns móveis, meu joelho até se encontrou com uma cadeira e soltei um gemido agoniado pela lembrança da dor. Eu nem sei onde queríamos chegar, só conseguia sentir que ele passou a grudar nossos quadris e esse é um avanço que eu não estava nem um pouco preparado para ter. Não durou um mísero segundo, porém, quando o telefone dele começou a uivar e estraçalhou o clima. Depois de duas falsas tosses e uma ajeitada pouco sutil na calça jeans, ele atendeu a ligação e se despediu de mim com um gesto.

Fiquei chateado, mas não disse nada. Nunca digo, prefiro o silêncio. Deixei-lhe um beijo na bochecha e um pedido pra que me dê notícias, sinto falta de estar com ele a todo momento. Assim que cheguei em casa, meu queixo caiu ao checar os comentários de uma foto nova no seu Instagram de um certo indivíduo que encheu-o de elogios e tome-lhe elogios e mais elogios. Ah, porque você é muito lindo, fofo, adorável e gentil. Ah, conheci-te há uma semana e não me esqueço do teu sorriso, teu riso veronil. Ah, quanto talento! Hermoso — interlúdio: que raios é isso? —, genuíno, inspirador. Inspirador! Inspirador? Por que seria inspirador para alguém que não fosse eu? Compreendo que não sou o único que lhe enxerga com olhares cheios de encantos e afeto, mas isso me roeu um pouco as articulações, senti vontade de vomitar meu coração — nem que eu me engasgasse com as veias e artérias.

Café et Cigarettes • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora