Você não iria entender

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Das duas, uma: ou estou apaixonado pelas minhas próprias utopias, ou estou com medo de tirar o band- aid e encarar minhas próprias feridas. Acordo cedo, indiferente, vendo mamãe partir, irmão ir, ficar só aqui com papai. Assistimos televisão, mas os programas que ele gosta continuam sendo aquelas lutas entediantes de UFC ou MMA ou qualquer que seja a diferença entre ambos termos. Sentados no sofá, estou alerta em relação ao horário do próximo remédio. Estamos em silêncio, mas também nunca fomos de conversar.

— Quer alguma coisa? — pergunto. Ele fica em silêncio de início, mas resmunga uma negação após alguns segundos.

Então estamos a assistir homens brigarem, sangue jorrando, é nariz entortando, é o chão sendo pintado escarlate, é o cronômetro de tensão, rostos ardendo, murros e chutes... Eu não gosto, mas infelizmente só posso fazer isso.

Encontro livros antigos, decido ler. O alarme toca, então corro como um copo d'água e dois comprimidos em mãos. Vejo papai beber, então me diz que a posição está desconfortável. Reclama que o gesso da perna irrita demais, então respondo que não posso movê-lo muito. Pede para que mude o canal, então passamos a assitir futebol europeu. Pede que eu recarregue seu chip, então ponho uma sandália nos pés e vou até à farmácia.

Me peso antes de entrar, ganhei uns quilos. Tenho medo de não conseguir parar, não controlar. Concluo que não irei comer tanto a partir de agora. Recarrego o chip dele, passo o olho numas folhas para chá e compro algumas para mais tarde. No meio do caminho de volta, compro um pouco de comida para nós e, assim que pago, reclamo comigo mesmo por ter esquecido minha intenção fundamentada minutos atrás. Nada de comida em excesso. Mas o odeng estava simplesmente apetitoso. Bem, só dessa vez posso abrir uma excessão.

— Você vai passar seu aniversário aqui? — me pergunta do nada, quando estamos jogados comendo os espetinhos.

— M-meu aniversário já passou — respondo, pouco surpreso com isso.

— Ah, é mesmo... — ele mastiga ao falar. — Vai ficar quanto tempo aqui?

— Uns três dias, eu acho. Mas se precisar de mais, talvez eu possa conversar com meu chefe — minha voz está um pouco trêmula, pois estou com certos receios de conversar a sós com meu pai. Porque toda vez que olho para a porta de entrada, eu só me lembro de como saí. De como ele gritou.

— Sim, sim... — ergo a mão com o espetinho para que ele coma, já que está praticamente todo imobilizado. Quando papai termina de mastigar, começa a conversinha boba que me irrita. — Você só trabalha?

— Sim.

— Não estuda, nem nada?

— Não. Talvez um dia.

— Muito molengo, Jimin — refere-se a mim, como sempre. Suspiro alto e deixo o resto do espetinho sobre o prato na mesinha de centro que vovó deu- nos antes de partir. — Desistiu na primeira tentativa.

— É, eu sei disso. Não quero conversar sobre isso — cruzo os braços. — Cansei.

— Não estou reclamando.

— Eu sei que quando você reclama, é cem vezes pior.

— Só estou fazendo perguntas.

— Tudo bem, então.

— Você mora sozinho?

— Sim.

— Sozinho mesmo?

— É.

Será que ele está com pena?

— Não pretende se casar?

Café et Cigarettes • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora