Você tem me seguido ultimamente?

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É noite e eu ainda estou afivelando o cinto da minha calça apressadamente. Troquei de roupa rápido, uma vez que o restaurante fecha cedo nos finais de semana e somente o delivery funciona. Bem, essa não é minha área, então não hesito em ir embora logo quando chega o horário.

A noite está gelada, apesar da estação não condizer com essa característica. O bom é que eu trouxe minha jaqueta preta e me protejo muito bem. Uma das piores partes de trabalhar é que o horário de saída é o mesmo dos demais empregos, então as ruas viram um inferno e eu nem sei como lidar. E isso mesmo sendo sábado à noite.

Sinto meu estômago embrulhar, pedir por comida, se chacoalhar para ver se assim chama minha atenção de algum jeito. Pronto, sei que cheguei ao meu limite. Preciso chegar em casa rápido antes de passar mal no meio da rua e ter de contar com a ajuda de desconhecidos. Eu poderia evitar tudo isso caso eu comesse, mas eu não gosto muito.

Faz um tempo que não entendo direito como as pessoas conseguem comer sem parar, repletas dessa ânsia doentia de preencher o vazio interior. Se estão tristes, comem para consolar a si mesmas. Se estão felizes, comem parar aproveitar e se sentirem melhor ao prazer que a comida proporciona.

Mas eu não sinto nada disso e só como quando sei que meu corpo não vai aguentar ficar nem mais algumas horinhas sem algo. Sei disso porque minha cabeça está doendo muito, eu estou tonto, afobado e lento. Às vezes me pergunto se não tenho a capacidade de perceber quando estou com fome ou se ignoro-a automaticamente. Minha prioridade de vida nunca foi comer.

Queria buscar algum tipo de prazer em alimentos. Conquanto, não tenho dinheiro suficiente para bancar todas as coisas que possam me proporcionar isso — comidas gostosas que justifiquem o porquê da minha existência. É pra isso que estou trabalhando, então? Não. Preciso pagar meu apartamento, as contas. Não é algo tão simples assim quando não se tem o ensino superior. Essa sociedade é um lixo, afinal.

— Moço, seu cadarço está desamarrado — a mulher ao meu lado na sinaleira me avisa, então abaixo o olhar e me vem a comprovação.

— Obrigado — em dias normais eu não ligaria para isso, mas eu não estou bem e meu medo é tropeçar nos próprios cadarços enquanto atravesso a rua.

Ao fazer minha orelha de coelhinho, vejo um sapato novo aparecer ao meu lado. Claro que não vou reconhecer o tênis, nem a calça, tampouco a jaqueta, com certeza não reconheceria os fones, mas... Sim, eu reconheço esse cabelo e o óculos redondo.

Respiro fundo e olho para frente, rezando para que ele não olhe para mim e continue ocupado com sua música. Ele deve ser muito preocupado com a própria saúde — não é aquele tipo de gente que transforma os fones num dispositivo inútil, pois escuta tão alto que todos acabam escutando também e, cá entre nós, na maioria das vezes as músicas são péssimas.

E ele não está me notando. Amém, glória. Mas é melhor eu fingir distração para caso ele perceber a minha presença e, mais ainda, perceber que percebi a sua presença e ignorei. Para todos os casos temos a egípcia, mas prefiro pegar o meu celular e checar as notificações enquanto isso. Essa droga de sinal que não passa!

Ok, tenho uma três mensagens do Jin, dois memes da minha irmã, quatro comebacks para assistir e mais uma parcela de coisas desnecessárias do twitter. Que incrível, minha vida é épica e emocionante. Eu poderia até discorrer sobre isso, mas estou tão cansado para pensar sobre essas coisas que meu único pensamento está no lámen que vou comer quando chegar em casa.

Ai, merda. Um cara acabou de passar atrás de mim e
me empurrou. Ele está correndo e acaba por me dar
uma cotovelada e uma empurrada para frente. Eu
poderia reclamar com ele ou ter alguma reação, mas
a minha costela dói por conta da força e eu sou
arremessado para frente. Escuto algumas pessoas
gritarem "ladrão" antes de eu cair de cara na pista e
meu celular ser atropelado bem na minha frente. Eu
até tento ir até ele, mas tem mil faróis me deixando
cego e parece que tem alguém me puxando para trás.

— Você está louco ou o quê? — é Jk quem está gritando comigo, segurando-me pela cintura ao praticamente me empurrar de volta para a calçada.
Engulo em seco ao perceber que estou morrendo de sede. Meus músculos doem, não só pela queda, e eu estou jogado no chão como quem não consegue se levantar. Minha costela dói onde aquele desgraçado me bateu só para que eu saísse do caminho dele e eu estou em completo pânico por conta do meu celular. Deus, eu nem terminei de pagá-lo, ainda está nas primeiras prestações.

— Está vendo só, Jimin? — grita Jk, em pé ao meu lado. Agora a sinaleira fechou, todos atravessam, menos nós dois. — Se tivesse comido hoje, não teria caído tão facilmente com um empurrãozinho daquele. Você fica frágil demais, não percebe? Ia morrer ali atropelado, se não fosse por mim. Porque eu duvido que algum daqueles espectadores fosse botar um maldito pé para fora da calçada e te tirar dali!

Minha cabeça está explodindo mais com seus gritos. Meu celular se foi e Jk está mais preocupado comigo do que eu mesmo.

— Para de gritar, para de gritar... — aperto os olhos de dor. — E o que quer, afinal? Você tem me seguido
ultimamente, é isso?

— Ah, ora essa! — ele ri e caminha para a faixa de pedestres. Que ótimo saber que ele perde a paciência facilmente e está vazando logo. Não criei expectativas também, então pouco faz diferença.

Jk se abaixa e pega os restos mortais do meu aparelho do chão, para a minha surpresa. Está enfurecido e eu sei disso porque ele arranca a máscara do rosto no meio do caminho e a enfia na mochila de ombro preta dele. Para na minha frente e me força a levantar. Eu não hesito.

— Tem como você não ser tão teimoso? — ele fala ao me puxar pelo braço na direção do restaurante. Seu jeito fofo de falar está tirando-me a concentração da minha raiva momentânea. — Ninguém teria caído com aquilo, Jimin. Mas logo você caiu. E nem vem falar porcarias. Você deveria se preocupar consigo mesmo. Ah, que porra...

Nossa, ele está tão bravo que isso chega a me irritar. Eu não quero que ele fique preocupado ou com raiva de mim por conta disso. A vida é minha, afinal de contas. Se eu não estou bem, ele deveria ter me deixado ali e via o que iria dar. Por que é tão difícil para ele ignorar as desgraças dos outros? Tão bonzinho, preocupado e sarcástico que chega me irrita. Implicante.

— Entra aí logo — irritado, me empurra para dentro do restaurante e bate a porta atrás.

Um dos funcionários vem até a gente perguntar o que aconteceu, mas Jk o dispensa ao mandá-lo para casa, alegando que fecharia o delivery somente naquela noite e que não devia se preocupar. Ele vai embora e um outro também, então me vejo com Jk nesse lugar escuro e vazio. Ele liga uma das luzes e me obriga a sentar à uma das mesas.

— Por que me trouxe aqui? Eu preferiria ir para casa — retruco com a cara azeda.

Bem na minha frente Jk retira a sua jaqueta e prende a franja longa para trás. Num gesto me pede para ficar calado e some na cozinha. Eu não quero saber o que ele está aprontando, mas o meu estômago está curioso com isso. Sinto cheiro de molho... Um molho muito bom. Eu não ligo muito para cheiros, pois agora trabalho num restaurante e tenho de lidar com isso o tempo todo. Eu resisto muito bem, deve ser porque não como.

— Você tem alguma alergia ou aversão a algum ingrediente em especial? — ele grita da cozinha e eu me abraço por conta do frio da noite.

Quero responder todos, pois nenhum me enche os olhos. Mas Jk está sendo muito legal comigo e eu não quero fazer desfeita nem tratá-lo com desdém.

— Não — é o que respondo.

Jk tinha deixado meu celular sobre a mesa e não consigo deixar de dar uma checada na tela destroçada e no dispositivo deformado. Nem há conserto para essa droga, então largo ele em qualquer lugar. Mas que droga. Quero fumar, mas sei que Jk não vai me deixar. Tenho medo que ele me bata até eu desistir.

Pronto. Agora me sinto um fardo para ele.

Café et Cigarettes • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora