Você está aí?

59 9 2
                                    

Escuto batidas violentas na minha porta, me acordando. Abro os olhos, já é noite. De novo, essas mesmas batidas se repetindo e repetindo. Deslizo pelo colchão, desço da cama. Estou caminhando pelo corredor escuro, tateando algum interruptor. Parece que nem conheço minha própria casa.

— Jimin! Jimin! Você está aí? — é Seokjin quem grita do lado de fora.

Ligo a luz da sala, aperto os olhos por conta da luminosidade. Então eu abro a porta e encontro meu melhor amigo com seu guarda-chuva preto encostado na parede de entrada. Seu olhar tomba ao meu, ficamos em silêncio por alguns segundos. Não dizemos nada. Seus lábios rosados, fechados. Seus olhos nos meus. Sua franjinha dividida, penteada. Tua roupa de trabalho, sério, engomada. Ele me olha e eu olho. E dez segundos depois, nós dois sabemos.

Seokjin repentinamente abraça-me forte, eu desato a chorar. Parece que não chorei o suficiente. Nunca o suficiente, né, Jimin? Nunca o suficiente.

— Está doendo, Jin... — entre lágrimas e soluços, estou a contar. — Tá doendo muito...

— Eu sei, eu sei... Calma — sua mão espalmada nas minhas costas, fazendo carinho. Eu tremo. Ele me aperta. Bem forte, ele me me aperta, como se quisesse me fundir com seu coração para me proteger. — Calma, Ji... Eu tô aqui, tá?

Com o pé, ele fecha a porta. Entramos em silêncio, então ele me puxa pelo braço até meu quarto.

— Durma um pouco, vem — me leva até a cama. Por que todos pensam que dormir resolve tudo? Se até meus sonhos estão assombrados...

— Jin, eu acho que... — engulo saliva enquanto Seokjin volta para desligar a luz da sala. — Eu acho que só você gosta de mim.

— Não diz isso, Jimin. Você é incrível, é claro que...

— Não, não faz isso. Não tenta falar essas coisas, não vai me fazer sentir melhor — digo. Jin me faz deitar na cama, no escuro do quarto. Então ele tira o blazer, pelo que enxergo da luz néon que vem do motel do outro lado da rua.

Jin deita-se ao meu lado, me abraça pelas costas. Com teu carinho terno, não seguro mais as lágrimas. Não sei pelo que estou chorando, mas sinto que tudo está turvo. Não minha visão, mas eu. Meu ser, minha alma, minha existência que pouco faz sentido. Toda vez que choro, sangro. E o sangue escorre pelos lugares. O mundo é cruel, ninguém liga. Mas Jin liga, isso já é o suficiente.

Um dia olhei para o céu e pedi para ser amado. Não aqueles amores de novelas vagabundas, mas apenas um amor de fim de tarde. Alguém. Qualquer pessoa. Só que amor não pode ser pedido, implorado, eu aprendi. Aprendi do pior jeito, ainda dói. Me sinto só, vazio. Dei todos os pedaços de mim a algo que apenas fez sugar, nada do retorno. É porque eu não sou bom capitalista. Não sei dar para receber. Não penso antes de oferecer. Eu dou de graça. E acabo sem. Sem ninguém. Sem eu.

— Eu te amo, Jimin — e então sinto seus dedos afundarem no meu cabelo que há uma semana não lavo. — Eu te amo muito.

E assim que Jin dorme e eu acordo do meu quarto sono, lá pelas três da manhã, levanto-me devagar e caço o caderno que ele me deu. Passo as páginas que desenhamos e escrevemos juntos, não quero ver. Abro no meio, numa folha qualquer deste papel pardo. E nesta folha vazia, escrevo:

"se ia deixar-me à moda francesa
antes tivesse deixado apenas uma sobremesa
para que assim ficasse teu gostinho amargo
no céu da minha boca
deixando-me tonto,
morto, bobo,
como você fez antes.

mas o prato principal
oh, ele foi cruel
carne de autoestima
mergulhado em ego
recheada por desleixo
assada em mentiras
acompanhada por
creme de individualismo
arroz com manipulação
e
tem também o coração
oh, é mesmo,
sua especialidade:
coração frio,
tão frio, congelado
para que assim consiga
entorpecer meu paladar.
e você conseguiu.
agora não sinto nada"

Estico minhas pernas, estico meus braços, estico minha dor. Jin dorme como criança, daí entro na cozinha para fazer um café. Três e meia da madrugada, cá estou eu sentado no escuro, com um cigarro entre os dedos de uma das mãos e uma xícara de café na outra. Bebo e fumo, fumo e bebo. Sempre foi assim. Cigarro para a dor, café para não morrer dela. E se nada disso me matou, espero que ambas coisas possam. Porque se eu e Jk não demos certo, há duas coisas que dão certo na minha vida: café e cigarros.

É que minha vida está uma porra. E eu falei isso desde o início...

Café et Cigarettes • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora