Foi no início do terceiro ano da faculdade. Consegui puxar Yashamaru e as malas para fora de casa antes que algum vizinho tacasse um sapato na Nori pela sinfonia buzinada tão cedo. Ela fez o favor de deixar a mala e uma porta aberta, então foi fácil tacar tudo em seu devido lugar, entrar e travar as portas para que meu irmão não pulasse do carro em movimento.
Ela deu a partida, sabiamente, antes mesmo do bom dia. Na verdade, dispensamos o bom dia, estava claro que começou mal. Havia uma mistura de sono e preguiça no jeito como ela perguntou o que houve. Ela se referia ao inchaço no olho do meu irmão.
— Meu pai achou as revistas do Yashamaru. Outra vez. — Comecei a analisar o machucado, ele tentou em vão se esquivar. — Embaixo do colchão? Pelo amor de Deus, na proxima, me dá que eu escondo num lugar melhor. Ou então faça a sua cama, para ninguém ter que fuçar suas coisas.
Se pelo menos fossem mulheres nuas nas revistas, meu pai teria passado no máximo um sermão. Nori suspirou. Era o tipo de situação complicada que a deixava sem palavras. Ou talvez ela tivesse as palavras, mas não se sentisse à vontade em dizê-las. De qualquer forma, Nori já conhecia aquela novela, não era necessário que comentasse uma cena tão repetida. Ela apontou para umas bolsas no chão. Eu sorri.
É por isso que a amo. Funcionamos assim. Nori não exalta o problema, ela o chuta para fora do estádio e comemora com você.
Abri a primeira, minha velha conhecida. Comecei a desabotoar meu ridículo figurino de filha do pastor. Yashamaru tapou o rosto inteiro com as mãos e nunca era preciso pedir que o fizesse. Eu não falhei totalmente na educação dele. Vi Nori sorrir pelo retrovisor e sorri de volta. Graças a ela, me tornei profissional em me trocar no carro, teria me dado bem com os edredons nesses reality shows que a Temari adora. Havia maquiagem no fundo da bolsa e me inclinei para abraçar Nori, mas meu irmão me puxou, dizendo que não queria ir para o Inferno tão jovem. Nori não gostou que duvidassem de suas habilidades no volante, ela não se distrairia por tão pouco.
— Tem para você também — Nori apontou a segunda bolsa, aos pés de Yashamaru.
Ele pegou, agradeceu sem nem olhar o conteúdo, e a manteve no colo como um bebê precioso. Yashamaru nunca foi desinibido. Encostou a cabeça na janela e nós o perdemos para seu mundinho particular.
— Ei, tem como ir mais devagar? — pedi quando não consegui acertar o delineador, equilibrando um espelhinho entre os joelhos. Nori deu uma chiada, mas fez o possível. — E aí, como foi o fim das férias?
— Você quer dizer alguma coisa. Diga logo.
Ela me conhecia o suficiente. Terminei de passar o batom e sacudi os dedos para que ela os pudesse ver pelo retrovisor.
— Não!
Ela exclamou como se não acreditasse que a mocinha estúpida estava indo justamente na direção do assassino. E era mais ou menos isso o que todos ali sentiam. Inclusive eu. No fundo a gente sempre sabe.
— Poxa, gente! Estou oficialmente noiva e meu irmão e minha melhor amiga são incapazes de ficarem felizes por mim.
Nori e Yashamaru estavam cientes do meu projeto de vida e o desaprovavam com rigor.
Assim que saí da cova, determinei que seria outra pessoa. Nunca mais seria a vítima. Quando me olhei no espelho, de fato parecia outra. Foi a primeira vez que o diabo me disse seu preço.
Se o mal foi retirado de você, tem que passá-lo adiante.
As primeiras pessoas que amei na vida, aquelas que deveriam me proteger e inspirar confiança, me mostraram que o mundo é um lugar terrível e os seres humanos são traiçoeiros. Então tudo era uma questão de manter a balança equilibrada. Pegar da vida o que puder, me defender e aos poucos que valerem a pena, custe o custar. Eu pensava que ainda assim seria alguém melhor do que esses filhos da puta.
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como sobreviver ao fim de ano [GAALEE]
Fiksi PenggemarGaara achou que seus problemas pessoais fossem amenizar no fim de ano. Passar a virada num casarão com os amigos, dar uma notícia importante ao homem que amava. Pelo menos teria uma perspectiva para o futuro, Lee não o deixaria na mão. O que poderia...