O silêncio nos abraça pelo momento que antecede o pedido da minha saída.
Com os olhos arregalados, envoltos por água, encaro Isabella. Eu sei disso, Isabella sabe disso. Não esperava que ela falasse em voz alta.
— Até quando você vai fugir de você? — Pergunta Isabella enquanto me acompanha com os olhos a caminho da porta.
— O quanto eu puder! — digo, cabisbaixa com a maçaneta da porta em mãos, fechando-a atrás de mim.
Saio pela rua atordoada, os olhos marejados. Os sons da rua parecem zumbidos em meus ouvidos, minha visão está turva, minha respiração alta. Está começando a ficar difícil respirar. Avisto um banco próximo, rente à calçada, e sento-me, deixando cada mão de um lado do banco, segurando-o por baixo, parecendo uma concha. O corpo voltado para frente. Minha caixa torácica sobe e desce de uma forma tão pesada que está sufocando, como se o ar não chegasse nos pulmões e não conseguisse passar da traqueia. Pingos de água caem sobre minha legging.
Isabella tem razão sobre o que fala. A frase se repete como sussurros em minha mente, parecendo que nunca vão parar. Como alguém poderia gostar de mim, se nem eu mesma gosto?
Sopro as palavras, que se vão com o vento: idealizei o tempo inteiro que, se alguém gostar de mim, eu aprenderia a gostar também, ou que, quando isso acontecesse, finalmente iria acreditar que posso ser amada. Essa é uma conversa comigo mesma que não tem fim, eu não chego a uma conclusão. Mas sei que tenho o desejo de ser amada, por outra pessoa, não por mim.
🪞
As árvores balançam com a força da ventania, enquanto o céu está nublado, coberto por nuvens cinzas. Não parece que vai chover; o tempo está com cara de bunda. Coloco a mochila sobre o ombro direito e saio em direção ao terminal. Caminho cabisbaixa para não dar de encontro com Gabriel (o que, na verdade, eu quero muito que aconteça; não preciso trombar com ele, apenas saber que ele ainda está por aqui). Quando a ideia de que ele possa ter ido embora começa a tomar forma, o chiclete dos meus pensamentos gruda novamente.
— Oi, moça.
Um alívio que eu não gostaria de admitir sentir se manifesta por mim.
"Oi Gabriel" é o que eu estou tentando responder, mas só consigo prestar atenção em seus olhos realçados pela iluminação que um fio perdido de sol escorre pelos seus traços magros que esse dia nublado lhe trouxe. Não consigo expressar nem uma palavra, nem um sentimento.
Eu não deveria estar aqui, mas, no fundo desejo estar. Já sei que ele não foi a lugar nenhum, então porque não consigo me virar e ir embora? Algo de enigmático me prende, como nas cenas de filme. Posso sentir meus cabelos esvoaçarem com o vento, os lábios se avantajando por terem tanta coisa a dizer, sem a coragem necessária, hipnotizada em desvendar o que o me gruda aqui. Isso foi a coisa mais poética em que pensei, mas a real, é que não é nada enigmático, ou mágico, a verdade é que mesmo magoada, eu ainda gosto dele e, por mais que eu saiba que tudo o que aconteceu não vai mudar, meu coração não consegue desprender-se, recusa a deixá-lo ir.
— Oi, moça. — escuto a pergunta se repetir.
Meus lábios pressionam-se enquanto nossos olhares se encontram. No estreito movimento da minha traqueia, sinto meus sentimentos serem engolidos.
— Não passa mais por aqui? — Gabriel desvia o olhar para seus pés.
O que eu devo responder? Não, eu não passo mais por aqui, estava te EVITANDO. Por muitas vezes o silêncio já dá o recado.
— Eu preciso ir, estou atrasada. — me forço a responder. Coloco a mexa do cabelo que voa com o vento atrás da orelha. — desculpa.
De costas, escuto Gabriel pedir para que eu espere; sua voz parece guardar algum receio ou medo, como se ele não soubesse como falar. Permaneço parada no mesmo lugar. Droga de sentimentos. Escuto seus passos se aproximando até ficar próximo de mim.
— Eu quero te entregar uma coisa. Inserindo a mão no bolso, bem no fundo ele pega algo que eu não consigo definir de primeira. É um objeto pequeno. Com o punho fechado retira-o do bolso.
— Abre a mão. — Pede Gabriel
Intercalando meu olhar entre seu rosto e meus sapatos, abro a mão, e ele deposita um pequeno objeto bem no centro da minha palma. Instintivamente, fecho os dedos. As partes pontiagudas beliscam minha pele e, quando a abro novamente, finalmente vejo com clareza: um chaveiro da Úrsula.
— Obrigada!
Eu não sei como reagir; deixo escapar um pequeno sorriso, mas logo estou encarando o chão novamente. O chaveiro é a coisa mais linda e fofa em que já ganhei. É uma mini Úrsula que eu seguro entre os dedos. E o que eu faço agora? Lhe dou um abraço depois de tudo? Um aperto de mão? Ou apenas esse pequeno sorriso. Estamos parados igual estátuas um na frente do outro.
— Gostou? — escuto Gabriel perguntando um pouco tímido.
Seu semblante analisa o meu para saber se a minha resposta será verdadeira.
— Sim, é muito bonito, Gabriel. Obrigada de verdade! — digo, tentando conter o sorriso para não revelar o quanto meu peito está feliz enquanto admiro o presente.
Ele sorri, claramente satisfeito com a minha resposta. Eu não precisava mentir, eu realmente AMEI o presente.
— Eu comprei no dia — há uma pequena pausa — no dia em que nos desentendemos.
— Não precisava, Gabriel.
— Eu estava de cabeça quente, precisava resolver alguns problemas para minha mãe e, quando vi esse chaveiro, lembrei de você e comprei.
— Então, você está guardando o chaveiro desde que nos "desentendemos"?
Eu não esperava por isso. As palavras vazias nas quais ele me falou na última vez que nos vimos, não parecem mais tão vazias agora. Provavelmente ele se importa mesmo. Talvez ele não quisesse me machucar, só não sabia como.
— Sim, eu sabia que uma hora você teria que passar por aqui... — Gabriel parece sem graça.
— Obrigada de verdade! Eu gostei bastante.
Ambos, sem saber como reagir, desviamos os olhares para vários lugares, onde, no caminho, eles se encontram, até pararem em lugar nenhum.
— Obrigada — digo novamente — agora eu preciso ir.
Acredito que Gabriel não sabe se tem intimidade suficiente comigo para me dar um abraço ou se eu gostaria de receber um dos SEUS abraços; sendo assim, sinto sua mão encostando em meu ombro, num aperto tímido.
— De nada, Ka! — Suas mãos alisam meu braço — Espero ter acertado no presente. Seus traços demonstram carinho, e em seus olhos um pedido de desculpas. Posso dizer que se ele idealizou essa cena, esperava pelo menos um singelo abraço.
Eu não sou uma pessoa de muito contato, estranho o gesto. Quando sinto sua mão em meu ombro, finjo normalidade, ou tento manter o incômodo se rebelando por baixo da minha carne sem ao menos olhar para onde sua mão está encostando. Seu braço volta para a lateral do corpo, sendo possível sentir o constrangimento de ambos.
— Depois nos falamos, beleza?
Queria conseguir abraçá-lo, dar o abraço mais forte que já dei em alguém, mas os parafusos se soltam como se estivesse dando pane, e a máquina fosse meu corpo. Eu sinto vontade do carinho, do momento em que na minha cabeça é muito mais bonito e cheio de cor porque, em meus sonhos, eu não tenho medo.
— Claro, Ka, tudo bem.
Sua expressão transparece um pouco de frustração; talvez ele esperasse que nós conversássemos mais, que eu ficasse ali por mais tempo ou falasse mais alguma coisa diferente, mas o que eu poderia falar?
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Um Clichê por entre as Curvas do espelho
RomanceKarina é uma jovem que luta contra as batalhas diárias com seu reflexo no espelho. Entre inseguranças sobre o próprio corpo, a dor do empanzinamento emocional e o medo de nunca encontrar um amor, ela se vê dividida entre o desejo de aceitação e a bu...