10. Comidas

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Novamente, o que você vai fazer na sua história fica ao seu critério. Mas eu acho interessante dar uma base da dieta japonesa medieval para a gente conseguir desenvolver melhor e pensar em plot points interessantes, para coerência histórica ou não: no meu livro Senkai Monogatari, por exemplo, que não se passa no Japão, os personagens comem coisas como tapioca, abacaxi, codorna...

Mas vamos lá:

Arroz era a base da dieta. Ponto. Arroz era tão importante que, como vimos, o pagamento de samurais era feito em arroz.

Quanto à proteína, com a introdução do Budismo ao Japão, no ano 675, o imperador Tenmu proibiu o consumo de carne de animais domesticados no Japão por meio ano. Logo isso se estendeu ao ano inteiro. Isso só começou a mudar no século XIX (!). Eles também não bebiam leite. Citando aqui o português Luís Fróis, que morou no Japão no século XVI:

"A base da nossa dieta é pão feito de farinha; os japoneses geralmente comem arroz cozinhado sem sal. [...] Podemos comer sem sopa, os japoneses não conseguem comer sem tomar sopa. [...] Europeus gostam de galinha, perdiz, salgados e manjar; os Japoneses gostam de cães ferais, garças, macacos, gatos (na verdade guaxinins) e algas marinhas. [...] Nós evitamos comer carne de cachorro e comemos carne de vaca; eles evitam carne de vaca e estão acostumados a comer carne de cachorro como remédio. [...] Europeus gostam de criar galinhas, patos e pombos; os Japoneses não gostam de nada disso, exceto criar galos para divertir as crianças." (The First European Description of Japan, 1585: A Critical English-Language Edition of Striking Contrasts in the Customs of Europe and Japan by Luis Frois, S.J)

Comer carne de mamíferos era proibida e malvista no xintoísmo e no budismo. No xintoísmo, execução e açougue – lidar com sangue – era sinal de impureza; no budismo, esse porco poderia ser seu pai em uma encarnação passada (Chihiro que o diga). Na prática, animais de fazenda eram mais importantes no arado dos campos difíceis do Japão que como comida.

Evite fazer seus bonecos comerem carne vermelha em uma história passada no Japão feudal a não ser que eles sejam muito foda, estejam fazendo uma demonstração de não ligar para as regras, estejam morrendo de fome e/ou todas acima. Após comer essas carnes, exigia-se um período de jejum e purificação.

Tokichiro puxando o saco de Saitou Dosan em Nioh 2, falando de comer carne dentro de um templo como algo muito foda.

Carne de peixe pode (inclusive de baleias, porque eram consideradas peixes). Não necessariamente eram crus: não havia modo de manter o peixe cru bom para o consumo enquanto era transportado dos portos até o interior, então comia-se preservado, curado no vinagre ou seco.

Carne de aves também (inclusive, falcoaria era um passatempo nobre).

Mas geralmente comia-se muito arroz – que não era branco, era integral –, vegetais, vegetais em conserva, sopas, tofu e frutas. No Sengoku você vê a introdução de algumas receitas portuguesas, como bolo de castela, tempurá, konpeito e pão, e técnicas de fritura e de assar. Inclusive dizem que o Tokugawa Ieyasu morreu porque encheu o cu de tempurá, o que bloqueou algum duto biliar dele e piorou um câncer do sistema digestivo que ele tinha havia tempo...

Novamente, não precisa seguir isso a ferro e a fogo! Mas essas restrições dietárias podem levar a situações interessantes na sua história: e se uma monja budista estiver perdida na floresta e se vê obrigada a comer carne para sobreviver? E se um daimyô malvado resgata um inimigo, mas só oferece carne vermelha para ele? E se o jovem que apanhou a vida toda e só comeu arroz por anos tem a oportunidade de provar um bolo de castela, dado a ele por seu amigo padre? E se um castelo está sob cerco e a última coisa que sobra para comer são animais domésticos?

Fica aí para a sua imaginação correr solta!

Próximo capítulo: Religião (xintoísmo, budismo e catolicismo)

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