Capítulo 2

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Flashback:

A pequena Valentina Albuquerque-ou só Val, como ela preferia ser chamada- acordou com seu entusiasmo que toda criança de três anos possui. Desceu as escadas com seu pijama rosa com bolinhas amarelas, segurando em sua mão direita sua preciosa ovelhinha de pelúcia -presente de sua melhor amiga- encontrado seus pais e sua irmã,Marina, na mesa do café da manhã já vestidos para irem à missa de domingo.

Catarina, ao ver a filha ainda de pijamas, se surpreendeu. Val era a primeira a se aprontar para ir à missa e passava longos minutos arrumando seus cabelos compridos. A reação de seu pai, não foi diferente.
— Minha filha, por que ainda está usando pijamas?— Perguntou seu pai, Marcos.
— Não vai ter missa hoje, papai. — Respondeu a pequena,se sentando na mesa do café.
— Como não vai ter missa hoje? De onde você tirou isso, Val? — Foi a vez da sua irmã entrar na conversa.
— O padre João não vai à missa hoje. — Falou a pequena dando de ombros e pegando umas torradas no centro da mesa.
— E como você sabe disso, mocinha? Virou vidente por acaso? — Marina,-com seus dezessete anos se preocupava muito com a mais nova.
— Eu só vi, só isso. — A caçula voltou a dar de ombros e continuou comendo seu café como se nada tivesse acontecido.
Marina também deu de ombros e voltou a comer, e seus pais se entreolharam, mas nada disseram.
...
E realmente naquela manhã de domingo não houve missa. O padre João pegou um forte resfriado e não pôde comparecer. O choque de seus pais foi evidente, mas Marina apenas disse ser coincidência de uma mente fértil de uma criança da idade de Val. Isso pareceu deixar seus pais um pouco calmos, pelo menos por enquanto.
...
Desde aquela manhã de domingo, Val nunca mais falou algo parecido, como se realmente fosse acontecer em um futuro próximo. Ela não sabia explicar como tinha visto, só sabia que um flash de imagens atingiu sua mente e ela soube que o padre João não iria à missa naquele dia. Seus pais não conversaram com ela, optaram por deixar isso pra lá, acreditando realmente que fosse só uma coincidência. Val não teve mais nada parecido com aquilo, até aquela tarde de quinta-feira.
...
Ela estava completando seus catorze anos e se encontrava com suas duas melhores amigas, Juliana, uma morena, latina de cabelos tão negros quantos seus olhos, e Camila, uma loira mais alta e com olhos tão azuis quanto o céu.
Estavam indo ao shopping, a mãe de Juliana, Maria, estava no volante, e a pequena cidade estava repleta de neve, dificultando um pouco a visão da estrada.
As meninas conversavam normalmente, e a loira de olhos azuis contava sobre um garoto de sua sala de aula, que lhe dava chocolates diariamente, enquanto Juliana só ouvia e fechava a cara quando Camila falava alguma coisa sobre esse menino, e jurava em pensamento que iria saber o nome dele para amedronta-lo com seu estilo Texano, embora não morasse naquele estado a tempos.
Val estava alheia à tudo, prestando atenção na estrada pela janela do seu lado esquerdo do carro, quando uma dor de cabeça à antingiu em cheio e flashes de um cervo correndo pela estrada, e o carro de Maria o acertando, vieram em sua mente, e ela logo gritou para que a mãe de sua melhor amiga parasse o carro.
Maria não pensou, apenas pisou no freio por instinto pensando que Val havia visto algo na estrada coberta por neve.
— MIERDA, ALBUQUERQUE , QUIERE MATARNOS A TODOS? — Gritou a Juliana em espanhol, enfurecida pela maneira como Val havia gritado e pela freiada brusca no carro, quase a acertando em cheio no banco da frente, coisa que não aconteceria se ela não fosse teimosa, e colocasse o cinto.
Camila estava com medo pela maneira que o carro parou e pela cara de espanto de Valentina, e apertava seu unicórnio de pelúcia contra o peito, com seu jeito inocente e doce.
—Jul, não grita, por favor. — Pediu a loira de olhos azuis olhando para Juliana , que logo respirou fundo e manteve a calma.
Valentina olhava para a estrada apreensiva, e quando Maria ia ligar o carro, Valentina a impediu.
— Não ligue o carro, tia Ma, um cervo vai aparecer aqui a qualquer momento, e a senhora não pode feri-lo com o carro. — Disse Valentina olhando petrificada pela janela.
Juliana que já estava impaciente, não conseguiu segurar os ânimos.
— Escuta aqui Albuquerque ... — ela ia começar outra sessão de xingamentos contra a amiga,quando sua visão foi atraída por um cervo que corria desorientado pela estrada.
Assim como a latina, Camila,Maria e Val viram ele passar na frente do carro correndo, o mesmo se estivesse em movimento, teria acertado em cheio o pobre animal, e o carro correria o risco de derrapar na estrada e causar um horrível acidente.
As três olharam para Valentina espantadas, e a primeira à se pronunciar foi Camila. Ela batia palminhas e sorria animadamente.
— Que legal, a Val tem super poderes — A loira falava com um ar de pura inocência.
— O que foi que aconteceu aqui? Como você soube que o cervo iria passar justo nesse momento? — Juliana perguntou o mais calma que conseguia.
— E-eu, e-eu, é...— Valentina não sabia formar uma frase, porque nem ela sabia o que realmente tinha acontecido.
— Vamos para casa, acho que shopping hoje está fora de questão. —Maria se pronunciou e deu meia volta com o carro, indo em rumo à casa dos Albuquerques.
O caminho foi em silêncio. Camila ainda sorria e Juliana olhava pelo canto do olho para Valentina . Ela não estava brava, apenas passava a cena em sua cabeça, tentando entender o que houve.
Assim que chegaram, as quatro desceram, e entraram na casa.Maria quis ficar para conversar com Catarina e Marcos. As três garotas ficaram assistindo televisão enquanto a mãe da latina estava na cozinha preparando um chá. Ela e Catarina eram amigas desde o colégio, e esse tipo de intimidade era normal.
Foi em direção a sala e olhou os porta retratos. Neles haviam muitas fotos da família, dos amigos e da formatura de Marina, que atualmente atua na área de direito em seus plenos vinte e nove anos, para orgulho de Catarina.
Já eram quase oito horas da noite, quando os pais de Valentina entraram pela porta e se depararam com Maria sentada no sofá. Catarina logo foi abraça-la eMarcos à cumprimentou como sempre fazia.
A latina mais velha contou tudo ao casal Albuquerque . As meninas estavam no quarto de Val, alheias à conversa, tentando não lembrarem do ocorrido, mas o mesmo não saía da cabeça da morena de olhos verdes.
Quando terminou de contar tudo detalhadamente -exceto a frase de Juliana que obviamente não era necessária na conversa- o casal suspiraram e contaram à Maria sobre aquele domingo de manhã há dez anos atrás.
A mãe de Juliana ficou um pouco sem reação, mas logo tratou de aconselha-los à procurarem um médico especializado nisso.
— Não podemos fazer isso,é uma cidade pequena e se descobrirem que Val tem algo de anormal, as pessoas irão falar. —Marcos explicou com receio.
— O que não podem fazer é fingir que nada aconteceu. Ela claramente tem algo a mais e não é anormal, é só diferente. —Maria defendeu a menina com seu jeito doce, o oposto de Juliana .
— Mesmo que seja só diferente, as pessoas não possuem a mente aberta para esse tipo de coisa. —Marcos retrucou preocupado. Ele era um grande advogado na cidade e sua vida era considerada por muitos como perfeita. Ele não queria as pessoas comentando coisas ruins sobre a filha.
—Maria, nos conhecemos há mais de vinte anos, seja o que for que Valentina tenha, iremos dar um jeito, mas da nossa maneira, então não conte para ninguém, e fale com as meninas para ficarem caladas sobre o ocorrido. — Catarina suplicou à amiga da melhor forma que pôde.
Maria suspirou e tentou retrucar, mas foi em vão. O casal estavam dispostos a não procurarem um médico, mas garantiram que não iriam deixar o ocorrido ser esquecido.
A latina mais velha levou Camila para sua casa junto de Juliana , e conversou com as duas, e as mesmas prometeram não falar nada para ninguém.
Catarina e Marcos garantiram que não deixariam o corrido ser esquecido, mas infelizmente não foi possível. Era uma situação que os dois jamais pensaram que aconteceria. Optaram mais uma vez por esquecer, não sabiam como agir. E infelizmente a mais prejudicada era a pequena Valentina .
Entraram no quarto dela após o jantar -que aconteceu em total silêncio- e encontraram a filha deitada na cama lendo um livro sobre cálculos avançados -ela adorava cálculos.
Marcos se sentou na cadeira giratória da escrivaninha e puxou a cadeira até estar perto da cama, e Catarina se acomodou na cama perto da filha.
A mesma não tirava os olhos do livro, e já sabia a conversa que teriam.
— Não precisam conversar comigo, sei que pedirão para eu não falar nada à ninguém. — A menina quebrou o silêncio fazendo com que seus pais ficassem surpresos.
— Como você sabe que iríamos te pedir isso? — A mais velha perguntou encarando a filha.
A pequena Albuquerque fechou o livro com calma e o depositou na mesa de cabeceira ao lado da cama e sentou passando os olhos entre a mãe e o pai.
— Se quisessem fazer algo para me ajudar com isso, teriam feito naquela manhã há dez anos atrás. — Valentina disparou na maior calma que uma garota de catorze anos não deveria ter em sua situação.
— Não queremos que você seja olhada diferente pelas demais pessoas. Essa cidade é pequena e qualquer coisa fora do normal, daria motivos para comentários desagradáveis, só estamos te poupando, minha filha. —Marcos tomou a palavra, suspirando logo em seguida.
— Eu entendo vocês, e não se preocupem, estou normal quanto à isso, não vou falar para ninguém, ficará só entre mim, vocês, tia Ma,Juls e Cams — A morena respondeu dando seu melhor mínimo sorriso possível.
Os pais ficaram aliviados com a declaração da menor, a abraçaram, desejaram mais uma vez feliz aniversário para a filha, e prometeram compensar o passeio perdido do dia em outra ocasião, em seguida saíram de seu quarto. A mesma suspirou, e jurou a si mesma, que fingiria que nada diferente aconteceu, tentou apagar aquele ocorrido da memória, e voltou sua atenção ao livro.
...

Do outro lado da pequena cidade, não muito distante, Augusto Campos estava em sua varanda lendo seu livro e tomando um chá de camomila, quando uma dor de cabeça o atingiu e flashes de três pessoas mortas invadiram sua mente. Foi tudo muito aleatório: os corpos caídos no chão; uma garota morena olhando a cena horrorizada; a mesma sendo levada para um reformatório; depois passando por muitos exames psicológicos; chorando sem controle; e por último; sendo levada à uma clínica psiquiátrica.
Ele massageava a têmpora freneticamente, e quando os flashes cessaram, ele não soube o que fazer. Nunca em anos uma memória foi com alguém que não tivesse ligação direta com ele. E em anos de prática, ele sabia controlar essas sensações, mas o que ele sentiu foi completamente diferente de tudo que já presenciou. Sentiu um arrepio na espinha, e muita pena da pobre criança.
Não reconheceu os corpos, os rostos estavam desfocados, mas reconheceu a menina como Valentina Albuquerque. Impossível não reconhecer, ele era seu pediatra desde que a pequena tinha cinco anos, e com esse pensamento, chegou a conclusão que os corpos só poderiam ser de pessoas de sua família.
Sentiu vontade de tentar interferir, mas soube desde cedo que o futuro é incerto, que quando a morte decide agir, nada pode ser feito. O jeito era esperar e se algo acontecesse, procuraria a menina e a ajudaria de toda forma possível.
Suas visões não eram em vão. Sabia que ela precisaria dele mais cedo ou mais tarde. Tinham que ter uma ligação de alma para ele ter uma visão com alguém não relacionado à sua família. Se ela tinha os mesmos dons que ele, Augusto certamente a ajudaria no que fosse preciso.
...
Na casa dos Albuquerques, Valentina dormia e em seus sonhos a mesma visão se apossou de sua mente, e ela suava frio enquanto se dabatia na cama e as lágrimas rolavam em seu rosto em meio ao suor.
Mal sabia ela, ou sua família, que ignorar os dons que lhe foram dados, poderia ser muito pior que enfrentá-los, e isso resultaria em uma tragédia de proporções inimagináveis.

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