Capítulo 6

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Valentina encontrava-se embaixo do chuveiro, e não sabia quanto tempo tinha se passado desde que sentiu a água morna no corpo pela primeira vez em dois anos.
Na clínica eram sempre banhos frios e rápidos...Sempre sendo vigiada por enfermeiras. Ali ela podia ficar sozinha e imersa em seus pensamentos. Descobriu que um simples banho poderia deixá-la feliz.
Depois de mais algum tempo, ela enrolou-se na toalha limpa e desligou o chuveiro, saindo do box. Parou em frente ao espelho e se olhou.

O cabelo agora com o cheiro de shampoo de morangos, caía sobre os ombros. Escovou os dentes com a escova que Augusto comprou para ela, e depois de enxaguar a boca, pegou o secador e secou os cabelos devagar.
Tirou a toalha do corpo e passou a se observar no espelho. O corpo alvo e esguio não possuía muitas curvas, estava um pouco abaixo do peso por não se alimentar com frequência devido à comida horrível do lugar onde vivia.
Dava para ver um pouco das costelas em seu dorso. A barriga era lisinha, mesmo sem ser definida. Era um bonito corpo, exceto pelas cicatrizes ganhadas das garotas que lhe batiam no reformatório.
Passou a ponta dos dedos em cada uma delas, fechando os olhos e lembrando de como as conseguiu. Suspirou e quando já ia se vestir, viu uma tesoura comprida em uma das gavetas entreabertas do balção do banheiro. Se olhou no espelho novamente e teve uma ideia.
...
Vinte minutos depois vestia uma camiseta cinza gola V de mangas curtas com uma calça jeans clara e tênis confortáveis. Se analisou no espelho e deu um pequeno sorriso.
Seus cabelos agora estavam sem as pontas ressecadas,ela teve que tirar um bom pedaço, mas ainda assim se encontravam do jeito que ela sempre gostou. A mãe de  Camila sempre soube cortar cabelos, sempre que ia na casa da loirinha, elas brincavam juntas e loira mais velha ensinava as duas diversas coisas sobre cabelos em geral e ela sabia vagamente como cortar pelo menos para não estragá-lo.
O corte não estava ruim, pelo contrário, cortou um pouco da franja deixando cair do lado esquerdo de seu rosto. Por um momento achou que tivesse voltado no tempo. Seu rosto ainda possuíam trejeitos de dois anos atrás, porém o mesmo também amadurecera e ganhara traços fortes no queixo e maxilar, mas a delicadeza do nariz, labios e bochechas ainda estavam ali, intactos.
Saiu do banheiro e deu de cara com Luiza olhando para ela de forma curiosa, sorrindo o máximo que pôde em seguida.
— Papai me pediu para chamar você. O café da manhã está pronto. — Falou animadamente olhando Valentina de cima a baixo. — As roupas ficaram ótimas em você, e o seu cabelo...Nossa! Foi você quem cortou? — Perguntou analisando e se aproximando mais, tocando nos cabelos macios da garota mais baixa.
— É...Sim, sempre usei ele assim. — Respondeu dando um passo para trás com as bochechas um pouco vermelhas. — Melhor eu ir, estou realmente com fome. — Completou sorrindo um pouco.
— Sim! Vamos! — Falou Luiza segurando novamente a mão de Valentina e a puxando logo em seguida para descer as escadas.
A garota estava sem reação. Luiza falava demais e era invasiva e enérgica. Não parava quieta, e Valentina achava isso um pouco desconfortável, mas ao mesmo tempo adorável. E a sensação de segurar na mão da menina era gostosa e confortante.
Desceu com ela para a cozinha e viu Augusto e Sônia conversando na mesa do café da manhã.
— As roupas ficaram perfeitas. Sabia que tinha acertado seu número. — Declarou Augusto sorrindo. — E não sabia que tinha talento para cortar cabelo, Val. — Completou olhando o cabelo da garota
— Eu achei que ficou lindo. — Indagou Sônia olhando para Valentina .
— A mãe de Camila nos ensinava algumas coisas quando éramos crianças. — Respondeu corando, soltando a mão da morena e brincando com os próprios dedos.
— Realmente ficou lindo. Agora venha comer! — Ordenou Augusto sorrindo.
Valentina não teve tempo de fazer nada, porque a garota do seu lado segurou seu braço a puxou para sentar-se á mesa.

Quando teve tempo de analisar Luiza, viu que ela usava um vestido florido que iam um pouco mais do joelho e chinelos pretos.
Valentina se perguntou  como uma garota da idade de Luiza usava esse tipo de vestido que parecia mais da avó dela, mas o mesmo na menina de olhos chocolates ficava fofo e adorável
Moveu seus pensamentos para a mesa e salivou ao ver tudo que não comia há anos. Pegou um pouco de tudo.
Comia as torradas com geléia de amora com vontade, mas sem perder a educação. Augusto e Sônia trocavam olhares sorridentes e Luiza começava um de seus monólogos sobre dança e sua dançarina preferida que Valentina nunca viu e que Luiza garantia que teriam muito tempo para ver alguns vídeos juntas devido as férias de verão da escola.
...
Juliana andava de um lado para o outro descontroladamente no quarto e uma Camila  alegre e que batia palminhas sentada na cama.
— Os duendes devem ter ajudado ela a fugir,Juls. — Camila dizia alegremente, alheia ao nervosismo da namorada.
Sim, elas começaram à namorar há alguns meses. A latina sempre gostou da loirinha desde o ensino fundamental, mas só teve coragem de admitir há pouco tempo, quando achou que ia perdê-la para um nerd que Camila vivia falando que sempre levava chocolates pra ela.
Quando a loirinha estava prestes a aceitar namorar o garoto, Juliana finalmente disse tudo que sentia e se pegou imersa à felicidade quando descobriu que seus sentimentos eram recíprocos. Desde esse dia, namoravam firmemente.
Naquele dia as duas iam aproveitar o dia ensolarado para passearem juntas, e enquanto esperava Camila tomar banho, a latina olhava para a televisão distraidamente quando o noticiário da manhã informou a fuga de Valentina na madrugada anterior, e que a polícia estava trabalhando arduamente para encontrá-la.
Todo estado estava em alerta, para eles, a menina era perigosa e louca, e poderia fazer algo pior do que fez contra seus pais e irmã. A latina sabia da verdade e estava desesperada. Com Valentina na clínica, ela poderia visitá-la e saber se a amiga estava bem...Agora com ela solta, não sabia de mais nada. E como diabos ela fugiu? E com a ajuda de quem? E onde estaria?...
Mil e uma perguntas rondavam a cabeça de Juliana que resmungava coisas em espanhol enquanto afundava o chão do quarto de Camila que a olhava animada achando que Valentina tinha ido para um lugar bom. De fato realmente tinha ido, mas as duas não sabiam disso.
— Cams,precisamos encontrar a ela. — Juliana disse determinada.
— Sim Juls, quero saber como os duendes estão tratando ela. Mas como vamos achá-la? — Perguntou se levantando.
— Não faço a mínima ideia. Mas vamos achar aquela Albuquerque safada. — Falou firme segurando a mão da loira mais alta.
...
Verônica analisava as câmeras de segurança dos corredores do hospital daquela madrugada atentamente com dois policiais logo atrás dela.
Viu no momento que uma mulher vestindo um jaleco saiu do quarto de Valentina com uma pessoa vestida da mesma forma, porém com máscara e touca.
Pausou a imagem e deu zoom. Não conseguiu reconhecer a garota,mas sabia que era ela. De acordo com as horas das filmagens e a hora que David ligou, Valentina sumiu após o homem sair de seu quarto acompanhada dessa pessoa, sendo que ela entrou horas antes sozinha para examinar a morena.
Ligou para o hospital e pediu a ficha de todos os médicos que estavam fazendo plantão naquela hora. Quando viu a ficha de Sônia Campos, reconheceu como a mulher da fita de segurança. Viu o endereço e mandou os policiais para lá a fim de pedir esclarecimento sobre o ocorrido. Enquanto esperava, ligou para o número que conhecia de cor.
— Sou eu! Pela fita de segurança do hospital, ela fugiu com Sônia Campos , veja o que descobre a respeito dela, estou fazendo o possível aqui. — Aguardou a pessoa falar algo. — Mandei  dois policiais até o endereço que consta na ficha dela. — Declarou Verônica . — Ok. Aguardarei. Tchau. — Desligou e guardou o celular, voltando sua atenção para a tela do computador.
...
Valentina passava os canais da televisão com uma Luiza sentada ao seu lado -próxima demais na opinião dela - e olhava de olhos arregalados todos os canais interromperem as programações para falar sobre sua fuga.
Luiza alternava o olhar entre a televisão e a garota ao seu lado quase sem parar. Seus pais tiveram que ir trabalhar, não sem antes determinarem mil e uma regras para as duas e trancarem todas as janelas, eles tinham que atender alguns pacientes e aproveitarem enquanto tudo ainda estava calmo na medida do possível.
Antes de sair, Sônia advertiu a Luiza para não falar demais. Valentina tinha passado muito tempo na sua bolha, acostumada com a falta de contato com o mundo exterior, e tinha que ir se libertando por conta própria, e a filha do casal falava muito, e poderia assustá-la...Mas quando se trata de Luiza Campos, o silêncio nunca dura muito.
— Sabia que um dia eu serei uma grande estrela da dança? Faço aula de balé desde os dois anos , agora também faço aula de bachata  e sou a melhor da minha turma. — Falou com convicção sorrindo em seguida, tentando distrair a outra .
— Desde os dois anos? Isso é...muito legal. — Valentina desviou sua atenção da televisão para a morena ao seu lado.
— Serei a melhor do mundo, ultrapassando até minha musa inspiradora, minha ídola, serei a mais lembrada, pode ter certeza. — Falava com os olhos brilhando. — E você? O que quer fazer da vida? — Perguntou curiosa.
— No momento? Quero poder sair, respirar ar puro e comprar um sorvete como quando eu fazia há alguns anos. — Falou sorrindo amargamente.
— Nós podemos ir! Tem um carrinho aqui na praça da esquina. — Falou a morena com expectativa.
— Não posso sair daqui. Se alguém me reconhecer, vai tudo por água abaixo. — Respondeu triste.
— É só não ser reconhecida. — Falou se levantando e saiu correndo escada acima.
Valentina arqueou a sobrancelha e quando pensou em seguir a morena, a mesma voltou e colocou um boné dos Yankees na cabeça dela e um par de óculos escuros na mesma.
— Pronto. Eu nunca te reconheceria. Só vamos comprar e voltar. Vamos? — Segurou no braço de Valentina .
— Tudo bem. Vamos. — Respondeu sorrindo um pouco animada.
Já estavam perto do carrinho de sorvete. A praça estava calma. Todos estavam do outro lado onde havia um lago, devido ao calor daquele dia.
Luiza segurava no braço dela e andava quase saltitando falando sem parar sobre como o dia estava lindo.
Chegaram ao destino e pediram dois sorvetes de chocolate. Luiza pagou e no calor do momento decidiram andar pela praça quase deserta.
Andavam devagar quando Valentina notou um pouco do sorvete escorrer no canto da boca da garota ...Parou de frente à ela e passou o dedo delicadamente, limpando o local.
— Estava sujo. — Explicou corando fortemente olhando para a cara de confusa da morena.
— Oh..sim, obrigada Val. — Respondeu sorrindo abertamente logo em seguida beijando a bochecha de Valentina e fazendo a mesma corar mais ainda.
— Não tem de quê. — Falou olhando em volta. — Vamos. Temos que voltar. — Declarou saindo ao lado de Luiza , que segurou na mão dela após tomar todo o sorvete.

Andavam de mãos dadas e Valentina já não se incomodava tanto. Luiza era sua amiga e queria o seu bem. Não iria repelir a menina .
Estavam quase chegando quando sentiram alguem puxá-las para um beco, assustando as duas e fazendo Luiza gritar...

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