Capítulo III.1

31 1 0
                                    

O melhor presente!

Capítulo III.1: Quebra de roteiro

Mais uma vez no estábulo, nos encontramos às 5h30. Não me sinto mais incomodada com o cheiro como antes. Antes, o esterco dos animais me dava ânsia de vômito, os pelos sujos dos cavalos impregnavam-me e, mesmo após 3 lavagens, ainda sentia-os em mim.

Dom, como de costume, está se lavando antes de vir à nossa reunião. Lembro certa vez que, nas nossas primeiras reuniões, ele notou meu desconforto. E, na reunião posterior, encontrei os animais limpos. Também, na posterior da posterior, quando o procurava para iniciarmos os relatórios, o vi se lavando.

Graças a Deus ele estava de calça, era de um pano grosso. São as vestimentas consideradas íntimas nesta Era. O vi se banhando com um balde.

Estava tão atordoada e confusa pela cena que fiquei estática. "Por que raios ele está aqui?", pensei no momento. "Ele deveria ter me avisado que ia banhar ou algo do tipo!", retruquei. "Ele sempre é assim. A comunicação de fato não é o forte dele!".

Enquanto as águas caíam sobre seu rosto, notei que a mesma descia pelo seu peitoral de boa aparência. Outras mulheres poderiam pensar nele de forma pervertida. Contudo, apenas me atentei às cicatrizes que ele trazia consigo. Com certeza não foi fácil ter que se adaptar a esse novo emprego. Um engenheiro civil de repente tornou-se um marceneiro e que subitamente virou um cuidador de animais. Também é difícil para ele!

"Eu deveria sair daqui! Se o Casmurro me pegar aqui, com certeza terá outra má impressão de mim!", tentei me mover. Porém, um nó no estômago mesclado com uma tristeza se apossou de mim. "Por que eu me sinto tão triste quando imagino a situação dele? Devo me sentir triste por mim! Pare de pensar nele, Ana!", me repreendi.

Então, quando ele tirou as águas do rosto e notou minha presença, pude vê-lo brevemente atordoado e travou uns instantes, pensando no que fazer. Dom intensificou seu olhar em mim, o que me fez desviar os olhos. O vi se aproximar com passos firmes, então colocou uma manta sobre mim e recuou uns passos, ele estava encharcado d'água.

— Por que não diz a frase? — ergui levemente o olhar em sua direção.

— Qual?

— "Você é uma pervertida?!"

— Não vi cobiça nem malícia em teus olhos.

— O que viu? — quando pronunciei essas palavras, um vapor saiu devido ao clima frio.

— Amparo. — sua voz baixa penetrou meus ouvidos e me fez manter minha atenção nele. — Por que está com essa cara tão cedo? O que te fez ficar cabisbaixa?

— Você. — um pouco chateada, tirei a manta de mim e cheguei perto o suficiente para pôr a manta sobre o Casmurro. — Fico estranha quando te vejo ferido. Por que se machuca tanto? Por acaso coleciona feridas? Há quantas chagas em teu coração?

— Não faça isso.

— O quê? — sussurrei de volta, nós conseguíamos nos ouvir devido a pouca distância.

— Não demonstre esse tipo de preocupação. Me fará ter a ideia errada.

Eu sorri ruidosamente e acrescentei:

— Como assim uma ideia err...

— A de ter sentimentos por mim, por exemplo. — seus olhos não se desviaram dos meus nem por um instante.

Essa fala fez com que eu me calasse, sem saber exatamente o que estava acontecendo com ele. Ou melhor: comigo.

— Pensei sobre o motivo de teres se afastado de mim. Acho que vou me afastar de ti também. — falou de forma branda.

O melhor presente!Onde histórias criam vida. Descubra agora