Capítulo 6: Sombras e Luzes

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A carroça avançava lentamente pela estrada sinuosa, o som das rodas de madeira rangendo no silêncio da noite. Alef olhava para o céu estrelado, perdido em seus pensamentos, enquanto o velho viajante guiava o burrinho com a mesma serenidade com que falava. O caminho era irregular, e o frio da noite começava a se instalar, mas algo na presença do velho mantinha Alef aquecido.

— Você viaja há muito tempo? — Alef perguntou, quebrando o silêncio.

O viajante sorriu, o rosto enrugado iluminado por um brilho fugaz das estrelas.

— Desde que consigo me lembrar — respondeu, com uma calma que parecia carregada de sabedoria. — Eu sigo o vento, o destino... Talvez o próprio tempo. E você? O que te trouxe a essas estradas desertas?

Alef hesitou por um instante. Ele ainda não conseguia formular suas próprias respostas, tampouco entendia o que exatamente estava procurando.

— Estou tentando entender algumas coisas — respondeu vagamente. — Me encontrar, talvez.

O velho assentiu, como se aquelas palavras fizessem todo sentido.

— A busca por si mesmo é uma jornada das mais difíceis — disse o velho. — E às vezes, quanto mais buscamos, mais nos afastamos do que realmente somos.

Alef permaneceu em silêncio, suas palavras ressoando com um peso inesperado. O velho parecia ter uma compreensão profunda de algo que ele mesmo ainda não conseguia alcançar. As respostas que Alef procurava pareciam cada vez mais distantes, mas a estrada... Ela o guiava para algum lugar. Ou talvez alguém.

Enquanto a carroça avançava, o silêncio ao redor tornou-se quase opressivo, como se o próprio mundo estivesse esperando por algo. O som das rodas de madeira, antes constante, parecia ter se transformado em uma trilha sonora hipnótica que puxava Alef para um estado entre o sono e a vigília. Ele tentou se manter alerta, mas seus olhos começaram a fechar, vencidos pelo cansaço acumulado da jornada.

E então, o sonho o tomou.

Ele estava de volta ao jardim. Mas não era o jardim comum, aquele que ele conhecia tão bem. Esse era vasto, infinito, as flores pareciam brilhar com uma luz própria, e o ar estava carregado de uma paz sobrenatural. No centro do jardim, lá estava o jardineiro. A mesma figura silenciosa, cuidando das plantas com uma calma quase reverente.

Alef observava de longe, incapaz de se aproximar. Havia algo nesse homem que o deixava intrigado, como se ele fosse uma chave para os mistérios que o atormentavam. Mas, ao mesmo tempo, Alef sentia um peso em sua alma — uma sensação de que não estava pronto para as respostas.

O jardineiro levantou os olhos por um breve momento, e seus olhos, que antes eram calmos e gentis, agora brilhavam com uma intensidade avassaladora. Era como se eles contivessem todo o conhecimento do universo, todo o poder que Alef jamais compreenderia. Mas, por algum motivo, aquela luz o atraía e o afastava ao mesmo tempo. O que era aquilo? E por que parecia tão familiar, como se ele já tivesse conhecido aquela presença em outro lugar, em outro tempo?

Antes que pudesse se aproximar ou falar, o sonho começou a se dissipar, como uma névoa sendo levada pelo vento. As flores começaram a desaparecer, uma a uma, e o jardineiro virou-se novamente para o solo, silencioso.

Alef acordou com um sobressalto. A carroça ainda se movia, mas o céu começava a clarear, anunciando a chegada do amanhecer. Ele olhou para o lado e percebeu que o velho o observava, com um olhar de compreensão.

— Você viu algo — disse o viajante, sem rodeios, como se soubesse exatamente o que havia acontecido.

Alef não respondeu imediatamente. O sonho ainda estava fresco em sua mente, mas ele não sabia como colocar em palavras o que sentiu. A presença do jardineiro, aquela luz... Era algo que ele não conseguia ignorar, mas também não sabia como lidar.

— Não sei o que foi — respondeu Alef, finalmente. — Mas foi... intenso.

O velho assentiu, como se compreendesse mais do que Alef poderia expressar.

— As respostas virão com o tempo — disse o viajante. — Às vezes, elas aparecem nos lugares mais improváveis, através de rostos e vozes que você não espera.

Alef olhou para o horizonte, onde o sol começava a despontar. Sua jornada estava longe de terminar, mas ele sentia que algo estava mudando. Algo dentro dele. Talvez não tivesse todas as respostas ainda, mas o caminho estava se revelando de maneiras que ele nunca imaginou.

O viajante conduziu a carroça por mais algumas horas, até que, ao longe, surgiram os contornos de uma pequena vila. Era um lugar humilde, com poucas casas e um mercado modesto. O burrinho diminuiu o passo, parecendo reconhecer o lugar.

— Chegamos ao nosso destino — disse o velho, com um sorriso cansado. — Aqui é onde eu desço.

Alef desceu da carroça e se esticou, sentindo seus músculos tensos pela longa jornada.

— Obrigado pela companhia — disse, sinceramente.

O velho deu um leve aceno com a cabeça.

— O caminho ainda é longo para você, jovem. Mas tenho certeza de que encontrará o que procura.

Alef observou enquanto o velho se afastava, a carroça rangendo suavemente sob o peso das rodas. A sensação de estar em movimento, tanto física quanto espiritualmente, era algo que ele ainda estava aprendendo a lidar. Mas agora, com a vila à sua frente, ele sabia que esse era apenas mais um passo em sua jornada.

O vento soprava levemente, trazendo consigo um novo dia. Alef respirou fundo, sentindo a brisa no rosto, e começou a caminhar em direção à vila.

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