O silêncio ao redor de Alef estava preenchido por uma paz nova, como um peso tirado de seus ombros. Ele olhava para Iter, e era como se o brilho suave que emanava da figura diante dele se aprofundasse em cada sombra de sua alma.
Alef sentiu o peito apertar, as palavras presas na garganta, mas se obrigou a falar. Havia tanto que ele queria dizer, perguntas e confissões que nunca ousara fazer a ninguém.
— Por que... por que eu sinto essa dor dentro de mim? — murmurou, a voz falhando. — Parece que tudo o que eu faço é carregar esses pesos, essa... escuridão.
Iter olhou para ele com um olhar que era puro amor e compreensão, como se conhecesse cada detalhe dos tormentos que Alef tentava esconder. Sua resposta foi suave, mas carregada de profundidade.
— Alef, essa dor, essa escuridão... são partes suas, partes que você tentou evitar, mas que precisavam ser confrontadas. Cada uma carrega uma história, uma lembrança, um grito sufocado. E, enquanto você os carregava sozinho, eles cresceram dentro de você.
Alef olhou para baixo, lágrimas quentes caindo em sua mão trêmula. Ele nunca havia falado abertamente sobre isso, sobre o quanto tudo doía.
— Eu só... eu só queria ser livre disso. Eu pensei que, se fugisse ou ignorasse, as coisas melhorariam. Mas parece que quanto mais eu tento... mais essas sombras me perseguem.
Iter se aproximou, seu rosto cheio de compaixão e compreensão, e disse:
— Às vezes, o caminho para a liberdade não é através da fuga, mas da aceitação. As sombras que você carrega, Alef, são como feridas abertas que precisam de luz para cicatrizar. Você tentou se esconder delas, mas são essas feridas que o moldaram, que o tornaram quem você é. Para que a luz te alcance, você precisa primeiro aceitá-las, reconhecê-las. Só então elas deixarão de ser fardos.
Alef sentiu algo dentro de si se quebrar. Ele sempre tentava ser forte, sempre tentava carregar tudo sozinho, mas, naquele momento, percebeu que essa força também era uma prisão. Ele olhou para Iter, sua voz fraca mas sincera:
— Então, o que eu faço? Como... como eu consigo aceitar isso tudo? Como eu deixo isso ir?
Iter o observou em silêncio, e em seu olhar, Alef sentiu a resposta antes mesmo de ouvir as palavras.
— Perdoe-se, Alef.
Alef sentiu o impacto daquela palavra. Perdoar a si mesmo? Ele nunca pensara nisso. Tantos erros, tantas falhas – como poderia simplesmente se perdoar?
— Eu... não sei se consigo — confessou, a voz entrecortada. — Há tanto dentro de mim, tantas coisas que eu não quero lembrar... É como se eu tivesse falhado em tudo, como se eu fosse insuficiente.
Iter se inclinou e colocou uma mão suave sobre o ombro de Alef. O calor daquela presença preencheu seu coração, afastando a frieza da solidão.
— Alef, quem disse que você precisa ser perfeito para ser amado? Quem te disse que as suas falhas te tornam indigno? Cada erro que você cometeu, cada medo, cada dor – tudo isso te trouxe até aqui. Eles são parte de sua história, mas não definem quem você é. A verdadeira liberdade vem quando você aceita a si mesmo, quando reconhece que não precisa carregar essas sombras sozinho.
Alef fechou os olhos, permitindo que aquelas palavras se afundassem em seu ser. Era difícil aceitar aquilo, difícil acreditar que poderia haver redenção para ele.
— Mas como? Como eu posso... me livrar desse peso?
— Deixe-me carregá-lo com você — disse Iter, sua voz suave e firme. — Há uma luz dentro de você, Alef, uma luz que essas sombras tentaram esconder. Mas ela nunca se apagou, nunca. E, enquanto você acreditar que está sozinho, continuará a se perder nesse vazio.
Ele olhou para Iter, tentando entender a profundidade daquelas palavras. Sentiu-se como uma criança perdida, buscando um lar que sempre pareceu inalcançável.
— Você está dizendo que nunca estive sozinho? Que essa... essa dor, tudo isso... que você sempre esteve aqui?
Iter assentiu, um brilho de compaixão em seus olhos.
— Sempre estive aqui, esperando que você permitisse que eu estivesse ao seu lado.
Alef abaixou a cabeça, seu coração quebrado, mas agora com uma esperança que nunca sentira antes. Ele não precisava lutar contra tudo sozinho. Pela primeira vez, ele se permitiu sentir o consolo daquela presença, deixar que a paz de Iter preenchesse os espaços que antes estavam vazios.
Iter se aproximou ainda mais, e Alef sentiu uma mão suave sobre seu peito, como um toque que trazia calma e conforto.
— Renda-se, Alef. Não à escuridão, mas à luz. Confie que você é amado, que há um propósito maior para tudo o que você passou. Não foi em vão. Eu vi cada lágrima, ouvi cada grito silencioso. E eu estava lá. Ainda estou aqui.
As lágrimas de Alef caíam livremente agora. Ele deixou que toda a dor, toda a solidão, tudo aquilo que carregava se transformasse em rendição. Finalmente, permitiu-se ser vulnerável, permitiu-se ser confortado. Ele não estava mais sozinho.
— Eu... eu não sei como agradecer — sussurrou, ainda sentindo a presença reconfortante de Iter.
Iter sorriu, e suas palavras foram como um bálsamo final para o coração de Alef:
— Não precisa me agradecer. Apenas continue caminhando, com a certeza de que você nunca está só. E quando as sombras tentarem te envolver novamente, lembre-se: eu sempre estarei com você.
A luz ao redor de Iter começou a brilhar ainda mais forte, e Alef sentiu seu coração se aquecer. A solidão e o desespero que o haviam consumido antes eram agora apenas lembranças distantes. Ele sabia que ainda enfrentaria desafios, mas também sabia que nunca mais teria que enfrentá-los sozinho.
E naquela noite, sob o céu estrelado, Alef se levantou, pronto para seguir em frente, sabendo que a luz de Iter o guiaria em cada passo de sua jornada.
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O Caminho do Viajante
Fantasy"Para quem sempre trilhou caminhos aleatórios e viveu sem um propósito na vida, ser chamado para seguir um caminho específico não é fácil, principalmente quando é chamado por alguém que você nunca viu. Assim aconteceu comigo, após diversas perdas na...