A estrada que se desdobrava diante de Alef e o velho viajante começava a se elevar gradativamente, levando-os para uma região montanhosa onde o verde da floresta envolvia tudo à volta. A mudança na paisagem trazia consigo uma sensação de isolamento, como se o mundo ao redor estivesse cada vez mais distante. O céu, que antes se mostrava aberto e claro, agora estava coberto por nuvens densas que prometiam uma tempestade iminente.
Alef, sentado na carroça de madeira ao lado do viajante, sentia o silêncio pesar entre eles. O burro avançava lentamente, com passos cuidadosos. Os rangidos da carroça ecoavam pelas montanhas, mas o som que mais perturbava Alef vinha de dentro — o barulho incômodo de suas próprias dúvidas.
— As montanhas guardam mais segredos do que podemos imaginar — disse o velho, sua voz rouca, quebrando o silêncio.
Alef olhou de soslaio para ele. O viajante, com sua barba branca espessa e o olho esquerdo coberto por uma cicatriz, parecia sereno, como se as adversidades que enfrentaram até agora fossem apenas outra parte da rotina. A carroça avançava devagar, e o velho continuava, como se estivesse recitando algo que há muito guardava dentro de si.
— Já viu como as montanhas são como a vida? — Ele lançou um olhar enigmático a Alef. — Elas te testam. Você acha que está no controle, mas cada curva, cada pedra no caminho, é uma escolha que você faz. Algumas te levam mais longe, outras... te fazem voltar.
Alef se remexeu no assento. Aquelas palavras pareciam ter mais peso do que ele gostaria de admitir. Desde que deixou sua cidade, seus pensamentos haviam sido um turbilhão. Sua fuga, antes um ato de autopreservação, agora parecia envolta em incertezas.
— E o que acontece quando você se perde nas montanhas? — Alef finalmente perguntou, tentando manter o tom casual, mas sentindo a tensão subir em seu peito.
O velho sorriu, um sorriso leve, porém cheio de mistério.
— Aí, meu jovem, você precisa decidir. Continuar ou voltar. Às vezes, perder-se é o único caminho para se encontrar.
A conversa entre os dois ficou em suspenso quando o céu escureceu rapidamente. O vento começou a soprar mais forte, trazendo um frio cortante. As árvores ao redor balançavam violentamente, e o burro pareceu hesitar, com os passos ficando mais lentos.
— Acho que vem uma tempestade — disse Alef, puxando o capuz sobre a cabeça.
— Sim, e não temos muito tempo até ela chegar de vez. — O velho parou a carroça por um momento, observando o caminho à frente. — Vamos ter que passar rápido por um trecho mais estreito.
Eles seguiram adiante, e conforme avançavam, as primeiras gotas de chuva começaram a cair. A estrada à frente se tornava cada vez mais estreita, com uma encosta íngreme de um lado e um precipício profundo do outro. Alef sentiu o coração acelerar. O vento uivava, e as pedras pequenas deslizavam pela encosta, como um aviso do que estava por vir.
De repente, um som ensurdecedor ecoou pela montanha — um deslizamento. As rochas começaram a cair, bloqueando parte da estrada. O burro empacou, relinchando assustado, e a carroça balançou perigosamente.
— Vamos! Temos que sair da carroça! — O velho gritou, já se movendo com uma agilidade surpreendente para sua idade.
Alef saltou da carroça e correu para ajudar o burro, que estava preso pelas correias. Ele puxou com força, tentando libertar o animal, enquanto as pedras continuavam a cair ao redor deles. Cada segundo parecia uma eternidade, e Alef podia sentir a terra tremer sob seus pés.
— Vamos, vamos! — Ele gritava, o desespero tomando conta.
Finalmente, conseguiu soltar o burro, e ambos correram para um abrigo improvisado, feito de uma pequena caverna na encosta. O velho já estava lá, os olhos fixos no horizonte, observando a tempestade que se aproximava.
— Foi por pouco — disse ele, respirando fundo.
Alef se sentou ao lado dele, ofegante. O coração ainda batia acelerado, e as mãos tremiam. O silêncio retornou, quebrado apenas pelo som da chuva forte batendo nas rochas e o trovão ecoando nas montanhas. Eles ficaram ali por um tempo, em silêncio, ambos processando o que havia acabado de acontecer.
Depois de um longo tempo, o velho falou novamente, com a voz baixa, quase em um sussurro.
— Essa estrada... Ela é traiçoeira. Mas sabe, rapaz, a verdadeira armadilha não está lá fora, nas montanhas. Está aqui dentro — ele tocou o peito. — A estrada interna, essa sim, é difícil de atravessar. E você, Alef, já começou a caminhar nela.
Alef ficou em silêncio, mas as palavras do velho viajante ecoavam em sua mente. Ele sabia que havia algo profundo naquilo, uma verdade que não podia ignorar. Ainda assim, a sensação de confusão não o deixava. Tudo parecia mais complicado do que ele imaginava.
A tempestade finalmente começou a passar, e os dois voltaram a caminhar pela estrada, agora mais segura. O velho guiava o burro com cuidado, e Alef seguia ao lado, a cabeça cheia de pensamentos.
No fim daquele dia, quando o sol já começava a se pôr, eles avistaram, ao longe, uma pequena vila aninhada nas montanhas. Era simples, com casas de pedra e madeira, mas parecia um refúgio seguro após a tempestade.
— Vamos descansar aqui por esta noite — disse o velho, apontando para o vilarejo. — Você vai precisar de forças para o que está por vir, Alef.
Alef assentiu, sem saber exatamente o que o velho queria dizer, mas sentindo que sua jornada estava longe de acabar.
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O Caminho do Viajante
Fantasi"Para quem sempre trilhou caminhos aleatórios e viveu sem um propósito na vida, ser chamado para seguir um caminho específico não é fácil, principalmente quando é chamado por alguém que você nunca viu. Assim aconteceu comigo, após diversas perdas na...