Capítulo 4 - Pobre vaca

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Estico os dedos dos pés nus na areia fofa de forma demorada e preguiçosa, parece que consigo sentir cada grãozinho entrando por entre os dedos e se acomodando, a areia está morna, gostosa. Admiro a linha do horizonte no finalzinho do mar e os casais apaixonados que passeiam pela orla. Fico divagando sobre as trocas de olhares, os sorrisos largos e sinceros que trocam, a necessidade do toque nos carinhos discretos que apenas um observador perspicaz é capaz de notar. Aliso o anel de noivado que está no anelar da mão esquerda junto a aliança de casamento, e sinto o peso dos incontáveis quilates daquela pedra. Parece que Heng estava determinado em sinalizar para o mundo todo que havia se casado comigo. É... Querido leitor, o casamento ocorreu há alguns dias e tudo que posso dizer é que foi com toda pompa e presença da alta sociedade da Tailândia, e algumas pessoas de outras localidades também. Heng conhece muita gente importante no sudeste da Ásia, e até mesmo um casamento tradicional é uma oportunidade para estreitar laços corporativos. Mas foi bonito sabe? Me emocionei, principalmente na hora das bençãos e orações com os monges. Teve comida, música alegre e muitas kongming (lanternas de papel de arroz com velas dentro). O dote foi alto e alegrou minha mãe, acho que ajudou a quitar algumas dívidas que foram se formando ao longo de tantos anos depois que meu pai nos abandonou. Minha mãe foi resiliente e inabalável quando, diante da vergonha de ter o nome Chankimha atirado em tanta desonra, ela conseguiu garantir um bom casamento com o que ainda havia sobrado deste nosso nome. Meu adorável leitor, não é de se questionar sobre o tipo de sociedade que construímos que dá tanta importância assim a um nome? Alguns chamariam esse tipo de coisa de "a herança que importa", tudo uma questão de sorte, não te soa injusto? Mas ah, gentil leitor, era o que mamãe tinha nas mãos naquele momento, e ela decidiu usar o sistema a seu favor. Mas deixemos isso de lado por hora. Como estava dizendo, aqui estou eu, olhando casais apaixonados e me perguntando se irei nutrir algo semelhante pelo meu recém esposo. Heng é um homem sério até onde pude notar, de poucas palavras, mas me pareceu entusiasmado quando nos conhecemos e mais ainda durante o casamento.

Sou desperta dos meus pensamentos quando sinto a mão de Heng no meu ombro. Olho pra cima, pois estou sentada, franzindo o cenho por causa do sol escaldante e abro um sorriso:

- Estava pensando em você. – E eu realmente estava. Mas não como ele pareceu interpretar.
- E eu em você. - Heng sorri de volta orgulhoso do que ouviu. - Na verdade, pensando no que poderíamos fazer nessa ilha, o que tem de passeios e onde podemos comer. E se você me aceitar, gostaria de dormir no seu quarto na nossa primeira noite juntos.

Heng havia reservado dois quartos conjugados para que construíssemos nossa intimidade aos poucos durante nossa estadia nas ilhas PhiPhi. Achei gentil e fiquei aliviada, estava um pouco preocupada sobre nossa lua de mel, não sabia muito bem o que esperar. Ah, caro leitor, não faça essa cara, é claro que conheço a anatomia do sexo, mas tudo muito na teoria, um dos tratos para Heng aceitar o casamento foi que eu conservasse a minha virgindade até o presente momento, para ele. O que eu poderia fazer? Tive de cumprir, e agora, mal sei o que me espera na prática. Tudo bem, seria cômico se não fosse trágico, deixarei o leitor livre para rir, mas por favor, também me deseje sorte.

O resto do dia se arrastou lentamente, gerando expectativas em nós dois. Conhecemos as praias, fizemos um passeio privado de barco para Maya Bay onde refizemos nossos votos de forma simbólica. E fiquei admirando aquele homem aventureiro realizar aulas de mergulho, inventadas de ultima hora. Ele era uma boa companhia. Heng parecia encantado, não parava de sorrir e me olhar em toda oportunidade, eu correspondia as olhadas e os sorrisos. Mas por dentro eu estava desesperada com o cair da noite que se aproximava, as vezes ficava preocupada que ele ouvisse as batidas altas do meu coração, chegava a ser constrangedor. Mas ele parecia não notar o meu tormento, tamanha a leveza que ele transmitia absorto na minha pessoa. A tão temida noite caiu e voltamos para o hotel, cada um se dirigiu ao seu quarto para fazer as higienes pessoais, e eu só pensava nos conselhos de mamãe.

"Homem se satisfaz com facilidade, minha filha, não se preocupe. Deixe que ele a guie pois sabem melhor o que fazem do que nós. É desconfortável na primeira vez mas vai ficando cada vez mais fácil e as vezes podemos até gostar."

Fui tomar banho pensando nessas palavras, deixei a água escaldante cair sobre meus ombros demoradamente e fiquei tentando distrair a mente. Uma parte minha ansiava por aquilo, desejava tirar essa barreira do caminho e começar a jornada ao lado daquele homem que pude conhecer um pouco mais hoje no decorrer da tarde. A outra parte... Ah a outra parte! Essa se sentia num matadouro. Já viu um matadouro, fiel leitor? Sabe quando as vacas fazem fila e no instante que tomam consciência do que as aguardam não conseguem dar meia volta e fazer o caminho contrário? Eu me sentia um pouco assim. Não porque não estava disposta em cumprir o o meu papel nesse matrimônio, eu estava, de todo coração. Mas para mim, o homem que eu chamava de esposo ainda assumia a forma de um verdadeiro estranho, e ele o era. Bom, além do banho, tomei uma dose de coragem. Me olhei no espelho, sequei os cabelos negros e coloquei um roupão antes de me dirigir ao quarto. Heng estava vestido da mesma forma e me esperava.

- Ainda não tive a chance de te dizer o quanto você é bonita, Sarocha Asavarid.

Ouvir o meu novo sobrenome na boca dele soou tão inesperadamente estranho quanto tudo o que se seguiu dentro daquele quarto. Heng estava próximo, me puxando pela cintura e desatando o nó que unia a abertura do pouco pano que eu usava. Puxou para baixo dos meus ombros e deixou que escorregasse. Estava tudo tão silencioso que tive a impressão de ouvir o emaranhado de pano leve tocando o chão. Ele fez a mesma coisa com o roupão dele e quando desviei o olhar do seu para ver o que é que realmente me aguardava, ele segurou meu queixo e me deitou gentilmente na cama. Depois deu início ao motivo de toda a ansiedade do meu dia, colocou os lábios nos meus e invadiu não apenas a minha boca com a língua, mas também outro lugar com outra coisa que o leitor a essa altura, já deve presumir o que seja.

Então em um último gesto de misericórdia, como quem golpeia a nuca da pobre vaca, Heng desligou o abajur, única fonte de luz daquele quarto.

O Preço do SalOnde histórias criam vida. Descubra agora