Minha mãe, se é que ainda sei ler os seus olhares, olhou Rebecca como um inseto. Um inseto vindo da Europa, que trazia consigo alguma epidemia invasora, e que precisava ser esmagado o quanto antes. Se eu tinha algumas reservas com estrangeiros, mamãe tinha todas elas. Para minha sorte, era praticamente impossível que Rebecca conseguisse qualquer contato direto comigo, então por hora eu estava segura. Eu estava no final de minha aula de pilates que acontecia toda terça-feira. Nam e eu havíamos nos inscrito juntas e as aulas aconteciam no horário de almoço da minha amiga, logo depois ela voltava para a empresa onde trabalhava. Já eu, amável leitor, regressava a minha fortaleza e me entregava a alguma leitura ou qualquer outro passatempo, como tomar sol quando estava sol. Como ainda estávamos nos períodos de monções, hoje estava chuvoso, e quando os dias estavam assim eu ocupava parte das minhas de terça-feira, levando minha amiga para o trabalho dela, um ótimo pretexto para colocar a conversa em dia. Enquanto descíamos, eu e Nam, juntas no elevador, eu comecei a pensar na coincidência estranha de sexta-feira.
"Aquela menina que havia tentado me derrubar em Wat Pho era próxima da minha família de alguma forma, com certeza ela estava passando um tempo com os avós tailandeses, já que como ela mesma disse, era mestiça. Ou será que estava morando aqui em definitivo? Hmmm".
- Freen, hey amiga... - A voz da Nam me tirou daquele transe.
O elevador já havia chegado ao estacionamento, as portas se abriram e nós duas saímos. Nam tentava me contar algo sobre alguém que ela havia ficado, mas eu estava tão absorta nos acontecimentos da última sexta que não havia escutado nenhuma palavra sequer do que ela havia dito. O vallet assim que nos viu, foi de pronto pegar o meu carro.
- O que há contigo? Está aérea hoje e estava aérea na terça passada. Pensando naquele seu maridão perfeito, é? – Nam achava Heng um belo de um partido. E de fato ele era.
- Amiga, desculpe. Estou pensando sobre a janta, o que é que o meu maridão perfeito vai querer comer quando chegar em casa. – Frisei o "maridão perfeito' imitando o tom que Nam havia usado, rimos juntas.
- Eu sei bem o que é que ele vai querer comer.
- Nam!! - Arregalei os olhos envergonhada e repreendi minha amiga.Paramos de frente para o Audi A8 que Heng havia me dado logo depois que voltamos de nossa lua de mel. Nam olhou para o belo automóvel e depois me olhou.
- Preciso de um Heng na minha vida. – Disse ela antes de entramos no carro.
Decidi dar um pouco de atenção para minha amiga durante o trajeto até seu trabalho, e ouvi todos os detalhes do tal que ela estava saindo, dos leves aos sórdidos, Nam nunca me poupava nada. A forma sôfrega com que ela relatava os encontros que tinha, me deixava intrigada. As posições diversas que testava, o prazer que ela dizia sentir... Era de um contraste enorme com o modo que eu e Heng nos relacionávamos. Eu escutava mais quieta do que qualquer outra coisa, mas às vezes soltava uma ou outra interjeição para incentivá-la a falar mais, de curiosa que eu ficava.
No caminho de volta para casa a chuva estava começando a cessar e um sol tímido ameaçava sair. O dia parecia me convidar para aproveitá-lo, e resolvi passar a tarde passeando. Fui almoçar no Saneh Jaan, na Witthayu Rd, lá eu comi um Pad Thai e um Curry massaman que estavam deliciosos. Há quanto tempo eu não comia bem não é atento leitor? Estava vivendo a base das minhas falhas tentativas de agradar meu esposo, e bote falhas nisso. A comida me animou de tal forma que saí inspirada a andar a pé sem um rumo certo, apenas contemplando aquela metrópole que me despertava sentimentos tão ambivalentes. Também existe amor em Bangkok, eu gostava de pensar. Meu caminhar despretensioso acabou me guiando para um lugar que eu adorava, o parque Lumpini. Quando parei na ponte Aldrin e fiquei olhando o lago a minha frente, logo me senti como Tess, a heroína de meu livro. Quando o abri depois de tira-lo da bolsa que carregava sempre comigo, me deparei com o seguinte trecho:
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O Preço do Sal
FanfictionÀs vezes o amor surge das situações mais improváveis. Chega sorrateiro em momentos que precisamos mudar, amadurecer, apenas para dizer a nós, falhos seres humanos, que, estávamos errados sobre alguns conceitos que entendíamos como corretos. Mas será...