Quem é Rebecca Armstrong? Taí uma ótima pergunta. Para Nam eu respondi a primeira coisa que me veio à mente. Que Rebecca é uma das colegas inglesas de Heng, dos tantos jantares intermináveis de negócios dos quais eu comparecia vez ou outra. Mas a pergunta instalou-se inesperadamente na minha cabeça, e passei todo o caminho para casa me fazendo-a.
Assim que desligo o motor do carro já dentro da garagem, desvio finalmente o olhar do parabrisa para o banco que Rebecca ocupava noutro dia. Recosto as costas no encosto e libero o ar represado dos pulmões enquanto reparo com detalhe que as marcas que o peso dela costuma deixar no couro do assento haviam sumido. O músculo mais poderoso do meu tórax se contrai angustiado. Ao esticar a minha mão para pegar minha bolsa no banco de trás, minha boca se retorce junto a minha sobrancelha ao reparar em algo atrás do banco do passageiro no chão. Uma sacola. Ela esqueceu o shorts! Me irrito com a possibilidade de Rebecca ter feito isso de propósito na tentativa de deixar outro encontro engatado. Não me surpreenderia. Tomo a sacola nas mãos e não hesito em abrir para olhar o conteúdo, mas hesito em tirá-lo de dentro da embalagem. Mesmo parecendo tentador, é algo particular. Tento resistir, falho. Tiro o shorts e instantaneamente se instala dentro de mim dois sentimentos contraditórios: culpa e curiosidade. Mesmo assim continuo a minha minuciosa investigação. Ah! Meu compreensível leitor, é mais forte do que eu. Aprecio com satisfação a maciez do cetim ao toque entre os meus dedos e por instinto levo a peça ao nariz, inalo lentamente voltando a inundar o maior órgão do meu corpo com o perfume já tão familiar que ela conseguiu impregnar tão rápido no tecido fino ao experimentá-lo. A atmosfera dentro do carro vai ficando gradativamente tão densa que me faz fechar os olhos. A lembrança dela com o rosto perto do meu na última vez que estivemos juntas neste mesmo carro, inunda a minha memória de uma forma impossível de afastar, e é como se eu pudesse senti-la ao meu lado naquele momento.
Abro os olhos e afasto o shorts, guardo-o no seu local original. Como quem quer se livrar da arma do crime que acabou de cometer, enfio com urgência a sacola no porta-luvas e saio apressadamente do veículo. Preciso dar um jeito de devolver isso sem que eu a veja novamente.
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É.. curioso leitor. Imagino que ficará satisfeito em saber que Rebecca conseguiu o que ela provavelmente almejava. Já que ela não sossegaria sem que eu mesma devolvesse o shorts em mãos, marquei essa tarefa para sábado. Mas devo adiantar que não conhecê-la o bastante para saber de suas reais intenções por trás de tanta insistência, me angustia bastante.
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Quinta-feira. Eu estou me empenhando para honrar meus compromissos no casamento com Heng. Por esse motivo topei ver Rebecca novamente no sábado, meu marido estaria em uma reunião extraordinária neste dia e eu estava aproveitando esses momentos para montar a minha agenda pessoal. As coisas entre nós já não estavam as mil maravilhas, e eu daria o meu melhor para não piorá-las.
Rebecca havia mencionado o Templo Wat Arun como destino para nos vermos no sábado pela manhã. O Wat Arun, também conhecido como Templo do Amanhecer, é um dos marcos mais famosos e belos de Bangcoc, a capital da Tailândia. Localizado na margem oeste do rio Chao Phraya, o templo é uma impressionante estrutura arquitetônica que se destaca pela sua altura e ornamentação intrincada.
A principal característica do Wat Arun é sua prang, ou torre central, que se eleva a cerca de 79 metros de altura. A torre é decorada com milhares de fragmentos de porcelana chinesa e pedaços de cerâmica colorida, que formam belíssimos mosaicos florais e figuras geométricas. Essa decoração detalhada e vibrante brilha sob o sol, criando uma visão deslumbrante, especialmente durante o amanhecer e o pôr do sol, quando o templo parece banhado em tons dourados.
Sua origem remonta ao século 17, e foi dedicado ao deus hindu Aruna, que personifica o amanhecer. Por esses motivos, este templo vinha, para mim, secretamente representando outro monumento chamado Rebecca.Rebecca tinha um tipo de beleza que emanava serenidade e renovação, assim como os primeiros raios de sol que iluminam o horizonte ao amanhecer. De aparência radiante e luminosa, com uma pele tão branca, como os fragmentos de porcelana chinesa, que parecia brilhar suavemente, e olhos que pareciam refletir a luz do sol nascente. Seu sorriso guardava o calor reconfortante do sol da manhã. E por esse motivo eu tinha uma resistência enorme de visitá-lo com ela.
Cresceu em mim um sentimento misto de ansiedade e culpa que fez meu estômago parecer suspenso dentro do abdômen. Eu nunca havia feito passeios assim com Heng, ele não me parecia muito o tipo de pessoa que gosta de cultura, como museus, parques, galerias de arte, embora fosse um homem de extrema inteligência acadêmica e intelectual. No entanto eu estava amando redescobrir a minha cidade natal e confesso ao leitor que esperava em secreta ansiedade o dia que Becky apareceria proponto algum lugar novo para visitarmos juntas. Eu me sentia traindo a confiança de meu esposo de uma forma muito covarde. Embora aparentemente não fosse nada demais, eu havia decidido internamente, e por um motivo escuso, não comunicar essas saídas a ele. O motivo de eu agir assim? Eu sinceramente não sei, acho que algo em mim gostaria de manter essa descoberta privada. Sabe quando algo é tão prazeroso que não queremos dividir?
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Eu abro os olhos, pisco algumas vezes até a visão turva começar definir o vulto à minha frente. Heng estava de cabelos molhados e toalha na cintura me olhando em pé. Ele tinha um corpo esguio e muito mais branco que o meu. Era um homem alto e não muito forte. Tenho certeza que muitas mulheres adorariam contemplar a vista com a qual ele me presenteava naquele momento.
- Bom dia, Freen.
- hmm - Tudo o que sai é um grunhido de preguiça enquanto me encolho na coberta e volto a fechar os olhos.Viro de lado e abro brevemente os olhos me deparando com a hora. 07h13. Me espreguiço e me sento na cama, ansiosa pela reunião de meu esposo para eu começar a me arrumar e ir buscar Rebecca em casa. Ele termina de secar os cabelos sem desviar os olhos do meu um segundo sequer, anda pelo quarto em minha direção, obrigando-me a segui-lo com o olhar. Eu engulo em seco. Por fim, Heng se posiciona ao meu lado e acaricia minha bochecha até meu queixo, segurando-o com a ponta dos dedos e me olhando com lascívia de cima. Eu entendia aquele olhar, infelizmente eu sabia exatamente o que ele queria. Algo que eu raramente fazia. Sempre terminava em dissabor. A mesma mão pousa na minha cabeça e puxa meu rosto em direção ao seu quadril. A outra mão desata a toalha revelando um membro ansioso e já parcialmente duro. Eu encontro os seus olhos e o escuto proferir a frase que me sentencia àquele sábado:
- Acho que estamos precisando de um momento juntos. Eu adiei a reunião para às 12h, meu amor. - Ele não obteve uma resposta minha.
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O Preço do Sal
FanfictionÀs vezes o amor surge das situações mais improváveis. Chega sorrateiro em momentos que precisamos mudar, amadurecer, apenas para dizer a nós, falhos seres humanos, que, estávamos errados sobre alguns conceitos que entendíamos como corretos. Mas será...