ABRINDO A CAIXA DA ESPERANÇA

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POV HOPE

Hepatectomia, gastroenterectomia, colecistectomia, colon sigmoidectomia, esofagectomia, esplenectomia, nefrectomia. Não demorei muito tempo para entender que o sufixo "tomia" queria dizer que eu perderia uma parte do meu corpo. Nunca simpatizei tanto com os ratos e rãs dissecados no semestre de biologia. Eu gostava de me apegar a última cena decente que vi na luz do dia - Aquele nascer do sol em Xangai - todas as vezes que era obrigada a encarar o foco cirúrgico que demorava para sair do meu rosto. Por mais que meu corpo tivesse se acostumado ao estresse de passar por aquilo várias vezes no dia, eu não conseguia me acostumar com o fato de que não havia encontrado uma saída dali.

D - E então, podemos começar ? - Ele perguntou erguendo a seringa no ar.

Não respondi sua pergunta, mas o encarei irritada.

D - Não me olhe assim, Hope, sabe que a culpa não é minha de ter recursos limitados. Embora sua compulsão nos garanta uma boa verba, manter esse lugar e meus trabalhos com vocês custa caro, não sobra muito dinheiro para comprar anestésicos.

H - Sabe o que vai custar caro ?

D - Não volte a fazer ameaças vazias, sabemos que não pode cumpri-las. Agora, tente não gritar tão alto, está bem ? Esse motor velho faz barulho, mas não quero correr o risco da sua voz se sobressair. - Falou ligando o maldito motor.

E assim, outras longas 16h se passaram antes de ele finalmente ficar cansado e me devolver para minha cela. Eu quase não tinha consciência, como se fosse apenas um saco de ossos e carne ensanguentado e largado no chão frio. Não conseguia lembrar de coisas simples como falar ou andar; não conseguia saber quem eu era ou o que estava sentindo. Como se meu cérebro estivesse reiniciando por uma vida toda em segundos muito cansativos. Antes de sair, para não perder o costume, ele repassou - ao seu modo - o itinerário de amanhã:

D - Descanse, querida, amanhã vai ser seu dia de folga. Sabem o que isso significa ? - Falou injetando a dose noturna de acônito no meu companheiro de cativeiro na cela ao lado. - Durma bem, John, nos vemos amanhã cedo. - Disse saindo e levando consigo a luz do ambiente ao fechar a porta.

O Que Restou de Mim Onde histórias criam vida. Descubra agora