Capítulo um

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O som do alarme disparou, me causando um estresse repentino.

Eu nem dormi e já amanheceu.

Suspiro fundo, passando a mão no cabelo, devo estar descabelada. Eu gostaria de saber como fico acordando. Nunca dormi ao lado de uma pessoa, agradeço por isso,  e livrei a pessoa de um susto. Segundos se passaram, e por fim me deslizei para fora da cama e me arrependo no instante em que meus pés descalços entram em contato com o chão gelado, me causando arrepios por todo o meu corpo.

-Droga, eu tinha dormido com minhas meias. - resmunguei, procurando as meias por debaixo dos cobertores, mas falhando miseravelmente.

Não tenho tempo para ficar procurando meias.

Seis da manhã, o relógio marca.

Eu tenho que estar pronta em menos de uma hora. Mas a minha preguiça fala mais alto, me fazendo sentar na minha cama. Não estou pronta psicologicamente para ir à faculdade hoje. Mas eu também não posso ficar faltando. 

Faço faculdade de psicologia, o que é hilário, considerando o fato de eu não ter uma boa saúde mental. Pensei que a faculdade me ajudaria. Que eu faria novos amigos, que ao aprender e entender a psicologia, eu poderia me ajudar. Tentei aplicar os estudos em mim, tentei me ajudar, mas de nada resolveu. Talvez este seja o meu destino, sofrer pelo resto da vida de tristeza profunda e ter que ficar tomando remédios todos os dias, porque eu nem sirvo para dormir.

Eu espero estar enganada.

Um som alto de uma lixeira caindo no chão me faz sair de meus pensamentos. Eu nem preciso ir até a janela para saber quem é, mas por curiosidade, eu vou.

E lá está ele, Vinnie Hacker. Juntando os lixos do chão que ele mesmo derrubou. Sei que está resmungando e xingando, é típico dele xingar por quase tudo.

Ele é terrivelmente irritante.

Mas também é terrivelmente lindo.

Seu cabelo é loiro, com alguns cachos, semelhantes aos de anjos que sempre vemos em pinturas renascentistas. Ele é alto, deve ter por volta de 1,80 de altura, 15 cm a mais do que eu. É musculoso, e sei que ama ir para a academia. O vejo ir todo dia de manhã, às vezes costuma ir à noite. E posso acompanhar os resultados a cada dia. O seu corpo é repleto de tatuagens, tem uma em específica que é a minha preferida, uma cobra, ao redor do colo de seu pescoço. Não sei o porquê de ela ser a minha preferida, mas toda vez que eu olho, sinto um desejo enorme de encher aquela tatuagem com beijos. E por fim, o olhar dele. Seu olhar é simplesmente cativante. Nunca sei o decifrar e isso me deixa frustrada.

Vinnie Hacker tem um jeito misterioso. Talvez seja porque eu ainda não o conheço. Quase nunca conversamos, e quando isso acontece, ele sempre me provoca e eu acabo ficando estressada.

Eu já disse que ele é terrivelmente irritante?

Pois bem, ele é uma das pessoas mais irritantes que eu já conheci. Sempre está fazendo algo para me provocar, talvez esse seja o seu jeito de querer chamar atenção. Mas acontece que eu acabo o achando bobo e criando um pequeno (grande) ódio por ele.

Nunca tive problemas com a vizinhança. Moro neste bairro desde os meus dezoito anos, há 4 anos. Sempre fui muito educada com os meus vizinhos, nunca dei uma festa em minha casa e nem fiquei até tarde da noite com o som alto.

Mas Vinnie é totalmente o oposto de mim. Ele sempre fica até tarde da noite com os amigos, fumando e bebendo. Todo fim de semana ele faz festas, e nunca tem um horário para acabar. E ele desperta um lado meu que eu não gosto, um lado vingativo. Porque por muitas vezes eu pensei em perturbar ele, mas de maneira pior.

E eu não sou uma pessoa má.

Tento sempre repetir isso para mim mesma, todos dias. Porque eu sei do que sou capaz. Eu sei o que já fiz no meu passado e não me orgulho disso.

-Bom dia, vizinha.

O sorriso de Vinnie está estampado em seu rosto, quase todos os dias eu via aquela linda constelações de dentes, e eu tentava não sorrir junto, porque embora eu não goste dele, seu sorriso é contagiante.

-Não vai me dar um bom dia? Pensei que você fosse mais educada, gatinha. - Ele ainda mantém aquele sorriso, e sabe que não vai ter uma resposta minha.

Eu fecho a cortina com uma certa força, e posso escutar a sua risada alta. Ele gosta disso. Para ele, me perturbar é como diversão. Como se eu fosse seu brinquedinho. Mas eu não sou um brinquedo, espero que ele vá se divertir com outra.

                                          ...

O tempo mudou, de uma hora para a outra. Minha atenção já não está voltada para a aula e sim para a corrida de pingos que estava acontecendo na janela, do lado de fora. Faltam 19 minutos para a aula acabar, e creio que ninguém nessa sala está prestando atenção no que o professor está dizendo.

-No que está pensando, Evie? - minha amiga perguntou num sussurro, perto do meu ouvido.

-Em como quero que os minutos passem logo para eu estar em casa.

-Tem certeza de que é só isso?

-Por que não seria?

Ela faz uma careta estranha, como se estivesse pensando.

-Porque você sempre está muito pensativa, o tempo todo.

-É bom pensar, Amélia. Você deveria pensar mais.

-Está dizendo que eu não penso? - um suspiro e então ela se ajeita em seu lugar e eu me viro para ela.

-Depois que você disse que quer ficar com o meu vizinho, eu tenho minhas dúvidas. - brinquei com ela, logo a vendo ficar animada. E lá vamos nós.

-Você conseguiu o número dele? - Faço que não- Pensei que fosse me ajudar a ficar com ele, Evie.

-Relaxa, você pode encontrar alguém melhor. - A incentivo.

Amélia é uma das poucas meninas que eu conheço na sala. Na verdade, na faculdade. Ela é bonita, e popular. Sua popularidade vem de seu pai, que é vice-prefeito da cidade. Mas Amélia não parece gostar, e é criticada por ser vista constantemente conversando com os alunos que são considerados nerd, tipo eu.

Não entendo o porquê de sermos considerados esquisitos como se não fôssemos humanos. Apenas somos mais inteligentes do que outras pessoas.

Engraçado que sempre nos pedem ajuda em trabalhos ou redações. Pois eu deixo pedirem. Posso até ser considerada nerd, mas não sou tonta.

-Evie, como pode não achar o seu vizinho bonito? Ele é simplesmente perfeito! E as tatuagens… Eu tenho uma queda nelas.

̶E̶u̶ ̶t̶a̶m̶b̶é̶m̶,̶ ̶A̶m̶é̶l̶i̶a̶.̶ ̶

Faltam 56 segundos.

Só mais alguns segundos para eu sair daqui.

Amélia se levantou, pegou a sua bolsa e me encarou por alguns segundos, antes de seus lábios se formarem em um sorriso e ela dizer:

-Por favor, consiga o número dele.

Mal sabe ela que eu já o tenho.

O perigo mora ao ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora