Capítulo catorze

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Estou sentada em minha varanda há quase meia hora, desde quando acordei. Ainda não são nem seis da manhã. Simplesmente não consigo voltar a dormir, ontem recebi muitas informações sobre mim e sobre o meu passado. Quando atravessei aquele restaurante, pensei que Bill era apenas um senhor simpático, italiano, dono de um restaurante e conhecido de Vinnie. Mas ele fez parte de uma pequena parte da minha vida. Ele foi amigo do meu "pai". Ele me conhecia, e seu filho, Davide, era um amigo meu de infância, que eu sequer lembrava.

Depois de toda a descoberta, o meu vizinho me deixou em minha casa. Tomei um banho e tentei estudar um pouco. Mas de nada adiantava, a minha mente voltava para todos os acontecimentos.

Ontem eu não expressei reação nenhuma quando Bill me contou que o meu pai havia dito que eu e minha mãe tínhamos falecido em um acidente, mas aquilo me magoou. Doeu no fundo da minha alma saber que o homem que eu considerava pai, era o mesmo que espalhou boatos de que eu estava morta.

Embora ele nunca tivesse sido um pai para mim, eu ainda o respeitava e tentava de alguma maneira ter uma boa relação com ele. Eu queria uma família, uma mãe e um pai ao meu lado.

Tola.

Suspiro fundo e me levanto.

O céu está visivelmente cinzento, indicando que irá chover durante o dia. Tudo o que eu precisava, um dia de chuva.

-Por que está acordada? - Viro o meu pescoço para encarar o meu vizinho que está apoiado em sua varanda. Ele está sem camisa, apenas vestindo um shorts de malha e tênis.

-Está indo correr?- Pergunto.

-Isso não é válido, eu fiz uma pergunta primeiro- Ele diz rindo, mas a espera de uma resposta.

-Tudo bem, eu respondo a sua pergunta. -Mais uma vez suspirei, desviando o olhar- Eu não consegui dormir direito. A cada dia a minha vida vem se tornando uma bola de neve. Cada dia descubro um pouco mais sobre mim e sobre o homem a qual me criou e isso me assusta. Me assusta saber que vivi com mentiras ao meu redor. - Desabafo finalmente. As coisas tem acontecido de forma tão rápida, que nem consegui assimilar tudo. Estou perdida demais para pensar.- Sua vez de responder a minha.

-Estou indo correr. Gosto de fazer isso todas as manhãs- Sim, eu já sabia disso. Ás vezes eu o observava, mas só as vezes. - Sabe, acho que eu tenho a minha parcela de culpa. - Ele diz.

Culpa no que?- Volto o meu olhar para ele. Vinnie me encara de volta, mas os seus olhos estão distantes.

-As vezes eu fico pensando se fiz o certo em ter te contado sobre tudo isso. - Ele suspira fundo e se afasta da varanda, saindo do meu campo de visão.

Fico alguns minutos tentando entender o que acabou de acontecer, mas então o vejo saindo pela porta de sua casa. Ele abriu um sorriso e só quando atravessa a cerca, percebo que segura duas xícaras. Se senta ao meu lado e me entrega uma xícara. É chocolate quente.

-Fiz quase agora, eu gosto de tomar nos dias chuvosos.- Diz.

-Mas nem está chovendo. - Rio baixinho, brincando. - Mas obrigada. É a minha bebida favorita.

-Engraçado que a minha também.

-Está falando sério?- Pergunto e ele confirma com a cabeça. - Uau, eu pensei que fosse alguma com álcool. Você não coloca álcool na bebida, não é?

Ele está rindo, e como o seu sorriso é lindo. Não me canso de dizer, muito menos pensar.

-Não, não é. Sabe, embora não pareça, eu amo chocolate quente e café.

-Ainda estou te conhecendo. - Digo e bebo um gole da bebida. Não vou negar, ele sabe fazer um bom chocolate quente, mas não vou dizer isso a ele.

-Desculpa por ter bagunçado a sua vida. - Seu sussurro é tão baixo que quase não consigo escutar. Meu olhar está nele, tentando observar cada feição. Ele mantém a cabeça baixa, não a levanta por nem um segundo.

O silêncio se faz presente entre nós. Sem saber o que responder, me aproximei dele e involuntariamente, o abracei.

-Você não precisa me pedir desculpas por isso, por nada, na verdade. Em algum momento isso iria acontecer e fico feliz que tenha sido agora. Sem contar que foi eu quem decidiu isso, a escolha foi minha de me juntar a vocês. - Agora foi a minha vez de sussurrar.

Continuamos abraçados por algum tempo, ele não disse uma palavra sequer sobre o que falei. Não insisti. O silêncio não é tão constrangedor e o corpo dele tão perto do meu mee faz sentir algumas borboletas no estômago. Tão clichê. Seu cheiro é suave, sua pele é macia e seu corpo é quente. Quero morar no abraço dele ou pelo menos ficar um bom tempo assim.

-Vai ficar tudo bem. - É o que ele me diz, ainda abraçado em mim.

-Eu sei que vai, pela primeira vez eu acredito nisso.

...

O professor acaba de adentrar na sala de aula. Ele é tão bagunçado. Sua aparência não é feia, mas suas roupas deixam a desejar. Ele sempre está com o cabelo bagunçado, suas roupas frequentemente estão amarrotadas e sempre com uma mancha de suco, café ou chá. A de hoje é café.

-Bom turma, quero dizer que infelizmente terei que liberar vocês. Passei mal agora pouco e não tenho condições de dar aula. Por favor, leiam o artigo que passei na última aula. - Ele diz recolh endo seus materiais, um pouco desastrado e deixando algumas folhas caírem pelo chão.

-Eu imagino como deve ser a casa dele. - Amélia diz assim que o Sr.Hills se retira da nossa sala de aula.

-Aposto que deve ser a maior bagunça.

-Não duvido. Outro dia encontrei ele em um restaurante, foi horrível vê-lo comer. - Ela se joga cadeira vaga ao meu lado. - Você está estranha. - afirma.

-O que? Não, não estou estranha. Só estou um pouco cansada, esses dias foram tensos. - murmuro.

-Se quer uma notícia boa, eu já terminei a sua roupa. - Ela diz, balançando o seu cabelo, o que me faz rir.

-Você é muito rápida, gostei de ver.

-Eu sou muito talentosa, ok? Aliás, Jordan perguntou de você ontem. - Ela diz enquanto se levanta e faço o mesmo.

Estamos no corredor quando ela me cutuca. Paro e me viro para ela.

-O que ele perguntou?- Pergunto curiosa em saber o porquê de Jordan ter perguntado sobre mim.

-Ah, perguntou se você estava bem e se conversávamos muito. Eu respondi que você estava bem. - Meu celular vibra no bolso, e rapidamente o peguei pensando ser uma mensagem de Vinnie, mas não, é de meu pai.

"A data do meu aniversário mudou, será neste final de semana, no mesmo horário. Espero por você"

-Claro, eu não estranhei sua pergunta, até porque todos nós estamos preocupados com você...- Amélia continua falando, mas minha mente já não está focada em suas palavras e sim na mensagem que acabo de receber.

Sinto todo o meu corpo tremer. Antes eu não estava nervosa, mas agora sim estou.

-Amélia. - A chamo.

-Sim? - Ela para de falar e me analisa, tocando a minha testa. - Você está bem? Está um pouco pálida.

Eu desbloqueio o meu celular e abro o chat com o meu "pai" mostrando a última mensagem. Ela o pega e solta um pequeno palavreado.

"Puta Merda." Pois é Amélia, puta merda. Agora faltam 3 dias.

O perigo mora ao ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora