Capítulo treze

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Já se passaram 15 minutos desde que ambos entraram em um quarto para conversar. Não faço ideia sobre o que seja o assunto, tudo me parece tão misterioso. Mas é assunto deles.

Suspiro fundo me sentindo um pouco entediada. A sala está em completo silêncio, a não ser pelo relógio da parede que faz  tic-tac. Me levanto, começando a caminhar pelo ambiente, observando alguns quadros que estão espalhados. Davide é um bom pintor, seus quadros são lindos, embora eu não compreenda a maioria deles. Pego um que chama a minha atenção, e em minhas mãos observo o quadro, é o restaurante abaixo. Atrás da moldura, noto que há uma foto pendurada e nela está escrito:

"Para meu velho amigo Bill. Uma recordação de nossos pequenos. As férias foram ótimas, obrigado."

E ao virar a foto, percebo que é o restaurante, mas há duas crianças sentadas no chão enquanto fazem carinho em um cachorro. Meu coração começa a palpitar, porque essa criança sou eu. Como não me reconheceria? Mas quem é esse menino ao meu lado?

O som da fechadura da porta me assusta e logo me viro em direção ao som, encontrando Vinnie e Davide saindo pela porta. Eles me observam e meu olhar se dirige a Davide. Seus olhos estão assustados ao notar a foto em minhas mãos e então, faço a primeira pergunta que me atinge.

-É você o menino da foto, não é? - pergunto levantando a foto.

-Evie, sabia que é feio bisbilhotar as coisas dos outros? - o tom na voz de Vinnie é de brincadeira, mas não o respondo, continuo olhando para o seu amigo que está em silêncio.

-Por que você está nela? Por que estou nela?- pergunto.

Ele olha para o meu vizinho por alguns segundos antes de se sentar no sofá. Silenciosamente, ele me chama para se sentar a frente dele, e é o que eu faço. Ele pede a foto e eu a entrego. Davide passa o seu indicador pela foto, no seu rosto está um sorriso.

-Você nem se lembra, não é? - pergunta num sussurro que quase não consigo escutar.

-Não, não me lembro. Do que eu deveria me lembrar?

-Tínhamos 4 anos de idade, nossos pais eram amigos. Você vinha para cá nos feriados e ficava conosco sempre quando o seu pai viajava a trabalho.- Ele me encara, mas não esboço reação alguma. Ele continua: - Nós éramos muito amigos, estávamos sempre juntos. E essa é a última foto que tiramos juntos.

-Por que? Por que foi a última?- Ele suspira fundo e passa a mão pelo maxilar.

-Nossos pais brigaram. Era feriado, dia de ação de graças e sua mãe veio te trazer, mas estava machucada. Muito machucada. -Ele apoia os cotovelos nos joelhos e me encara.- Meu pai ficou extremamente furioso quando viu o que seu pai havia feito, então, no dia seguinte, quando o seu pai veio te buscar, eles brigaram. Lembro que você estava tomando banho e desci para avisar o seu pai, mas encontrei os dois no chão enquanto brigavam. Eu pedia para parar, mas nenhum deles me escutava.- Houve uma longa pausa.- Meu pai me olhou e pediu para eu subir, assim eu o fiz. Não sei exatamente o que aconteceu, mas eu vi o seu pai entrar desesperado pela nossa casa. Você tinha acabado de sair do banho e ele te pegou no colo, a levando. Quando eu desci, encontrei o meu pai na cozinha do restaurante, com uma faca atravessada na perna.

Me levantei do sofá em um movimento rápido e comecei a caminhar de um lado para o outro. A cada dia que se passa, sinto mais raiva do homem ao qual passei a vida chamando de pai.

Parei o lado de Davide e me ajoelhei à sua frente.

-Me desculpa, me desculpa.

-Você não fez nada, Evie. Você não fez nada disso, o seu pai fez. Ele é o culpado de tudo, e nós somos apenas vítimas. - Ele diz tocando o meu rosto e acariciando.

-Preciso agradecer ao seu pai. Ele só queria defender a minha mãe. - Sinto lágrimas em meu olhos, sinto a ardência delas e o amargor em minha boca.

-Você pode agradecer, ele está lá embaixo. Mas por favor, nunca mais se desculpe pelas coisas que o seu pai fez. -Ele sussurra, deixando um selar no topo de minha cabeça e eu concordo - Fico feliz que esteja bem, fiquei preocupado com você durante anos.

-Eu estou bem, estou melhor do que nunca estive.- Disse para ele, me virando em direção à Vinnie. - Você sabia disso?

Ele não responde de imediato, me observa por longos minutos, sua boca abre e fecha, e por fim diz:

-Sim, eu sabia disso.

-Foi proposital ter me trazido aqui?

-Não, não foi. Não queria que soubesse agora. Davide me pediu isso enquanto estávamos conversando.

-Você me reconheceu quando entrei aqui? - Pergunto a Davide.

-Eu já sabia de você, Evie. Eu trabalho com o Vinnie e é claro que estávamos te observando há algum tempo.

-Você também é um espião?

-Agente, Evie. Somos agentes. - Diz meu vizinho, fazendo seu amigo gargalhar.- Ótimo, virei palhaço agora. Podemos descer? Estou morrendo de fome.

-E quando você não está? - Brinco com ele e ao me levantar,  noto o olhar de Vinnie sobre o meu corpo. Não estou constrangida ou algo do tipo, pelo contrário, me sinto pela primeira vez, atraente. E ele percebe que estou o encarando de volta, quase rio com a expressão que o mesmo acabou de fazer.

-Certo, vamos descer. - Ele se levanta depressa e caminha até a porta, saindo pela mesma.

-Acho que ele gosta de você. - Davide diz enquanto também caminha até a porta. Não sei o que responder, então apenas saio pela porta e corro para o andar debaixo. Droga, Evie. Por que ficou tão nervosa com um simples comentário?

Ao estar de volta ao restaurante, observo tudo ao meu redor, o ambiente agora se encontra vazio. Pelo o que Davide disse, eu frequentava muito este lugar. Mas era tão pequena que já não tenho recordações. Passo minha mão pelos quadros que estão pendurados na parede. Um em específico chama a minha atenção, são duas mãos, de duas crianças. Provavelmente uma dessas mãos deve ser a minha.

-Você e Davide gostavam muito de brincar com tinta. - A voz de Bill se instalou pelo restaurante e eu rapidamente me viro para o encarar. Seus olhos azuis piscam para mim e posso ver algumas lágrimas em seus olhos.

-Não chore, senhor Bill. - Digo me aproximando e ele me puxa para um abraço apertado.

-Ele mentiu pra mim, eu o encontrei uns cinco anos atrás. Ele disse que vocês haviam morrido em um acidente de carro.- Ele diz enquanto cai em lágrimas- Você não faz ideia do quanto estou aliviado em saber que você está bem e que sabe de tudo o que o seu pai fez. - Permaneço em seu abraço e lentamente nego com a cabeça.

-Ele não é o meu pai. Não o posso chamar assim. - Ele se afasta para me encarar e abre um pequeno sorriso, concordando com a minha fala

...

Estamos novamente no carro e não trocamos nenhuma palavra desde que saímos do restaurante de Bill. Estamos num completo silêncio, talvez ambos perdidos em pensamentos e sentimentos. Antes de sair, Bill me contou algumas histórias e Davide fez questão de passar o seu número para manter contato comigo.

Hoje de manhã, quando eu acordei, pensei que apenas teria um treinamento, mas a minha vida tem mudado a cada dia. Um dia eu era uma garota simples e que ia à faculdade, e no outro descobri que meu pai é um criminoso e então aceito ajudar o meu vizinho, um tanto irritante, a prender ou até mesmo assassinar o meu genitor. É uma loucura? Com certeza. Posso ser presa? Provavelmente sim. Mas eu sinto que estou no caminho certo. Ele destruiu a minha vida, a vida de Vinnie quando assassinou os pais dele e destruiu a vida da minha mãe. E eu não vejo outra maneira a não ser essa. Estou tão cansada de ser fraca e incompetente a ponto de não fazer nada para ajudar a minha mãe. Eu quero ele morto, eu quero ele gelado,  apodrecendo no inferno.

Sinto os dedos de Vinnie sobre a minha mão e eu levo o meu olhar a ele. Seu olhar é de conforto e eu sussurrei um “obrigado”. Nunca estive tão grata por alguém ter entrado na minha vida. Estou escrevendo um novo capítulo e mal vejo a hora de avançar para os próximos.


O perigo mora ao ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora