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A noite estrelada e as nuvens chegando.

Deitou os dois juntos. A vaca, mesmo fraca, chorava pela morte do filhote e partia o coração de Naruto. Este enxugou as lágrimas e rodeou o pequeno com pasto seco e madeira, como uma manjedoura. A vaca deitou a cabeça sobre o seu bebê e fechou os olhos. Uma lágrima desceu dela.

Foi o último suspiro daquela mãe que lutou até o fim pela vida dos dois.

Com um facão, Sasuke arrancou a cabeça do garrote e depois da vaca, matando-a, mas ainda os manteve próximos. Ela deu a vida para proteger o filhote do chupacabra, que continue junto dele agora. O fogo foi aceso e dado o ar seco e sem vento, logo as chamas se espalharam sobre as duas carnes contaminadas pela maldição do vampirismo. É isso o que é um chupacabra é. Um vampiro da morte e da podridão, que cresce na seca. Fosse homem, fosse bicho, ele enlouquece, apodrece, vira um morto-vivo com sede de sangue e mata bebendo o fluido.

Não há bons sentimentos no coração de quem cria um chupacabra.

A maldição se espalha rápido, basta uma mordida ou um arranhão para infectar, mata com dor e sofrimento e a morte é a única forma de salvar a alma do condenado.

Sasuke tirou o chapéu quando a fumaça preta alcançou a noite infinita. Naruto sussurrou uma prece para São Francisco de Assis. As carcaças foram consumidas sem demora. Do meio das chamas, os dois viram um fio de fumaça branca sair e ganhar forma na frente deles. Forma de uma vaca e de um garrote. Os dois abanavam os rabos. O bezerro saltava animado e se esfregava carinhosamente na mãe, que olhou para os dois e mugiu.

-Vá com Deus. Uma boa sorte nim seu rumo. - disse Naruto. Mãe e filho caminharam juntos, contornando a grande fogueira e o fumaceiro, desaparecendo feito sombras. Sasuke colocou o chapéu na cabeça e suspirou entristecido. - É uma judiação sem fim. Eu sei que nos açougue o povo mata os bichins também, mas ao menos é pra comer depois. Quem fez isso, num tem coração.

-Tem mermo não. Uma mãe com um fiote...

O pai de Sasuke, quando ele era bem novo, ainda criança, o ensinou que não havia traço maior de riqueza para um homem do sertão do que suas vacas e seus bois. Quem tinha uma boiada ou quem cuidava de uma, encontraria a própria felicidade para sempre porque o gado nunca deixaria de suprir as necessidades dos seus criadores. Leite, carne, adubo para a terra, dinheiro e o que mais fosse possível para quem soubesse cuidar bem do seu gado, por isso doía a Sasuke ver um boi morrer assim.

Naruto respirou fundo, pensando naqueles animais, no quanto sofriam enquanto enlouqueciam por conta da maldição, sem ter a quem pedir ajuda para superar o sufoco ou morrer antes de cometer uma desgraça grande contra os seus pares.

Sua mãe lhe falou de um tempo em que coisas terríveis aconteciam, desse modelo, e naquela época o sertão ardia como brasa numa fogueira sem fim. O sol estalava na pedra e no chão, mal se sentia o sopro da brisa ou o rastro de uma nuvem e o rádio tocava todos os dias as torrenciais chuvas que desabavam quase todas as semanas sobre as cidades do Sudeste e do Sul. Os sertanejos rezavam por misericórdia e um pouco daquela água ou Delrey de Maria, como tantas outras cidades pequenas e esquecidas pelo Governo do Estado, viraria ruínas perdidas no meio do sertão. A quentura era tanta que, contava Dona Kushina, o fogo aparecia em plena luz do dia e destruía os matos.

A fome, uma consequência direta da seca, fazia os homens trocarem seus juízos por facões e armas para obter o que comer, como sobreviver. Um dos velhos que moram no seu quarteirão mencionou que ele ouvira dizer que naquela época, nas fazendas mais distantes, que hoje são ruínas sombrias, houveram assassinatos de parentes de sangue e o canibalismo deles. Eram tempos terríveis. Mas a chuva veio. As primeiras gotas evaporaram antes de tocar a terra, mas as outras atingiram as rachaduras como disparos de bala e abriram sulcos, escorregaram para o interior da areia e alcançaram as sementes. A chuva veio por semanas. O rio encheu de novo, as plantações foram salvas e o povo de Delrey de Maria sobreviveu para relembrar desses tempos, seja por bem ou por mal.

O Anjo e o Barão [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora